Acórdão nº 1163/06.7TAVRL.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelALVES DUARTE
Data da Resolução21 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1163/06.7TAVRL.P2 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório.

B…, C…, D… e E… recorreram da sentença proferida no processo em epígrafe que as condenou,[1] como autoras materiais e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 10.º, 15.º, n.º 2, 26.º, 1.ª proposição, e 148.º, n.os 1 e 3, do Código Penal, na pena de 85 dias de multa,[2] julgou procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar …, e, em consequência, condenou-as no pagamento de € 1.844,74, a título de danos patrimoniais sofridos pela prestação de cuidados médicos e de saúde ao menor F…, a que acrescem os respectivos de mora à taxa supletiva de 4% devidos desde a data em que foram notificados do mesmo e até efectivo e integral pagamento e parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil formulado por F…, por G… e por H… e, em consequência, condenou-as no pagamento de € 9.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pelo menor F… e no pagamento de € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos por G… e H… e absolveu-as do mais peticionado a título de danos não patrimoniais, pedindo que a sentença recorrida, na parte impugnada, seja revogada e as mesmas absolvidas do crime e do pedido cível em que foram condenadas, culminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões, já corrigidas na sequência de convite que para tal lhes foi dirigido pelo Relator: 1. Em função do supra exposto, entende-se que o Tribunal recorrido não analisou com o cuidado devido a prova produzida, o que resultou na condenação de inocentes, situação esta que por via deste recurso se pretende inverter, como é de justiça.

  1. Conforme aduzido, entre 21 de Dezembro de 2010 (data em que foram prestados os depoimentos das testemunhas) e 21 de Outubro de 2011, (data em que, na sequência da alteração não substancial dos factos foi reaberta a audiência para dar conhecimento às partes), não foi produzida qualquer prova, o que, tendo sido ultrapassado o período de 30 dias fixado por lei, acarreta a ineficácia da prova produzida, nos termos do artigo 328.º, n.º 6 do CPP, independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do CPP.

  2. Assim, face ao exposto, enferma a decisão ora recorrida de um vício por violação do princípio da continuidade da prova, acarretando a perda de eficácia da prova produzida impossibilitando, em consequência, a sua valoração.

  3. O Tribunal e Ministério Público inquiriram as testemunhas indicadas pelas Arguidas sobre factos que a defesa não indicou, pelo que tais depoimentos prestados pelas testemunhas, na parte à qual não foram indicados deviam ter sido considerados como não escritos, pois exorbitam do objecto a que foram indicados e, como tal, não podem valer como meio de prova.

  4. Não foram as testemunhas em causa solicitadas pela Acusação, por iniciativa da Acusação, a deporem sobre os factos não indicados pela defesa que as arrolou.

  5. Assim, o Ministério Público estava vinculado pela regra da limitação do âmbito do contra-interrogatório ao âmbito do interrogatório directo, pela razão de que apenas pode inquirir para esclarecimento do depoimento prestado.

  6. O Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova, tendo incorrectamente julgado os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 39, 40 e 41 da matéria de facto dada como provada - porquanto a fundamentação de tais factos, baseia-se, entre outros, nas “declarações das arguidas prestadas na fase final do primeiro julgamento, que de forma reservada mas suficientemente clara, explicaram as funções que exerceram no referido estabelecimento”.

  7. Sucede, porém, que as Arguidas não prestaram declarações, pelo que não entendem como tal factualidade pode resultar provada com fundamento nas “declarações das arguidas”, pelo que, a valoração de tais meios de prova deve ser nula, determinante do reenvio do Processo para novo Julgamento, com as legais consequências.

  8. O Tribunal recorrido incorreu em incorrecto julgamento da matéria factual e uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, dado que não existem nos autos provas que impunham a decisão recorrida, quanto aos factos os pontos de facto 6), 7), 8), 9), 10), 11), 15), 16), 17), 18), 19), 34), 5), 36), 37), 38), 39), 49), 41) e 42), assim como fez o Tribunal recorrido.

  9. As declarações das testemunhas são suficientes para dar como não provados os pontos de facto 6), 7), 8), 9), 10), 11), 15), 16), 17), 18), 19), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 49), 41) e 42) que constam como provados da sentença que ora se recorre.

  10. Para além de tudo o que ficou dito, importa ainda frisar que os elementos documentais de folhas 51, 55 e 56, não são suficientes para instruir a acusação e o pedido pois nada comprovam ou atestam, sendo apenas mais um dado impreciso e irreal apresentado pela acusação para fazer valer a sua versão dos factos.

  11. Também a informação constante do episódio de urgência n.º 6041543, que refere que as lesões foram causadas por um detergente multiusos, não podem servir para instruir a acusação e o pedido, pois na realidade não se viu nenhum líquido nem analisou.

  12. Mais: os exames médicos foram feitos com as sequelas já estabilizadas, sem informação clínica certa, segura e cientificamente comprovada sobre a origem e natureza do produto e causas das lesões.

  13. Nesta medida, deveria ter sido oficiosamente requerido pelo tribunal a quo um exame ao tecido da pele do lesado, captando-se as suas características, profundidade das lesões, causa das lesões, amplitude das lesões e, sobretudo, a natureza do produto que causou esse tipo de lesões, diligência essencial para a descoberta da verdade material.

  14. Por último, das fotografias juntas aos autos aquando da reabertura de audiência e que aludem a diversas festividades, ocorridas naquela instituição, comprovam e atestam que as festas e as actividades desenvolvidas eram realizadas nas salas de turma e refeitório, bem como na sala de cima, e nunca na sala de arrumos onde, alegadamente, ocorreu este acidente, sendo estas mais um dado preciso e credível apresentado pela defesa e que corrobora o alegado de que a sala de arrumos não era utilizada em actividades ou festividades com as crianças.

  15. As arguidas sempre agiram com cuidado, adoptando uma conduta adequada e necessária a evitar o perigo, quer omitindo acções perigosas, que actuando prudentemente, assumindo um comportamento activo, pelo que nunca violaram um dever quer objectivo, quer subjectivo de cuidado.

  16. As arguidas não ofenderam o corpo ou a saúde e integridade física do menor F… nem é possível que a sua conduta e comportamento zelosos levassem à produção de um resultado desajustado de ofensas físicas ao menor F….

  17. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação do disposto no art.º 148.º, n.os 1 e 3, por referência ao disposto nos art.os 143.º e 144.º, n.º 1, alínea a) do C. Penal, pois as arguidas não incorreram no preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime, pelo que deveriam, como devem, ser absolvidas do crime em que foram condenadas.

  18. Por outro lado, as arguidas não causaram ao Assistente quaisquer danos patrimoniais, pelo que a sua conduta não preenche os requisitos estabelecidos no art.º 483.º e ss. do C.C. e, como tal, devem ser absolvidas do pedido cível contra si deduzido pelo Assistente.

  19. Caso o supra exposto não mereça acolhimento, o que não se concebe, nem concede, apenas se admitindo por mera cautela processual e dever de patrocínio, que as arguidas, por esta via, beneficiam de um importante quadro atenuativo que o Tribunal recorrido não levou em linha de conta na decisão proferida.

  20. As arguidas não têm quaisquer antecedentes criminais e sempre pautaram por uma conduta zelosa, preocupada e interessada e estão integradas na sociedade a nível familiar, profissional e social.

  21. É notória a baixa capacidade financeira destas famílias, que auferem rendimentos mensais modestos, apesar das responsabilidades familiares que acarretam, sobretudo, no crescimento saudável e estável dos seus filhos.

  22. No que concerne ao valor indemnizatório e à pena de multa sentenciados, mostram-se desajustados e desproporcionais face à obrigação exigível de reconstituição e satisfação dos demandados, requerendo-se, a título subsidiário, caso a absolvição das arguidas aqui peticionada não vier a merecer acolhimento, que sejam os valores indemnizatórios atribuídos aos demandados reduzidos, de acordo com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade ao caso exigidos.

  23. O Tribunal recorrido violou, entre outras, as disposições dos artigos 32.º, n.os 1, 2, 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, os artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP e o princípio in dubio pro reo.

    Respondeu o Ministério Público, opinando no sentido de que se deve negar provimento ao recurso e confirmar-se, antes, a douta sentença recorrida, para o que convocou as seguintes razões:

    1. Tendo sido gravadas as provas produzidas na audiência e pretendendo impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito, deveriam as recorrentes observar o disposto nos números 2, 3 e 4 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, ou seja, além de indicar os pontos de facto que consideravam incorrectamente julgados e as provas que impunham decisão diversa da recorrida, deveriam fazer essas especificações da prova por referência aos suportes técnicos, havendo, então, lugar à transcrição.

    2. Não tendo as recorrentes cumprido tal ónus, entendemos, salvo melhor opinião, que deve o presente recurso ser rejeitado.

      Contudo, sempre se dirá que: c) Dispõe o art.º 328.º/6 do Código de Processo Penal que “o adiamento (da audiência) não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada”...

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