Acórdão nº 93/08.2JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução28 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 93/08.2JAPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1.Relatório Na 2ª vara criminal das varas Criminais do Porto, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu, quanto à menor C…, absolver o arguido de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171° n° 1, e condená-lo, pela prática de um crime de importunação sexual contra menor de 14 anos, p. e p. pelos arts. 171° n° 3 al. a), por referência ao art. 170º, quanto à menor D…, condená-lo, pela prática de um crime continuado de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171° nº 1, 30° n° 2 e 79°, e, quanto à menor E…, condená-lo, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171° nº 1, todos preceitos do C. Penal, nas penas de, respectivamente, 9 meses, 2 anos e 6 meses e 18 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e condicionada ao pagamento, no prazo de 6 meses a contar do trânsito em julgado do acórdão, das quantias fixadas a título de indemnização cível às demandantes cíveis e em que também foi condenado.

Relativamente aos pedidos de indemnização cível deduzidos contra o arguido, foram julgados parcialmente procedente o da demandante D… e procedentes os das demandantes C… e E… e o demandado condenado a pagar-lhes, respectivamente, as quantias de 6.000 €, 2.500 € e 1.000 €, todas a título de compensação por danos não patrimoniais e acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação e até efectivo e integral pagamento.

Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando para que seja revogado e substituído por outro que o absolva dos crimes por que foi condenado, para o que apresentou as seguintes conclusões: Questão prévia. Pedido de alteração da matéria de facto. Princípios da imediação e oralidade.

1ª Os poderes de cognição do Tribunal da Relação (quanto à matéria de facto), não se apresentam beliscados ou diminuídos neste processo pelos princípios da imediação e oralidade, que se entende constituir privilégio da 1ª Instância, sendo de idêntica amplitude no que toca à livre apreciação da prova. Com efeito, a convicção do tribunal assentou apenas nos depoimentos das ofendidas e no da testemunha G…. As ofendidas prestaram “declarações para memória futura”, sem a imediação do tribunal de julgamento. Os outros depoimentos - excepto o da referida G… - são de “ouvir dizer”, de pessoas que não presenciaram directamente os factos, ou que depõem sobre efeitos destes, tendo-os como pressuposto.

2ª O que vale por dizer que, soçobrando a matéria de facto imputada ao Recorrente na acusação, tais depoimentos de “ouvir dizer” caem com ela, na medida em que lhes falece o suporte em que assentavam.

3ª É o que sucede com o depoimento da testemunha do pedido cível da D…, psicóloga H…, e com o dos pais da D… - depoimentos centrais para o tribunal recorrido, que neles forjou a sua convicção -: se não forem verdadeiras as declarações da ofendida D… (e as da G…), o depoimento destas testemunhas sobre os efeitos de tais factos na esfera da ofendida implodem necessariamente.

Depoimento de G… 4ª O depoimento de G…, único de prova directa, não mereceu o crédito do tribunal, isto apesar de o mesmo tribunal lhe ter elogiado “a personalidade forte, segura, revelando-se uma adolescente educada, bem formada, firme e assertiva nos seus relatos, depondo com manifesta espontaneidade, criando no tribunal total credibilidade”, como se diz na “Apreciação crítica do prova”, a fls. 32 do acórdão. [Esta testemunha dizia que viu o arguido pôr a mão na coxa da D…, no decurso de uma aula que teve lugar em 17 de Janeiro de 2008].

5ª O tribunal preferiu a versão da ofendida D…, de que tinha sido “mão na anca”, e não “mão na coxa”, fundando tal conclusão no argumento que consta de fls. 19 do acórdão. Ou seja, o mesmo tribunal que abona e encarece o carácter da G…, considera que esta testemunha se enganou no único ponto em que o seu depoimento é contrário à versão do arguido e que se reporta aos factos da acusação. Apesar de as versões da D… e da G… se excluírem mutuamente, e posto que a da D… seja tão falsa como a da G…, o tribunal rejeitou a versão desta última.

6ª E fê-lo apesar de esta testemunha ter reiterado, 9 vezes, 4 delas a instância da Juiz-presidente, que vira a mão do arguido pousada na coxa da D….

“Na parte de cima da coxa e com a mão algo descaída para a parte interna da coxa ... para dentro, é assim?”, perguntou-lhe a Juiz-presidente; ao que a testemunha, ao contrário de I…, responde por 3 vezes: “Sim.” (min. 7:14-7:39).

Isto é, não se enganou: pela insistência, quis mesmo dizer o que disse - embora fosse falso, como o tribunal concluiu.

7ª De qualquer forma, quer pela desconsideração desta parte do depoimento da G… por parte do tribunal colectivo, quer pela sua inverosimilhança, o certo é que o único depoimento estranho às declarações das ofendidas que incide sobre os factos da acusação se evidencia como forjado no que toca a esse ponto central. A G… quis “carregar nas tintas”, situando o pretenso toque numa zona erógena, a face interna da coxa. Outra testemunha de acusação, a J…, reportou ao tribunal a versão que a própria G… lhe havia transmitido: que vira o arguido pôr a “mão na anca” da D… (min. 8:59).

8ª Do seu depoimento, extrai-se também que nunca, até à aula de 17 de Janeiro de 2008, a testemunha se dera conta de qualquer particular interesse manifestado pelo arguido em relação à aluna - e ofendida – D… (Do depoimento da G… [min. 19:40]).

9ª A falsidade do depoimento da G… dá-se também quando volta a incorrer em grave e irreconciliável contradição: depõe no sentido de que só começou a reparar no facto de o arguido procurar reter a D… na sala, no fim das aulas, após o episódio de 17 de Janeiro - e que verificou várias vezes a D… ter ficado retida. Mas, por outro lado, assevera que, na semana seguinte a esse episódio, acompanhou a par e passo a D…, também para impedir novas tentativas por parte do arguido de reter a D… - o que terá logrado, impedindo-a de permanecer na sala. E também que, após essa semana, em que nada houve, a D… só foi a mais uma aula do arguido - e em que nada houve, igualmente [Depoimento da G…, 7:50 a 8:58; 9:18 a 9:37 e 11:01 a 13:03].

10ª Ora, não é possível compatibilizar as duas faces deste depoimento, dando a D…, por um lado, como retida na sala após 17 de Janeiro e mostrando, ao mesmo tempo, como era impossível a D… ter ficado retida na sala após 17 de Janeiro. O depoimento é, portanto, também por aqui, necessariamente falso.

(Como o tribunal já concluíra, a propósito da parte do corpo da D… em que o arguido colocara a mão).

11ª À falta de outras testemunhas, a D… escolheu a G… para sufragar esta parte da sua história. O que esta satisfez, com pormenor. Mas a história da G… - e da D…, de que a da G… é contributo - desfaz-se a si própria.

12ª Estranha-se, nessa medida, o resumo efectuado pelo tribunal das declarações da G.., na “motivação dos factos provados”, a fls. 19 e 20 do acórdão, quanto à presença da D… nas aulas do arguido após o pretenso episódio de 17 de Janeiro, resumo esse que não corresponde, nesse ponto, ao teor das suas declarações e que não detectou essa contradição insanável intrínseca a tais declarações.

13ª Assim, desvalorizado pelo colectivo este único depoimento, sobram, como único fundamento efectivo para a fixação da convicção do tribunal quanto a tais factos, os depoimentos das ofendidas. Quanto às testemunhas do Recorrente, estas depõem, não directamente sobre a materialidade dos factos que foram considerados provados, mas sobre a credibilidade dos depoimentos das ofendidas e a impossibilidade da respectiva versão.

Da ofendida E…. Matéria de facto.

14ª A condenação do arguido a 18 meses de prisão, por ter desferido um apalpão nas nádegas da ofendida F…, é bem a imagem distintiva do sentido de desmedida e desproporcionalidade que marca e que fere a sentença.

15ª A matéria de facto pertinente a esta ofendida consta dos ns. 3, 14, 15, 19 (em parte), 20, 25 e 26 dos “Factos provados”.

O nº 3 nenhuma reserva merece; e os nsº 25 e 26 reportam efeitos dos comportamentos imputados ao Recorrente nos nsº 14 e 15 dos “Factos provados” - pelo que, na eventual insubsistência destes, aqueles caem por natureza.

16ª O colectivo avaliou erroneamente a prova, no que concerne aos nsº 14, 15, 19 e 20 dos mesmos “Factos provados”.

É que - como melhor se explicitou supra, nas alegações recursivas - a menor tinha efectivamente as calças sujas de um pó preto de um trabalho feito durante a aula; não deu a menor importância ao gesto do arguido, nem se sentiu intimidada ou envergonhada (donde decorre, aliás, e como é evidente, que daqui não lhe advieram quaisquer danos psíquicos e morais, tão fantasiados, estes, como o alegado abuso que o não foi). Isso só sucedeu retrospectivamente, por contaminação “do que aconteceu à D… e à C…”: é o que resulta das suas primeiras declarações prestadas ao Ministério da Educação.

17ª Tais declarações constam dos documentos juntos com a Contestação, não foram impugnados e, na medida em que integram a Contestação, documento enquadrador da Defesa, devem considerar-se admissíveis, ao contrário do julgado (fls. 40 do acórdão), nos termos dos artsº 164º e 165º do CPP - que o acórdão viola.

18ª Neste contexto, no fim de uma aula, mesmo que tivesse ocorrido um episódio como o que consta da acusação, para limpar o pó das calças da menor, isto é, com motivo imprevisto, estando as calças na verdade sujas de pó preto, não se vê como se possa configurar um acto para satisfazer os instintos libidinosos do arguido.

19ª Se a situação ocorreu, foi um acto maquinal, ao qual não se pode atribuir qualquer significado - por não o ter, de facto. Tanto assim que a...

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