Acórdão nº 4109/08.4TJVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelRAMOS LOPES
Data da Resolução12 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 4109/08.4TJVNF.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira Desembargador Henrique Araújo*Acordam no Tribunal da Relação do Porto.

RELATÓRIO *Apelantes: B… e C… (co-réus).

Apelada: D… (autora).

Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão – 4º Juízo Cível.

*D… intentou a presente acção com processo sumário demandando os réus B…, E…, F… e C…, pedindo: - se declare a caducidade dos contratos de arrendamento que tinham por objecto imóvel que identifica logo no primeiro artigo da petição, e em que era arrendatário G…; - se condenem os réus a reconhecer-lhe o direito de propriedade e a restituir-lhe o imóvel que se encontram a ocupar, fazendo a sua entrega livre e devoluta de pessoas e coisas; - se condenem os réus a pagar-lhe uma indemnização mensal de 100,00€ pela ocupação indevida do imóvel, desde 1/08/2008 até à sua entrega livre e devoluta de pessoas e coisas.

Como fundamento da pretensão alega, em síntese, ser exclusiva e plena proprietária de prédio urbano que identifica, sendo que em 11/12/1964, entre o seu falecido marido e G… foi outorgado contrato de arrendamento comercial em que aquele deu a este de arrendamento o rés do chão e cave daquele prédio com a finalidade de nele ser exercida a actividade de comércio de vinhos, análogos, café, chá, chocolate, leite e outras bebidas. Mais alega que, em 01/03/1974, o seu marido deu de arrendamento ao mesmo G… o r/chão centro do imóvel em questão, para habitação, e que já em 20/11/1978 foi celebrado um contrato de transacção entre o senhorio e o arrendatário, no qual foi acordado o aumento para 2.350$00 mensais da renda correspondente à parte comercial, mantendo-se a renda de 650$00 para a parte habitacional. Continua a autora alegando que no dia 03/04/2008 faleceu, no estado de viúvo, o arrendatário G…, não deixando cônjuge sobrevivo nem filhos menores de 26 anos, sendo que nenhum dos descendentes do falecido inquilino, ou outrem, lhe comunicou o óbito nem qualquer outro facto relacionado com o arrendamento. Conclui a autora que tais contratos de arrendamento caducaram nos termos do disposto no art. 1051.º alínea d) do Código Civil, pelo que os réus se encontram a ocupar e utilizar o local, quer na parte habitacional quer na parte destinada ao estabelecimento de venda de bebidas, ilicitamente, causando-lhe prejuízo (impedindo-a de dispor do gozo e fruição do imóvel, designadamente arrendando-o), que computa em 100,00€ mensais, correspondente ao valor pelo qual o mesmo poderia ser arrendado.

Contestaram os réus, sustentando não haver caducidade do contrato de arrendamento (argumentam que o contrato era único, cujo objecto principal sempre foi o do exercício do comércio), pois que desde Outubro de 1990 passaram a explorar, em comum com o seu pai (o arrendatário) o estabelecimento comercial instalado no local, tendo comunicado à autora, aquando do falecimento do arrendatário (seu pai) a vontade de continuar a exploração do estabelecimento. Terminam pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição dos pedidos.

Saneado o processo e organizada a base instrutória, realizou-se o julgamento e decidida a matéria controvertida foi proferida sentença que julgou totalmente procedente a acção e, em consequência, i) declarou a autora como dona e legítima proprietária do imóvel identificado na petição inicial, ii) declarou caducos os contratos de arrendamento celebrados entre o falecido marido da autora e o G…, iii) condenou os réus a restituírem à autora o prédio em causa, livre e desimpedido de pessoas e bens e, iiii) condenou os réus, solidariamente, a pagarem à autora uma indemnização de 50,00€ (cinquenta euros) mensais, desde 1/08/2008 até entrega efectiva do imóvel (descontados os montantes que os réus vêm depositando em nome da autora).

Desta decisão apelam os réus B… e C…, concluindo as suas alegações pela formulação das seguintes conclusões: I- A sentença proferida pelo Mmº Juiz do tribunal ‘a quo’ considerou erroneamente ter ocorrido a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados entre H… e G… – pai dos ora recorrentes –, referentes ao prédio urbano sito na Rua …, nº .., em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 75/131296 e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 554, da freguesia de …, constituído por casa de habitação e comércio de cave e rés do chão.

II- Considerou fundamentalmente não se ter provado que os réus – ora recorrentes – explorassem conjuntamente com o pai o estabelecimento comercial instalado no local arrendado – regime de excepção à caducidade previsto no artigo 58º, nº 1 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.

III- Todavia, a prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento permitiu aos ora recorrentes B… e C… provarem os factos alegados, mais concretamente, que estes, desde Outubro de 1990 - na qualidade de filhos e sucessores do arrendatário G… – passaram a explorar em comum com aquele o referido estabelecimento comercial a funcionar no local arrendado.

IV- A prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento permitiu aos ora recorrentes B… e C… provarem os factos alegados, mais concretamente, que se tratou sempre de um único contrato de arrendamento cujo objectivo principal e fundamental foi, assim como é, o exercício do comércio.

V- A matéria de facto dada como não provada na resposta aos quesitos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 17º, 18º, 20º e 21º encontra-se em contradição com a prova produzida em audiência de julgamento, assim como com a resposta dada aos outros quesitos e com os fundamentos da sentença proferida – desde já se consignando expressamente serem estes os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados para efeitos de alteração pelo tribunal ad quem, nos termos do art. 685-B e 712º, nº 1 do CPC.

VI- Trata-se de um erro notório na apreciação da prova, vício que se verifica ‘quando da factualidade provada se extraiu uma conclusão ilógica, irracional e arbitrária ou notoriamente violando as regras da experiência comum’.

VII- Não pode, por conseguinte, subsistir a sentença de que se recorre, pelo que cumpre conhecer do mérito da causa em substituição (art. 715º do C.P.C.), e nessa conformidade, dar como provados os factos alegados em 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 17º, 18º, 20º e 21º da base instrutória.

VIII- A matéria de direito encontra-se erroneamente aplicada ao caso sub judice, uma vez que o tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação do conceito de ‘exploração em comum’ previsto no artigo 58º, nº 1 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.

IX- Efectivamente, o artigo 58º da supra mencionada lei, subordinada à epígrafe «Transmissão por morte no arrendamento para fins não habitacionais», estabelece, no seu nº 1, que o ‘arrendamento para fins não habitacionais termina com a morte do arrendatário, salvo existindo sucessor que, há mais de três anos, explore, em comum com o arrendatário primitivo, estabelecimento a funcionar no local’.

X- No caso concreto, o próprio tribunal a quo reconheceu, pelo menos, que são os recorrentes B… e C… quem tem vindo a trabalhar no estabelecimento existente no locado (‘Apenas os réus B… e C…, pelo menos desde 1990, atendem clientes do estabelecimento, servem cafés e bebidas, confeccionam e servem refeições e/ou petiscos’ sic).

XI- Em face do exposto, deve o tribunal ad quem concluir que por óbito do arrendatário transmitiu-se o contrato de arrendamento para os ora recorrentes, uma vez que estes lograram provar a matéria da excepção.

XII- Deve também o tribunal ad quem considerar ter inexistido qualquer alegação ou prova de factos consubstanciadores do direito da recorrida a receber uma indemnização no valor de 50,00€ (cinquenta euros) mensais, desde 1/08/2008 até à entrega efectiva do prédio.

XIII- A douta decisão do tribunal a quo viola, assim, os artigos 358º, nº 1 e 4 e nº 3 do art. 1028º do C.C, 655º, nº 1 do C.P.C. e artigo 58º, nº 1 da Lei 6/2006, de 27/02.

XIV- Com a observância das mencionadas normas, concluirá o tribuna ad quem pela nulidade da decisão e pela sua substituição por outra, repondo-se assim a legalidade, justiça e igualdade do nosso estado de direito democrático.

Contra-alegou a apelada defendendo a improcedência da apelação e consequente manutenção da decisão recorrida, invocando desde logo não terem os apelantes dado cumprimento ao disposto no art. 685º-B do C.P.C., quanto ao recurso sobre a matéria de facto, alegando também não terem os réus logrado provar que explorassem em comum com o seu pai (arrendatário primitivo), há mais de três anos, o estabelecimento comercial e ainda que não fizeram a comunicação aludida no art. 58º, nº 2 da Lei 6/2006 (comunicação de que pretendiam continuar a exploração do estabelecimento).

*Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*Delimitação do objecto do recurso – questões a apreciar.

Das conclusões dos apelantes (por estas se delimita o objecto do recurso, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685-A, nº 1, do C.P.C.) extraem-se as seguintes questões: - a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada, como pretendido pelos apelantes; - caducidade da relação arrendatícia (por morte do primitivo arrendatário) ou transmissão do arrendamento, nos termos do art. 58º da Lei 6/2006, de 27/02; - indemnização (respectivo montante mensal) arbitrada pela ocupação do imóvel.

* FUNDAMENTAÇÃO *Fundamentação de facto A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: 1º- A autora é a exclusiva e plena proprietária de um imóvel constituído por um prédio urbano sito na Rua …, nº .., em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 75/131296 e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 554, da freguesia de …, constituído por casa de habitação e comércio de cave e rés do chão, com o valor patrimonial de 9.691,73€ – A.

  1. - A propriedade exclusiva do referido...

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