Acórdão nº 469/11.8TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO LIMA COSTA
Data da Resolução14 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 469/11.8TJPRT Juiz Relator: Pedro Lima da Costa Primeiro Adjunto: Des. Filipe Caroço Segundo Adjunto: Des. Teresa Santos Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.

Sumariamente, alega a autora: B… faleceu em 28/3/2010 e na sua herança integra-se um prédio urbano; Tal prédio está arrendado desde 19/12/1973 para uma habitação e a ré viu transmitida a seu favor a condição de arrendatária, em virtude da morte do seu marido, ocorrida em 26/9/1987; Em Agosto de 2010 a autora constatou que o prédio tinha sido transformado, estando fisicamente separado no seu interior em três habitações independentes, uma em cada um dos três pisos do prédio, nele residindo três famílias; Foram feitas obras sem consentimento do senhorio e residem no arrendado pessoas sem legitimidade para o efeito.

Sumariamente, alega a ré: À data do arrendamento de 1973 viviam no prédio dez pessoas, ou seja a ré e o seu marido, 4 filhos desse casal, E… e mulher, uma filha desse casal, e F…; O senhorio de então acordou que as profundas obras de que o prédio então necessitava teriam de ser feitas pelos três conjuntos de inquilinos de famílias distintas, mas só celebraria um contrato de arrendamento, por se tratar de um único prédio, contrato esse que celebraria com o representante mais velho dos inquilinos, com a renda dividida por todos os conjuntos de inquilinos, incumbindo àquele representante proceder à entrega mensal da renda; Actualmente vivem no prédio seis pessoas, sendo a evolução dos moradores e a sua repartição pelo prédio do conhecimento do falecido B… e da mulher deste, ora cabeça de casal, além de ter existido consentimento para as obras realizadas; Se direito lhe incumbir, a autora abusa do respectivo exercício, na forma de venire contra factum proprium, além de ocorrer caducidade do direito que a autora pretende fazer valer.

No despacho saneador não se procedeu à selecção dos factos assentes e da base instrutória, marcando-se a data do julgamento ao abrigo do art. 10 nº 2 al. b) do DL 108/2006.

Na audiência de julgamento decidiu-se conferir à autora a possibilidade de responder às excepções de caducidade e de abuso de direito que tinham sido suscitadas na contestação.

Ainda na audiência de julgamento, a autora prescindiu do depoimento de todas as testemunhas que tinha arrolado, tendo-se inquirido testemunhas arroladas pela ré.

Em novo articulado, a autora reafirmou que só conheceu os factos alegados em Agosto de 2010, não tendo agido com abuso de direito.

Finalizado o julgamento, proferiu-se sentença em que se decidiu julgar a acção improcedente.

  1. Ora, a A. entende que a sentença não é explícita relativamente ao tipo de arrendamento/direito de habitação em questão nos presentes autos quando faz tal interpretação extra contratum, sendo certo que, pronunciando-se sobre todos seus beneficiários, não esclarece se os mesmos são arrendatários, moradores usuários ou tão-só beneficiários de qualquer desses direitos.

  2. Importa assim nesta sede distinguir, por um lado, quem são os arrendatários, pessoas a quem foi dado de arrendamento o imóvel dos autos, e quem são tão-só os beneficiários do arrendamento, aqueles que, em virtude de tal arrendamento, por pertencerem ao agregado familiar dos arrendatários e viverem em economia com eles, aproveitam o gozo do imóvel; e, por outro lado, quem são os moradores usuários, pessoas a quem foi atribuído o direito de habitação, e aqueles que são apenas beneficiários do direito de moradores usuários, os quais gozam do direito de habitação em razão de pertencerem à família de um morador usuário.

  3. Com efeito, no arrendamento, são diferentes os direitos que assistem a cada uma dessas pessoas, sendo certo que os direitos que são conferidos aos meros beneficiários, de mero gozo ou fruição, apenas existem na condição do arrendamento subsistir em relação ao arrendatário e de os mesmos pertencerem ao seu agregado familiar e com ele viverem em economia comum.

  4. Por seu turno, no que toca ao direito de habitação, também são diferentes os direitos que assistem a cada uma dessas pessoas, sendo certo que os direitos que são conferidos aos meros beneficiários, de mero gozo ou fruição, apenas existem na condição do direito de habitação subsistir em relação ao morador usufrutuário e de os mesmos pertencerem à sua família, como cônjuges ou filhos solteiros, entre outros.

  5. Ora, como o próprio tribunal constatou presencialmente, pela prova antecipadamente produzida e pela produzida em audiência, o imóvel dos autos foi dividido em três habitações distintas, uma em cada andar do prédio, com acesso obstruído entre elas, sendo totalmente independentes entre si, como se de diferentes fracções se tratasse, as quais foram distribuídas pelos dois agregados familiares/famílias referidos e por F…, em (três) economias totalmente independentes.

  6. Por este facto, quanto muito, aquilo que razoavelmente se poderia retirar dos usos ou práticas correntes é que o prédio arrendado, das duas uma: - Ou foi parcialmente dado de arrendamento aos cabeças-de-casal de cada agregado familiar, G… e E…, e ainda a F…, tendo ficado como meros beneficiários aqueles que compunham os seus agregados familiares, os quais, como já referimos, apenas gozam o locado na condição do arrendamento subsistir em relação aos efectivos arrendatários e de continuarem a pertencer ao seu agregado familiar e com ele viverem em economia comum.

    - Ou foi dado parcialmente de arrendamento a G…, tendo ficado como beneficiários todos os que compunham o seu agregado familiar, e parcialmente em (direito de) habitação a F… e a E…, ficando como beneficiários deste direito a família deste último.

  7. Exigia-se assim que o tribunal ad quo se tivesse pronunciado sobre o tipo de arrendamento/direito de habitação em causa, se um arrendamento/direito de habitação plural, se um arrendamento/direito de habitação parcial para cada um dos pisos, ou se um misto de ambos os direitos, o que não fez.

  8. Sempre se diga que, em tal caso, que por mera hipótese académica se admite, todos os arrendatários/moradores usuários deveriam ter sido chamados aos autos para se pronunciarem sobre esse seu estatuto, já que o mesmo foi colocado em questão pela A., tendo tais sujeitos todo o interesse em contradizer a presente acção, já que, qualquer que tivesse sido o sentido da decisão proferida nos autos, aos mesmos também afectaria.

  9. Estaria, com efeito, preenchida uma situação de litisconsórcio necessário passivo, o que levaria à nulidade da sentença ora recorrida.

  10. Relativamente ao agregado constituído por H… e a sua filha, I…, tendo falecido E…, a sua sucessora no arrendamento, estando obrigada a comunicar tal falecimento ao senhorio vigorante, não o tendo feito, levou a que tivesse caducado o seu direito enquanto beneficiária do “arrendamento” realizado por E….

  11. Em relação ao agregado constituído pela filha da Ré, J…, e pelo marido desta, K…, vivendo estes na habitação que outrora foi entregue de F…, a verdade é que o direito que a primeira tinha originalmente para habitar a casa se extinguiu a partir do momento em que a mesma se casou e abandonou o seu primitivo agregado familiar.

  12. Sendo certo que a mesma não podia de qualquer modo suceder ao seu pai como arrendatária uma vez que tal posição foi já tomada pela R., sua mãe.

  13. Por outro lado, em razão de J… não ser de qualquer modo herdeira de F…, não é possível que aquela suceda à segunda legitimamente na ocupação da parte do imóvel que esta ocupava a título de arrendamento/direito de habitação parcial.

  14. A verdade é que não ficou provado nos autos que tenha sido celebrado com o agregado desta qualquer contrato de arrendamento referente ao imóvel dos autos, nem assim que a mesma tenha alguma vez pago qualquer cêntimo aos sucessivos senhorios, ainda que de modo indirecto (entregando a outrem a sua parte), para pagamento do gozo do imóvel que usufrui, o que contraria desde logo a natureza do arrendamento.

  15. Pelo que se deve concluir que J…, a partir do momento em que se declara independente do agregado familiar de seus pais, constituindo um outro agregado com K…, deixa de ser sequer beneficiária do arrendado, sendo obrigado a abandoná-lo.

  16. Repare-se que, acima de tudo, nunca qualquer senhorio do imóvel em questão celebrou ou teve intenções de celebrar um contrato de arrendamento com qualquer dos beneficiários do imóvel para além do primitivo arrendatário, mesmo que verbal, sendo certo que aqueles...

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