Acórdão nº 8/09.0TBMCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelJOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Data da Resolução26 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 8/09.0TBMCD.P1 Recorrentes – B…., SA; intervenientes C……, D…… e E…...

Recorridos – F….. e G….; H…., I…. e J…..; K…., L….. e M…..; B….. e intervenientes C…., D…. e E…..

Recursos: 1 – Apelação da ré seguradora sobre decisão interlocutória.

2 – Apelação da ré seguradora sobre a decisão final.

3 – Apelação dos intervenientes sobre a decisão final.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Recurso interlocutório interposto pela seguradora a fls. 496 Por se tratar de recurso interlocutório que só por lapso não foi oportunamente objeto de despacho de recebimento (ou de não recebimento), porquanto, se o fora, haveria de ter subido de imediato e em separado, e porque para o seu conhecimento irrelevam totalmente os factos fixados a final, por uma questão de ordem lógica e legal, iremos conhecer do mesmo antes dos demais, separadamente, e de imediato.

1.1 Relatório Na primeira sessão de julgamento, concretamente a fls. 481 destes autos, e apreciando o requerimento probatório da ré seguradora (de fls. 176/177), o Sr. Juiz de Círculo proferiu despacho onde, no que ora importa, decidiu: "Quanto ao referido em H)[1], por se tratar de matéria meramente opinativa e sem interesse direto para a boa decisão da causa indefere-se o requerido." Inserindo-se no processo entre as atas das diversas sessões de julgamento, veio a seguradora a recorrer do despacho que acabámos de citar (fls. 495), tendo apresentado as suas alegações a fls. 497/503, onde pretende que o aludido despacho seja revogado e substituído por outro "que determine a obtenção do referido parecer".

Este recurso obteve a resposta de H…. e filhos e K…. e filhas, que consta de fls. 514/515.

Como se deixou dito no despacho do relator que antecede este acórdão, o recurso ora referido não foi objeto de qualquer despacho (de recebimento ou de não recebimento) e, por isso, com prévio contraditório, se propôs o seu conhecimento, agora neste momento processual. Todas as partes, expressamente notificadas, nada vieram dizer. Em conformidade, ir-se-á conhecer o objeto dessa apelação, interposta a fls. 496.

Ao apelar do despacho que, em audiência e apreciando o seu requerimento de prova, indeferiu o pedido de parecer formulado na alínea H) desse mesmo requerimento, a seguradora pretende a revogação do decidido e a sua substituição por decisão que determine a obtenção desse parecer. Formula as seguintes Conclusões: 1 – A lei processual civil prevê a possibilidade de o tribunal solicitar pareceres técnicos, no artigo 535 do CPC; 2 – Um parecer, seja ele técnico ou não, é sempre matéria opinativa; 3 – O objeto indicado pela recorrente para o parecer é do maior interesse para esclarecer o alcance e sentido da sua defesa e, por consequência, para a boa decisão da causa; 4 – Ao indeferir a requisição do parecer, o tribunal violou o disposto no artigo 535 do CPC.

Os recorridos H…. e filhos e K…. e filhas responderam ao recurso.

Defendem que a seguradora deveria ter solicitado ela própria e diretamente os pareceres às entidades que discrimina; concordam com o despacho sob censura, quando este refere que a matéria é meramente opinativa e não tem interesse direto para a boa decisão da causa; por fim, defendem que essa mesma matéria, se assim se entender, pode ser objeto de prova testemunhal, como acontece com a matéria constante do ponto 27 da base instrutória, igualmente conexionada com os mesmos factos.

Como já se salientou em despacho próprio, notificado às partes (fls. 775 e ss.) este recurso "não foi admitido ou não admitido" na 1.ª instância; "em suma, não foi recebido e os autos prosseguiram. Na ocasião o recurso seria, se recebido, para ser processado em separado. Tal não aconteceu e, se bem vemos, agora deixou de se justificar". Acrescentou-se que, por uma questão de celeridade e cooperação "o recurso pode ser recebido nesta instância", mas que, para tanto, "devem as partes pronunciar-se sobre essa possibilidade, em especial se entenderem que tal não deve ser feito". Em conformidade, as partes foram notificadas do aludido despacho ("pelo qual se antecipa a possibilidade de receber o recurso de fls. 495") e para "se pronunciarem, querendo, considerando-se que nada opõem a essa possibilidade se nada disserem no prazo de 10 dias".

Não houve qualquer pronúncia das partes.

Em conformidade, considerando os princípios processuais da cooperação e celeridade, e uma vez que o recurso foi tempestivamente interposto, a decisão sob censura é recorrível, e os recorridos foram notificados (tendo alguns deles respondido) Admite-se o recurso interposto com o requerimento de fls. 495, que é de apelação e, porque findo o processo, sob nos autos, com efeito devolutivo.

1.2 Objeto do recurso de fls. 496 Definido pelas conclusões da ré apelante, o objeto deste recurso (apelação interlocutória) consiste em saber "Se deveria ter sido deferida a pretensão da ré seguradora no sentido de ser pedido "parecer técnico".

1.3 – Fundamentação de facto e apreciação jurídica do recurso de fls. 496 A matéria de facto relevante para a apreciação do recurso resulta clara do relatório antecedente e da definição, pela ré seguradora apelante, do objeto recursório. Ainda assim, com interesse ao conhecimento do seu objeto, acrescentamos o seguinte, que os autos documentam: 1.3.1 - Junta com a petição dos autores, encontram-se no processo, certificadamente, os autos de Inquérito que correram termos pelo crime de homicídio negligente, respeitante ao acidente de viação que aqui se discute.

1.3.2 - Deles consta, além do mais, o "auto de exame direto ao local" (do acidente), com as características da via e a sinalização.

1.3.3 - A fls. 54, nesse Inquérito, dá-se especificamente conta do tipo de pavimento, largura e configuração da faixa de rodagem, número e largura das vias, estado de conservação e superfície da via, descrição dos lados marginais e luminosidade. Igualmente se dá conta da sinalização vertical e horizontal (inexistente) e do limite de velocidade.

Apreciemos.

A fls. 175/178 a seguradora/recorrente apresentou o seu requerimento de prova (para o qual, mais adiante, remeteu) e aí, entre outras pretensões, formulou a constante da alínea H), concretamente a fls. 177, in fine/178.

Nessa alínea, a ora recorrente veio "Requer, nos termos do disposto no artigo 535, n.º 1 do CPC que ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil e ao Ministério e ao ANSR - Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária seja requisitado parecer técnico destinado a esclarecer o seguinte: no local onde se deu o acidente de viação a que reportam os autos, atentas as características que o mesmo possuía na data do acidente, atenta a necessidade de a via cumprir os requisitos de segurança legalmente impostos, era necessária a colocação de guardas ou barreiras de segurança que impedissem a passagem dos veículos da via para a albufeira do Azibo, em caso de despiste? Caso existissem no local as referidas barreiras de segurança ou outras que se acharem mais adequadas, seria provável que, mesmo assim, o veículo caísse às águas da albufeira do Azibo?" Por não ter ocorrido pronúncia anterior sobre o aludido requerimento probatório, aquando do julgamento, e ditado para a respetiva ata da audiência, foi proferido despacho que, no respeitante à citada alínea H) indeferiu a pretensão da ré, "por se tratar de matéria meramente opinativa e sem interesse direto para a boa decisão da causa".

Vejamos.

Funda a recorrente a sua pretensão – e, por consequência, o seu recurso – no disposto no artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC).

Este normativo refere-nos o seguinte, no seu n.º 1: "Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade"; o n.º 2 do preceito acrescenta que "A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros".

A redação acabada de citar alterou o texto primevo do preceito ("O tribunal pode, por sua iniciativa ou mediante sugestão de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade") que, deste modo, transformou o que era considerada uma simples faculdade ou um poder discricionário num poder-dever ou, pelo menos, numa discricionariedade vinculada.

Tal alteração, ainda assim, não modificou de maneira nenhuma o ónus de prova e os deveres das partes a ele inerentes, nem a exigência que a requisição pelo tribunal só faz sentido quando a parte demonstre que não pode obter, pelos seus meios, o documento em causa e, mesmo aí "o tribunal deve fazer um juízo prévio sobre a pertinência e conveniência dos dados a solicitar" (Acórdão da Relação de Coimbra de 20.06.2006, dgsi).

A lei, no fundo, continua a conferir "ao tribunal a faculdade de requisitar documentos, atividade que o tribunal deve exercer quando considere que os documentos são necessários para a descoberta da verdade. Fora desse condicionalismo não deve o tribunal tomar a iniciativa de requisitar documentos nem deve aceitar requerimento ou sugestão em tal sentido" – Fernando Pereira Rodrigues, A Prova em Direito Civil, Coimbra Editora, 2011, pág. 97.

A relevância (necessidade) para a descoberta da verdade, bem se vê, refere-se à matéria de facto, pois o Direito só ao tribunal compete aplica-lo. Nesse sentido, o autor acabado de citar (no loc. cit.) refere muito explicitamente que "os pareceres técnicos que o tribunal pode requisitar são pareceres sobre a matéria de facto e não sobre a matéria de direito.[2] " No caso presente, como se viu supra na factualidade transcrita, constam já dos autos os elementos pertinentes (elaborados pela autoridade de investigação competente) relativos às características da via e, nomeadamente à sua sinalização.

Pretender, como pretende a recorrente, um parecer que vá além dessa realidade de facto é pretender um...

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