Acórdão nº 497/08.0GAMCN.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelVÍTOR MORGADO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 497/08.0GAMCN.P1 Origem: 2º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I – Para julgamento em processo comum com intervenção de tribunal coletivo, o Ministério Público acusou os arguidos B…, C… e D…, imputando a prática: aos arguidos B… e C…, em coautoria, de cinco crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelo artigo 203º e 204º, n.º2, al. e) do Cód. Penal e de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p., pelas disposições conjugadas dos artigos 23º, 203º, n.º1 e 204, n.º2, al. e) do Cód. Penal; ao arguido D…, a prática, em autoria material, de um crime de recetação, previsto e declarado punível pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, a final da mesma, o tribunal coletivo julgou a acusação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: ● absolver a arguida B… da prática, em coautoria, dos crimes de furto qualificado que lhe eram imputados; ● condenar o arguido C… pela prática dos cinco crimes de furto qualificado consumados e do crime de furto qualificado tentado por que vinha acusado; ● e condenar o arguido D…, pela prática de um crime de recetação, previsto e declarado punível pelo artigo 231º, nº 1 do Código Penal, na pena de 600 dias de multa, à taxa diária de 6 €, no total de 3600 €.

*Inconformado com o assim decidido, veio o arguido D… interpor o presente recurso, cujas alegações sintetizou nas seguintes conclusões: 1. O arguido foi condenado, numa pena de multa, no valor global de € 1.800,00, pela prática do crime de recetação, p. e p. pelo n.º 1, do artigo 231.º do CP.

  1. O Tribunal Coletivo deu como provado na fundamentação de facto que: “28) O arguido D… atuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que os arguidos B… e C… se tinham apropriado ilicitamente daqueles objetos, mas ainda assim quis adquiri-los, com o objetivo de obter para si uma vantagem patrimonial, pois bem sabia que aqueles objetos tinham um valor superior ao montante que por eles despendeu.” 3. O Douto Acórdão ora recorrido deu como provado tal facto, com base, única e exclusivamente, nas declarações do arguido C….

  2. Contudo, de tais declarações, verifica-se que não podia ter sido tal facto dado com provado.

  3. O douto Acórdão ora recorrido padece de nulidade por erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP.

  4. Não se provou que o arguido D… tinha conhecimento de que os objetos eram furtados.

  5. Nem o arguido C…, único que prestou declarações, nem qualquer outro meio de prova veio comprovar que o arguido D… sabia que os arguidos B… e C… se tinham apropriado ilicitamente daqueles objetos.

  6. O tipo subjetivo de ilícito previsto no n.º 1 do artigo 231.º do C.P. é um tipo exclusivamente doloso.

  7. Refere, a esse respeito, o penalista Pedro Caeiro, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Tomo II, página 494, que:” Exige-se um dolo específico relativamente à proveniência da coisa: é necessário que o agente saiba efetivamente que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património, pelo que a simples admissão dessa possibilidade, a título de dolo eventual, não é suficiente para o preenchimento do tipo subjetivo…” (sublinhado nosso) 10. Para preencher o tipo subjetivo do n.º 1, do artigo 231.º, do C.P., é necessário que o arguido, nesse caso o D…, soubesse efetivamente que os objetos provinham de um furto.

  8. Salvo sempre douta opinião contrária, não basta “presumir” que, pelo facto de o arguido C… ser toxicodependente, o arguido E… teria de ter necessariamente conhecimento de que os bens que lhe vendia eram provenientes de um qualquer furto.

  9. Das declarações do arguido C…, não resulta que o arguido D… tinha conhecimento de que as coisas que estava a comprar eram furtadas; pelo contrário, resulta que o arguido D… não era recetador habitual, que desconhece se o arguido D… sabia que estava a comprar objetos furtados; contudo, afirmou, de forma clara e sem margem para dúvidas, que não disse ao arguido D… que tais objetos tinham sido furtados por ele e que, em momento algum, enquanto conversavam, surgiu algum pormenor que revelasse que esses objetos tinham sido furtados.

  10. Não se encontra preenchido o elemento subjetivo do tipo legal previsto no artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal.

  11. Assim, o Tribunal não reuniu as provas necessárias para a formulação da decisão material em condenar o arguido.

  12. Assim sendo, “se o tribunal não reúne as provas necessárias à decisão, a falta delas não pode desfavorecer o arguido” – cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Vol. I, pág. 213.

  13. Em consequência, o Tribunal ofendeu, de forma direta e gravosa, o princípio “in dubio pro reo”, afloração normativa do princípio com assento constitucional da “Presunção de Inocência do arguido até à condenação” – artigo 32.º, n.º 2, da CRP.

  14. Assim, a douta sentença violou, entre outros normativos, os artigos 231º, nº 1, 379.º, nº 1, alínea c), 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP e 32.º, n.º 2, da CRP.

    SEM PRESCINDIR, e para o caso de assim não se entender, sempre se dirá que: 18. O delito em questão é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias (231.º, n.º 2, do CP).

  15. A aplicação de uma pena não privativa da liberdade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º do CP, é ajustada, por realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

  16. Porém, o Tribunal Coletivo condenou o arguido numa pena de multa de 300 dias, fixando o quantitativo diário em € 6,00, o que dá uma pena de multa de € 1.800,00, sendo essa uma pena injusta, por desproporcionada e manifestamente desajustada.

  17. Dispõe o n.º 1 do artigo 71.º do CP que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

  18. Por sua vez, o n.º 2 daquele preceito enumera de forma exemplificativa circunstâncias a atender para determinação concreta da pena.

  19. Salvo sempre douta opinião contrária, não foram devidamente atendidas tais circunstâncias, mais concretamente, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, para determinação da medida da pena.

  20. O arguido D… encontra-se socialmente inserido.

  21. Seu único rendimento provém da parca reforma de € 390,00, com a qual sustenta o seu agregado familiar composto por si e sua mulher doméstica, com esse diminuto valor, ainda, paga despesas com renda, água e luz, num total de € 175,00, vivendo da ajuda de familiar, para se alimentar, como melhor consta dos factos provados: “41) O arguido D… permaneceu institucionalizado no E…, em Vila do Conde entre os 8 e os 20 anos de idade tendo concluído o 1º ciclo de escolaridade, ao que se seguiu a sua integração no agregado familiar do avô, atendendo à ausência de condições económicas por parte da mãe, mantendo com este um relacionamento de maior proximidade; o percurso laboral foi regular, tendo desenvolvido atividade laboral no ramo da restauração como empregado de mesa até aos seus 50 anos de idade; casou com 22 anos de idade, tendo desse relacionamento dois descendentes, atualmente maiores de idade; à data dos factos em causa nos autos, mantinha integração no agregado familiar, encontrava-se reformado, padecia de problemas de saúde, tendo sido submetido a intervenções cirúrgicas, situação que se agravou recentemente. Atualmente encontra-se acamado e dependente de cuidados de terceiros, sendo o seu cônjuge o principal apoio à retaguarda, beneficiando ainda de apoio por parte da sua filha; a subsistência do agregado é garantida pela reforma do arguido no montante de cerca de 390€, apresentando como principais despesas o valor da renda, no montante de 22,20€, fornecimento de energia elétrica e água no montante de 150 €”.

  22. Os objetos em causa foram entregues à sua proprietária.

  23. Mais, consta, igualmente, dos autos, que o arguido D… sofreu, em Março de 2012, um AVC e padece de doença grave, nomeadamente, síndrome demencial, insuficiência renal e diabetes mellitus, o que importa imensas despesas de saúde.

  24. Tal pena de multa (€ 1.800,00), não será, nem poderá ser paga pelo arguido, dados os parcos rendimentos do mesmo, mas pelos seus familiares, que não são o agente.

  25. Assim, o Tribunal Coletivo não atendeu ao concreto rendimento do arguido.

  26. Daí que, salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido deveria ter fixado uma pena de multa muito inferior.

  27. Assim, atendendo ao supra exposto, verifica-se que a multa aplicada é excessiva e ofende o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do CP.

  28. O demais em douto suprimento.

    *Na sua resposta, o Ministério Público entendeu mostrarem-se validamente provados, no acórdão recorrido, os factos aí imputados ao arguido, ser ajustada e adequada a medida da pena que lhe foi aplicada, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura, razão pela qual o presente recurso não merece provimento, devendo confirmar-se na íntegra o julgado na primeira instância.

    *Na presente instância, o Ministério Público reiterou idêntica posição – acompanhando a resposta oportunamente apresentada – entendendo igualmente, por isso, que o recurso não merece provimento.

    *Cumpre decidir.

    *II – FUNDAMENTAÇÃO A) Considerações gerais O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

    Para além da reprodução prévia da parte da sentença recorrida que contém a decisão sobre a matéria de facto (factos provados e não provados) e da respetiva motivação, encontra-se utilidade na identificação das principais questões a decidir.

    Tais questões são, fundamentalmente, as de saber: ● se o acórdão recorrido está ferido de nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal, por deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou por...

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