Acórdão nº 384/10.2TBAGN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução26 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró Processo n.º 384/10.2TBAGN.P1 * Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B….., S.A.

, com sede na …., …., Matosinhos, instaurou, em 12/10/2010, no Tribunal Judicial da Comarca de Arganil, acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra C……, comerciante, residente na …., em Arganil, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia global de 10.335,55 €, acrescida de juros à taxa de 13% sobre a importância de 4.437,50 €, e à taxa legal para as dívidas comerciais sobre a quantia de 2.500,00 €, ambos desde 15/7/2010 e até à data do efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: Celebrou com o réu um “contrato de compra exclusiva”, por via do qual se comprometeu a fornecer a este, que se obrigou a comprar-lhe, produtos objecto da sua actividade comercial, durante um período entre 3 e 5 anos, com início em 19/9/2005, até perfazer o montante mínimo de 54.000 litros, para serem consumidos no seu estabelecimento comercial D….., sito na …., em Tábua.

O réu obrigou-se a não vender produtos não comercializados pela autora, recebendo desta, como contrapartida dessa exclusividade, a quantia de 7.500,00 €, acrescida de IVA à taxa de 21%, num total de 9.075,00 €.

Porém, a partir de 30/9/2007, quando só havia adquirido 46.447 litros, deixou de comprar mais bebidas e cedeu a terceiros aquele seu estabelecimento sem transmitir os direitos e obrigações decorrentes do referido contrato e sem lhe ter dado conhecimento.

Em face disso e após infrutíferas insistências com vista ao seu cumprimento, em 12/4/2010, enviou ao réu uma carta, recepcionada no dia 14 seguinte, notificando-o de que considerava tal contrato imediatamente resolvido, desde o final de Setembro de 2007 e com os efeitos nele previstos.

O réu contestou, alegando, em síntese, que trespassou o aludido estabelecimento, em 30/9/2007, tendo a trespassária assumido o cumprimento do contrato celebrado com a autora, embora não lhe tivesse dado conhecimento, ficando convencido de que a mesma continuou a cumpri-lo, e, bem assim, impugnando parte da matéria alegada, concluindo pela improcedência da acção.

A autora respondeu impugnando a matéria alegada e concluindo pela improcedência das excepções e como na petição inicial.

O Tribunal de Arganil foi declarado territorialmente incompetente, tendo o processo sido remetido para o Tribunal de 1.ª Instância Cível do Porto, cujo 1.º Juízo também se declarou incompetente, agora em razão do valor, que ordenou a remessa aos Juízos Cíveis, acabando por ser distribuído ao 3.º Juízo, 1.ª Secção, que o mandou seguir como acção declarativa nos termos do DL n.º 108/2006, de 8/6, e procedeu à audiência de discussão e julgamento, no dia 15/9/2011.

A sentença foi lavrada em 7/11/2011, que decidiu julgar a acção totalmente procedente e condenou o réu a pagar à autora: a) a indemnização prevista no n.º 3 da cláusula 8.ª, no importe de € 2.500,00 (dois mil quinhentos euros); b) os juros de mora sobre a quantia referida na alínea anterior, à taxa supletiva legal, desde 29 Setembro de 2007, até à data do efectivo e integral pagamento, importando os já vencidos, a 15 de Julho de 2010, em € 674,88 (seiscentos e setenta e quatro euros e oitenta e oito cêntimos); c) devolução da contrapartida concedida pela Autora, deduzida da parte proporcional correspondente ao período do contrato cumprido, no valor de € 4.437,50 (quatro mil quatrocentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos); d) os juros de mora sobre a quantia referida na alínea anterior, à taxa máxima permitida pela aplicação conjugada dos artºs 559.º, 559.º A e 1146.º, n.º 2 do Código Civil, desde 29 de Setembro de 2007 até ao efectivo e integral pagamento, importando os já vencidos, na presente data, em € 2.723,17 (dois mil setecentos e vinte e três euros e dezassete cêntimos).

Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as conclusões que aqui se transcrevem: “1- O Tribunal a quo considerou provado que em 29 de Setembro o Réu declarou trespassar a E…. o estabelecimento comercial de padaria, pastelaria, doçaria, confeitaria, casa de chá, snack bar e similares de restauração, instalado na ….., Pastelaria de C….. tudo nos termos constantes do documento junto aos autos de fls 36 a 40.

2- O documento em causa trata-se do contrato de trespasse, constando da cláusula sexta, número três, que a trespassária - a mencionada E…. - assume todas as obrigações contratuais referentes a esse estabelecimento para com F….., G….. e H….., além do mais, o que consubstancia a transmissão das obrigações do contrato celebrado entre A e R., ora recorrente, para a trespassária.

3- Constam ainda dos autos documentos (requerimento apresentado em 18 de Abril de 2011- docs 6 a 11) através dos quais o recorrente demonstrou que o trespassário continuou a adquirir bens à A., através do mesmo distribuidor mencionado na cláusula sexta do contrato de compra exclusiva celebrado entre recorrido e recorrente – I…...

4- Consta dos autos uma fotocópia de escritura de trespasse outorgada no Cartório Notarial de Penacova em 23 de Janeiro de 2008 através da qual a trespassária E….., trespassa o dito estabelecimento a terceiros, constando a fls 84 deste documento que as máquinas das empresas F….., G….. e H….. são pertença das referidas empresas, competindo à sociedade adquirente a comunicação a essas empresas da continuidade desses contratos (doc. n.º 13 do requerimento mencionado no ponto anterior), o que demonstra que os trespassários E….. e J…. não só eram conhecedores da existência e conteúdo do contrato com a A. como cuidaram de o transmitir aos novos proprietários do estabelecimento.

5- Apesar do contrato em causa ser identificado enquanto contrato com a G…. não pode significar que se trata de um outro contrato que não contrato celebrado com a recorrida e em apreço nestes pois que a B…. distribui em exclusivo a G…..

6- E, para o estabelecimento que o A. explorou em Tábua, o Recorrente não celebrou com a A. qualquer outro contrato, bem como o não fizeram os trespassários porque se trata indubitavelmente do mesmo contrato - apenas há um contrato de compra exclusiva para cada estabelecimento.

7- O facto de quer o recorrente, quer os trespassários quer os terceiros que adquiriram posteriormente o estabelecimento, se referirem à A. como G….. deve-se pois a impossibilidade ou dificuldade de dissociar uma da outra, porque se trata do produto mais comercializado ou pelo menos mais conhecido da A. pelo que na linguagem corrente a B….. é mencionada com G…..

8-9- Deverá ainda alterada a resposta à matéria de facto no sentido de ser considerado provado que a trespassária conhecia o contrato e obrigações no mesmo constantes, como as testemunhas K….. e L…. referiram aquando da sua inquirição (conforme consta da douta sentença), conjugando-se a prova documental e testemunhal constante dos autos pois só por conhecerem o contrato, terem consciência das obrigações que assumiram e até da obrigação de comunicação às empresas é que se compreende e justifica que os trespassários tenham igualmente cuidado de transmitir essas mesmas obrigações à empresa que lhes adquiriu o estabelecimento.

10- E bem assim ser considerado provado que o recorrente incluiu no contrato de trespasse a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes do contrato de compra exclusiva celebrado entre recorrente e recorrida para o trespassário.

11- Alterada que seja a matéria de facto provada, não poderia a recorrida resolver automaticamente o contrato sem previamente dar cumprimento ao disposto na cláusula oitava do contrato, concedendo-lhe o prazo de quinze dias para cumprir o contrato que o trespassário não estaria eventualmente a cumprir, o que a recorrida não fez.

12- E, sem que tenha sido efectuada essa comunicação não poderia a recorrida lançar mão de imediato da resolução contratual na cláusula 10.º n.º 3 pois que a resolução só operaria com a falta de transmissão das obrigações (n.º 1 da cláusula 10.º) e não com a falta de comunicação (n.º 2 da cláusula 10.º) uma vez que consta claramente do n.º 3 a remissão para o n.º 1 (e só para este) da referida cláusula.

13- Na douta sentença a Meritíssima Juiz do tribunal a quo refere na douta sentença que recorrendo à figura do declaratário normal colocado na posição de real declaratário não poderia concluir que a menção constante do contrato de trespasse quanto à assunção pela trespassária de todas as obrigações contratuais do estabelecimento para com a G….. se pretendia referir ao contrato em apreço nos presentes autos porquanto o contrato não se encontra identificado, nem as partes, nem os produtos e por considerar que pela declaração inserta no trespasse a trespassária assumiu as obrigações com a G…., não com a B…., desconhecendo-se quais as obrigações.

14- Ora, recorrendo precisamente à mesma figura do declaratário normal entendemos que a conclusão teria de ser no sentido oposto - um declaratário que declara assumir as obrigações constantes de um contrato identificando a fornecedora não pela sua firma mas pelo nome da marca mais conhecida da fornecedora, e sendo que essa marca é de tal forma relevante e conhecida no mercado que assume maior publicidade e notoriedade que a empresa que a fornece, que face a isso continua a adquirir produtos da mesma empresa, ao mesmo distribuidor que o trespassante e que meses mais tarde transmite o estabelecimento com expressa menção à comunicação à G…. da continuidade do contrato, e tendo em conta que a G….. não é fornecida por outra empresa e que para cada estabelecimento a recorrida só celebra um contrato de compra exclusiva tal só pode significar que o contrato referido nos dois trespasses é o contrato celebrado com a recorrida e que a trespassária tem total conhecimento das obrigações que assume e depois transmite.

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