Acórdão nº 6662/09.6TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelANABELA DIAS DA SILVA
Data da Resolução19 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação Processo n.º 6662/09.6 TBVFR.P1 Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira - 2.º Juízo Cível Recorrentes – B… e outra Recorridos – C… e outros Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntas – Desemb. Maria do Carmo Domingues Desemb. Maria Cecília Agante Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – B… e mulher D…, intentaram no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira a presente acção popular civil contra C…, pedindo: - a declaração de que são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no art.º 1.º da petição inicial; - a declaração de que o caminho melhor descrito nos actos 13.º a 56.º depois transformado em estrada é uma via pública, - condenando-se a ré a reconhecer a pública dominialidade dessa via com o nome de …, a qual inicia junto ao entroncamento com a Rua … e termina junto à estrada da casa da ré, concretamente junto a um espigueiro ali existente, tendo em toda a sua extensão uma largura de cerca de 7 metros; - e a condenação da ré a retirar o portão que colocou nessa via pública, …, deixando-a livre e totalmente desimpedida de obstáculos, permitindo a livre circulação de pessoas e bens e o acesso dos autores ao seu prédio confinante com a via pública.

Para tanto, alegaram que são donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado "…", situado no …, freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 447.º e a ré é dona de dois prédios contíguos, um urbano e outro rústico, sendo que o caminho antigo entre as propriedades da avó da autora, desde o … até atingir o prédio hoje dos autores era estreito, tendo sido aberto pelos seus antecessores um caminho com cerca de 2 metros de largura, invocando factos, quanto ao caminho, da aquisição originária (usucapião).

Alegaram ainda que, no ano de 1984 a Junta de freguesia de … quis alargar tal caminho, solicitando aos donos dos prédios confinantes a cedência de terreno, tendo, para tanto, o pai da autora (anterior dono do prédio identificado no art.º 1.º) cedido cerca de 1,5 metros de largura, a ré cedido cerca de 2 metros e os donos de prédios que ficam do lado esquerdo, no sentido …/…, cedido cerca de 1,5 metros de terreno, realizando a autarquia obras no caminho, transformando-se em estrada com a largura de 7 metros e reduzindo para cerca de 6 metros de largura na parte final do troço, depois de passar o portão de entrada no prédio dos autores, e feitos melhoramentos na iluminação pública, passando nessa estrada quaisquer pessoas para acederem à povoação de … e outra, tendo sido deliberado pela competente Assembleia denominar a via como ….

Por fim, alegaram que no ano de 1989, essa estrada foi asfaltada e dotada de ramal de energia e iluminação pública, tendo sido novamente asfaltada pela autarquia em 1999, constituindo acesso directo a prédios urbanos e estabelece ligação à povoação, sendo considerada tal via pela autarquia local como pública, tendo a 11 de Abril de 2005, a ré espetado espigões em ferro no chão da estrada, concretamente antes de atingir a confrontação com o prédio dos autores, no sentido poente/nascente e colocou um portão fechado com aloquete em toda a largura da via, impedindo a passagem de qualquer veículo, impedindo assim os Autores de acederem ao seu prédio com qualquer viatura ou meio de transporte de bens.

*A ré foi pessoal e regularmente citada e veio deduzir contestação pedindo a improcedência da acção.

Para tanto, além do mais, alegou a ineptidão da petição inicial e a excepção do caso julgado e impugnou os factos alegados pelos autores.

*Os autores replicaram.

*Foi ordenada a citação da freguesia de …, do Município de … e editalmente os habitantes de …, mas não foi deduzida qualquer oposição.

*Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual foi decidido e julgada improcedente a ineptidão da petição inicial e a excepção do caso julgado, após o que foi proferida sentença onde se julgou acção improcedente, por não provada, e em consequência absolveu-se C… do pedido formulado por B… e D….

Dessa decisão pode ler-se: “(…) Nos termos do disposto no art.º 14.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto "nos processos de acção popular, o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão previsto no artigo seguinte, com as consequências constantes da presente lei".

Refere Carlos Adérito Teixeira, Acção Popular, Novo Paradigma, in http:www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT "que se estabelece na LAP uma ampla legitimidade ao reconhecer-se o direito de acção popular a qualquer cidadão, a associações e fundações defensoras dos interesses em causa, independentemente de terem interesse directo na demanda, e ainda a autarquias locais relativamente a interesses cujos titulares residam na área de circunscrição daquelas, sendo de registar o facto de se ver consagrada uma tríplice legitimidade: individual, do cidadão; colectiva, a cargo das associações e fundações; e institucional, na esfera das autarquias e, de modo restrito, do M.º.Pº”.

O art.º 84.º n.º 1, al. d), da Constituição da República Portuguesa, que se refere ao domínio público, determina que as estradas pertencem ao domínio público.

Os bens deste tipo estão fora do comércio, não podendo, por isso, ser objecto de negócios jurídicos, que afectem a sua natureza de bens dominiais, podendo ser concessionado o seu uso ou a sua exploração, sendo insusceptível de posse privada (cfr. art.º 202.º, n.º 2, do Código Civil).

A qualificação de um caminho ou de um terreno como públicos, com a consequente declaração dessa dominialidade, terá de fundamentar-se na verificação conjugada de dois pressupostos: no seu uso directo e imediato pelo público, desde tempos imemoriais e na sua propriedade, por parte de entidade de direito público, com afectação à utilidade pública, resultante de acto administrativo ou de prática consentida pela Administração.

A dominialidade pública dos caminhos foi abordada pelo Assento do STJ de 19/04/1989 (BMJ 386-121), entendendo serem "públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público, logo pertencendo ao domínio público, as faixas de terreno adaptadas para fazer a ligação entre dois lugares ou povoados, quaisquer que eles sejam, que desde tempos imemoriais se encontrem abertas ao uso directo e imediato do público e cumprindo, nessa medida, a função pública determinante da dominialização das vias de comunicação terrestre".

Conforme refere o Ac. STJ de 27/04/2006, in www.dgsi.pt "o assento consagrou uma das três teses que vinham sendo sustentadas para a definição de caminhos públicos. Uma entendia que, estando em vigor o art° 380.º do Cód. Administrativo, se tomava necessário para se definir um caminho como público que o mesmo tivesse sido produzido ou legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito público; outra bastava-se, para tanto, com o facto de o caminho estar no uso directo e imediato do público desde tempos imemoriais; outra, intermédia, fazia a mesma exigência, mas defendia que, provado o uso imemorial pelo público, o caminho assumia a natureza pública, por ser de presumir que houve apropriação lícita por parte das entidades de direito público, dado ser impossível uma prova directa, sendo essa presunção ilidível por prova em contrário" e "acrescenta que foi esta posição intermédia a adoptada no Assento (cfr. ainda parecer de Freitas do Amaral e João Caupers, in CJ XIV, 1, 10 ss).

A expressão tempo imemorial significa "o tempo passado que já não consente a memória humana directa dos factos, ou seja, quando os vivos já não conseguem lembrá-los pelo recurso à sua própria memória ou ao relato da sua verificação pelos seus sucessores" (vide Ac. RP de 31/05/2007, in www.dgsi.pt).

No caso dos autos, os Autores alegaram a existência de um determinado caminho público, e bem assim que o mesmo permite o acesso ao público em geral à povoação de … e outra e dos próprios proprietários dos prédios que o ladeiam às suas propriedades, sendo os Autores um destes, que a Ré obstruiu esse caminho espetando espigões em ferro no chão da estrada e colocou um portão fechado com aloquete em toda a largura da via, impedindo a passagem de qualquer veículo.

Conforme resulta da matéria factual constante nos art.ºs 26.º ss da petição inicial resulta que a utilização pelo público em geral desse caminho remonta ao ano de 1984, data a partir da qual a Junta de freguesia de … alargou o caminho em causa, transformando-o numa via mais larga e com melhores acessos para a circulação, a que se deveu à cedência dos proprietários dos prédios confinantes de terreno para esse alargamento, e bem assim foram efectuados melhoramentos na iluminação pública, tendo sido deliberado pela competente Assembleia denominar a via como ….

Ora, a utilização pelo público em geral do caminho em causa, de acordo com a alegação dos Autores, só se faz há cerca de 27 anos (desde 1984), pelo que inexistindo no articulado petição inicial outros elementos que permitam concluir por uma utilização anterior tão longínqua no tempo que escapa à percepção da memória humana, falece o referido requisito da imemorial idade (vide Ac. STJ de 18/05/2006, in www.dgsi.pt).

Donde, não se encontrando preenchidos os requisitos exigidos pelo mencionado Assento, hoje com carácter uniformizador de jurisprudência "estar, desde tempos imemoriais, no uso directo e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT