Acórdão nº 233/08.1TBARC.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MARTINS
Data da Resolução29 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 233/08.1TBARC.P1 Apelação AA: B……. e mulher C…… RR: D…….e mulher E…….

* Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO 1.

Os AA instauraram contra os RR a presente acção declarativa sob a forma de processo comum sumário[1] pedindo a condenação dos RR a reconhecerem, a favor do seu prédio, descrito na p. i., o direito à água do furo artesiano existente no prédio do R, para rega e consumo doméstico; a reporem, no prazo de 10 dias, a ligação da referida água, sob pena de, não o fazendo, serem condenados no pagamento da quantia de € 10,00 por cada dia de atraso e a pagarem o custo total do consumo de água, desde Junho de 2006 até à data em que for reposta a ligação da água do furo artesiano para o seu prédio.

Alegam, para tanto, que AA e RR adquiriram em 1991, em comum e partes iguais, dois lotes de terreno para construção urbana, tendo procedido à abertura de um furo artesiano no lote 1, que se destinava ao abastecimento de água para consumo doméstico e rega de jardim das casas de habitação que AA e RR projectavam construir, como construíram, nos referidos lotes. Em 1995, na fase de acabamento daquelas construções, outorgaram escritura por via da qual os AA passaram a ser donos e legítimos proprietários do lote 1 e os RR do lote 2. Desde 1998, altura em que os AA foram habitar a casa construída no lote 2, sempre utilizaram a água do furo artesiano existente no lote 1, a qual era retirada do furo e conduzida através de um cano para a sua casa, para rega do jardim e consumo doméstico, utilização essa que sempre foi feita continuamente, aos olhos de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na plena convicção de exercerem um direito próprio.

Concluem assim que se constituiu a favor do prédio propriedade dos AA uma servidão por destinação do pai de família, que foi colocada em causa pelo R. quando, em Junho de 2006, cortou o cano que conduzia a água do furo artesiano para o quadro de comando instalado no prédio dos AA, tendo estes ficado sem água do furo para rega e consumo doméstico, tendo passado a consumir água da rede pública, que tiveram de passar a pagar.

Contestaram os RR pedindo a absolvição dos pedidos.

Baseiam a sua defesa invocando que foi ele R quem procedeu, no lote que lhe iria pertencer e onde pretendia edificar a sua casa de habitação, à abertura do furo artesiano. Após a conclusão das moradias, em 1998, e até à data em que A e R se desentenderam (em 2006), o R foi consentindo que o A fizesse utilização da água daquele seu poço, o que apenas tinha esteio nas especiais relações de familiaridade entre ambos, pois são irmãos. Nessa altura, porque a alimentação do motor que bombeava a água do furo deixou de ser feita com a electricidade da F….., Lda.” de que ambos eram sócios, por imposição do A, entendeu o R que, nessas circunstâncias, não tinha obrigação de continuar a fazer o favor ao irmão.

Concluem que não foi constituída qualquer servidão por destinação de pai de família, pois ao tempo da separação dos dois prédios não existiam sinais visíveis, com carácter de permanência, reveladores da serventia.

Foi elaborado o despacho saneador, aí se concluindo pela competência do tribunal e verificação dos restantes pressupostos processuais, pela inexistência de nulidades, excepções dilatórias ou peremptórias, bem como questões prévias de conhecimento oficioso.

Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, sem reclamação, mas com rectificação de erro material.

  1. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR dos pedidos.

  2. É desta decisão que, inconformados, os AA vêm apelar, pretendendo o provimento do recurso.

    Alegando, concluem: 1ª - Para a constituição de servidão por destinação do pai de família prevista no art. 1549º do C. Civil, o que relevam são os sinais visíveis e permanentes reveladores da serventia, e não tanto a fruição das utilidades da serventia ao tempo da separação do domínio ou quem construiu ou colocou tais sinais.

    1. - Da factualidade apurada decorre que aquando da separação do domínio já existiam sinais visíveis reveladores de serventia de um para o outro prédio; 3ª - Ao chamar à colação o disposto no art. 1408º do C. P. Civil, o Tribunal “a quo” fez um errado enquadramento jurídico da questão; 4ª – Impõe-se assim a revogação da douta sentença em recurso, decidindo-se pela total procedência da acção; Sem conceder e por mera cautela: 5ª - Mesmo que se entenda não estarem verificados os pressupostos do direito alegado pelos AA., o julgador deve ponderar a decisão da causa segundo as diversas soluções plausíveis de direito; 6ª - A conduta do R ao cortar o cano condutor da água para o prédio dos AA, de forma inesperada, sem outro propósito que não o de vingança, não se quadra nos ditames da boa fé, constituindo uma afronta às legítimas expectativas criadas pelos AA na base do princípio da confiança.

    2. - Impõe-se, por isso, a condenação do R no pagamento da indemnização peticionada pelos AA.

    3. – Foi violado o disposto no art. 1548º do C. Civil.

  3. Nas contra-alegações os RR. pugnaram pela manutenção do julgado.

  4. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *II- FUNDAMENTAÇÃO 1. De facto Da factualidade assente e do despacho que decidiu a matéria de facto e do qual não houve reclamações, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada (indicando-se entre parêntesis a sua origem): 1. Por escritura pública, designada por «Compra e Venda» celebrada a 10.10.1991, no primeiro cartório notarial de Santa Maria da Feira, autor e réu declararam comprar, em comum e em partes iguais, a G…… e H….., que declararam vender, os seguintes prédios: a) Uma parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 540 m2, sita no lugar …., freguesia de Escariz, inscrita na matriz como parte do artigo 1506 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 321...

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