Acórdão nº 196/12.9TBLSD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 196/12.9TBLSD.P1 (Apelação) Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Lousada (2.º Juízo) Apelante: Direcção Geral dos Registos e Notariado Apelados: B… e Ministério Público Sumário: O notário que titulou o facto jurídico sujeito a registo obrigatório, mas que não requereu o respetivo registo, não tem legitimidade ativa para impugnar a decisão do conservador, tomada no âmbito do processo de registo promovido pelo apresentante do pedido de registo.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO B…, notária, com Cartório Notarial em Lousada, impugnou judicialmente, ao abrigo do artigo 145.º do Código de Registo Predial, para o Tribunal Judicial de Lousada, o despacho da conservadora do Registo Predial de Lousada, proferido em 20/05/2011, que qualificou de provisório por dúvidas o pedido de registo da Ap. n.º 2541, de 13/05/2011, a favor de C… (aquisição em partilha extrajudicial de um identificado prédio urbano), apresentado pelo mesmo.

Na fundamentação da impugnação judicial, alegou, em suma: - A sua legitimidade para a impugnação judicial por ter titulado, como notária, a escritura pública de habilitação de herdeiros, assumindo a posição de sujeito vinculado no cumprimento da obrigação de titular o registo, nos termos do artigo 8.º-B, do Código de Registo Predial; - Pela apresentação n.º 2541 de 13/05/2011, C… solicitou na Conservatória do Registo Predial de Lousada, o registo de aquisição do prédio urbano não descrito e inscrito na matriz sob o artigo 1646, juntando os documentos comprovativos das obrigações fiscais relativas a IMT e IS, certidões das escrituras públicas de habilitação de herdeiros e de partilha por óbito de D…, com adjudicação da nua propriedade do referido prédio ao apresentante e do usufruto a E…; - O pedido de registo de aquisição foi, em 20/05/2011, efetuado como provisório por dúvidas, com fundamento na falta de demonstração da qualidade de herdeiros de alguns dos partilhantes, posto que a escritura pública de habilitação de herdeiros não foi instruída com certidões do registo civil, provando o parentesco entre os herdeiros legítimos e o autor da sucessão, mas com exibição de públicas-formas do bilhete de identidade e do cartão de cidadão dos declarados herdeiros, o que no entender da conservadora do Registo Predial, contraria o disposto no artigos 85.º do Código do Notariado; - Dessa qualificação foi apresentado, em 22/06/2011, recurso hierárquico para o Instituto do Registo e Notariado (IRN), com o fundamento que o citado artigo não limita a prova do parentesco entre os herdeiros e o autor da sucessão às certidões do registo civil e que os bilhetes de identidade e o cartão de cidadão também servem para demonstrar essa qualidade de herdeiro legítimo do autor da sucessão. Porém, o Conselho Técnico, em 14/12/2011, emitiu parecer[1] pronunciando-se em sentido oposto ao defendido pela reclamante, o que veio a ser homologado por despacho do Presidente do IRN, datado de 22/06/2011; - Porém, não se conforma com esse entendimento por inexistir fundamento legal para a não aceitação do bilhete de identidade e do cartão de cidadão para prova da sucessão legítima por parte dos descendentes do de cujus; - A prova do facto positivo de quem são os herdeiros é feita apenas perante o notário, a este competindo averiguar se é feita a prova da sucessão legítima e foge à qualificação do conservador, não podendo este, atento o princípio da legalidade, questionar os meios ou a idoneidade dos meios de prova com base nos quais o notário deu como justificada a sucessão legítima, uma vez que os mesmos nem sequer lhe são apresentados; - Ao fazê-lo, o despacho impugnado viola o disposto nos artigos 83.º e 85.º, n.º 1, do Código do Notariado.

A conservadora do Registo Predial proferiu o despacho previsto no 142.º-A, n.º 1, do Código do Registo Predial, e nele sustentou o despacho impugnado.

O Ministério Público emitiu o parecer ao abrigo do artigo 146.º, n.º 1, do Código de Registo Predial, conforme consta de fls. 55, no sentido da improcedência da impugnação judicial.

Foi proferida sentença, conforme consta de fls. 56 a 68, que jugou a impugnante dotada de legitimidade ativa e, conhecendo de mérito, decidiu julgar “procedente a impugnação judicial deduzida devendo o pedido de registo da apresentação número 2541 de 13.05.2011 da aquisição em partilha a favor de C… em causa ser qualificado como definitivo.” Inconformado, apelou o Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., apresentando as conclusões que abaixo se transcrevem.

A recorrida B… apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, que, igualmente, se transcrevem.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Os autos foram remetidos a esta Relação que ordenou a sua remessa à 1.ª instância para se pronunciar sobre a nulidade da sentença, arguida em sede de alegações do apelante, o que fez, concluindo pela não existência da invocada nulidade (despacho de fls. 125).

Conclusões da apelação: “Sobre a ilegitimidade da notária para impugnar a decisão do conservador 1.ª- Em face das disposições conjugadas dos artigos 141.º, 71.º, 61.º/1/b) e 64.º, todos do Código do Registo Predial, só tem legitimidade para impugnar a decisão de qualificação do registo aquele que no pedido figura como apresentante, porquanto é com esta pessoa que efetivamente se inicia a relação de conhecimento publicitário; é ela quem dá inicialmente a conhecer o facto jurídico a inscrever no registo predial e quem participa no devir processual; é ela o primeiro sujeito do procedimento registral e o interlocutor único da conservatória, quer para efeitos de aperfeiçoamento do pedido quer para notificação do resultado.

  1. - A obrigação de promover o registo, como a que está fixada para as entidades tituladoras (artigo 8.º-B/1/b) do CRP), cessa no caso de este se mostrar promovido por qualquer outra entidade que tenha legitimidade (artigo 8.º-B/5 do CRP).

  2. - Após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 533/99, de 11 de dezembro, o interesse moral do notário na definição do critério a seguir nos casos duvidosos deixou de lhe conferir uma posição impugnatória, e, diante das disposições conjugadas dos artigos 36.º e 8.º-B/5 do CRP, a sua qualidade de sujeito da obrigação de registar perde relevância a partir do momento em que se alheia do cumprimento dessa obrigação e o pedido se mostra apresentado por outra entidade com legitimidade para o efeito.

  3. - A notária, que titulou o facto jurídico sujeito a registo obrigatório mas não requereu o registo, não tem legitimidade para impugnar a decisão do conservador tomada no âmbito do processo de registo promovido pelo sujeito ativo do facto (apresentante).

  4. - A questão processual atinente à legitimidade da recorrente (notária) foi incorretamente resolvida na sentença recorrida, suscitando-se a sua reapreciação em sede de acórdão a produzir no presente recurso (artigo 713.º/2 do CPC), atento o disposto nos artigos 493.º a 495.º do CPC e sem prejuízo do preceituado na 2.ª parte do artigo 288.º/3 do mesmo Código.

    Sobre o mérito da sentença proferida 6.ª- A sentença é nula, por encerrar contradição entre os fundamentos e a decisão (artigo 668.º/1/c) do CPC), na parte em que considera que a escritura pública apresentada não pode valer como habilitação de herdeiros, por não ter sido instruída com os documentos necessários; que só podem ser registados os factos constantes dos documentos que legalmente os comprovem (artigo 43.º do CRP); e que o princípio da legalidade referido no artigo 68.º do CRP demanda a apreciação dos aspetos formais e dos requisitos de conteúdo dos documentos apresentados, e, de seguida e contraditoriamente, conclui que só os interessados (herdeiros preteridos), não o conservador, podem sindicar a insuficiência do título; que, portanto, o registo pode ser feito com base em título insuficiente para a prova legal do facto.

  5. - Título para registo só pode ser o documento que, pela sua forma e conteúdo, possa considerar-se suficiente para justificar a existência de um direito relevante para o registo predial e para que no registo se inscreva esse direito com eficácia erga omnes (artigo 43.º do CRP).

  6. - Não configura “habilitação de herdeiros” e, como tal, título bastante para a prova da qualidade de herdeiro e para registo, uma escritura pública como a dos autos, que contém a declaração prevista no artigo 83.º do CN mas não foi instruída com prova legal do facto jurídico (filiação) que sustenta a qualidade de herdeiro de algumas das pessoas nela mencionadas.

  7. - A sentença recorrida fez uma incorreta interpretação das normas contidas nos artigos 43.º e 68.º do CRP, porquanto das mesmas resultam que, não podendo valer como habilitação de herdeiros a escritura pública que não preencha os requisitos previstos no artigo 85.º do Código do Notariado, o facto complexo de produção sucessiva em que se analisa o fenómeno sucessório, incluindo a abertura da sucessão e a qualidade de sucessores e únicos interessados na partilha, não está titulado no documento apresentado.

  8. - A sentença recorrida não atendeu à finalidade do registo (artigo 1.º do CRP) e aos seus efeitos (artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º do CRP), e, por isso, não compreendeu que o registo predial representa interesses de segurança e certeza jurídica, através duma fiscalização rigorosa da legalidade dos atos, em que as situações publicadas se baseiam, e que a apreciação no ato registal faz-se não pela comparação de interesses com a lei, mas diretamente entre o facto a registar e as disposições que regulam a admissibilidade a registo.

  9. - Como tal, interpretou mal o princípio da legalidade consagrado no artigo 68.º do Código do Registo Predial, que precisamente visa vincular o conservador não só a uma análise das formalidades externas do documento apresentado como também a uma rigorosa verificação do conteúdo deste, confrontando-o com o que a lei prescreve e apenas...

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