Acórdão nº 3460/11.0TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 3460/11.0TBVFR.P1 Sumário do acórdão: I. Tal como reiteradamente vem defendendo o Tribunal Constitucional, a previsão legal de um prazo de caducidade para a impugnação de paternidade não deverá ser considerado restrição [vedada pelo artigo 18.º, n.º 2, da CRP], mas sim mero condicionamento ao exercício do direito à identidade pessoal.

  1. O estabelecimento de um prazo de caducidade para o exercício do direito à impugnação de paternidade revela-se, em abstracto, um condicionamento adequado, necessário e proporcional deste direito, harmonizando a faculdade do seu exercício com a satisfação do interesse da segurança jurídica, elemento essencial de Estado de Direito (artigo 2.º, da C.R.P.).

  2. Decorre das conclusões anteriores, que a existência do prazo de caducidade não merece um juízo constitucional de censura, sem prejuízo de tal juízo negativo poder incidir sobre o prazo concreto, por desconformidade com os valores constitucionais, na medida em que inviabilize ou dificulte excessivamente o exercício do direito fundamental à identidade pessoal.

  3. O prazo de três anos previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, na redacção que lhe conferiu a Lei 14/2009, de 1 de Abril, garante o cabal exercício do direito fundamental à identidade pessoal, previsto no artigo 26º, nº 1 da CRP, traduzindo-se, em abstracto, num condicionamento adequado, necessário e proporcional deste direito, sem o pôr em causa, harmonizando-o com o interesse da segurança jurídica, que também garante.

  4. Este entendimento, na situação concreta dos autos, sai confortado com o facto de do mesmo não decorrer a absoluta preclusão do direito fundamental à identidade pessoal, considerando a menoridade do filho e o disposto na alínea c) do n.º 1 do citado normativo, onde se estabelece a seu favor a faculdade de impugnar a paternidade até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… intentou em 20 de Junho de 2011 a presente acção de impugnação de paternidade contra C… e D…, formulando os seguintes pedidos: que se declare que o 1.º réu não é pai do 2.º réu; que se anule o registo de paternidade presumida do 2.º réu, constante do assento de nascimento n.º 3481, do ano de 1987; que se ordene o cancelamento da inscrição de paternidade do 1.º réu no referido assento de nascimento.

    Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora em síntese: foi casada com o réu, tendo o casamento sido dissolvido no ano de 2009; o menor D… (2.º réu), nasceu em 12 de Novembro de 2007, na constância do casamento da autora com o 1.º réu; em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 1826.º do Código Civil, foi lavrado o assento de nascimento onde consta que o 1.º réu é pai do menor; posteriormente, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, por decisão de 17.12.2009, cabendo a ambos os “progenitores” (autora e 1.º réu) o exercício de tais responsabilidades; o 1.º réu não é pai do menor D… (2.º réu); o menor D… é filho de E…, com quem a autora mantém desde 2007 relações sexuais regulares.

    No despacho de 7.07.2011 (fls. 23), foi considerado que a autora não beneficiava do apoio judiciário por si alegado, considerando que o mesmo se reportava apenas à sua intervenção no processo administrativo que correu termos nos serviços do MP.

    Através do requerimento junto a fls. 25, a autora comprovou o deferimento em 12 de Agosto de 2011, do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos.

    Foi nomeada curadora provisória ao menor e réu D… (fls. 38), após o que os réus foram citados, não tendo havido contestação.

    Foi proferido despacho saneador tabelar, nos termos que constam de fls. 44.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto julgo verificada a excepção da caducidade do direito da autora em intentar a presente acção e, em consequência, julgo improcedente a acção».

    Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: 1) Estabelece a lei a presunção de paternidade, no artigo 1826 nº 1 do c. Civil, na qual se presume que o filho nascido na constância do matrimónio da Mãe tem como pai o seu Marido.

    2) Contudo, o réu D… não nasceu fruto das relações de cópula completa entre a autora e o réu C…, conforme facto provado 3 da sentença e relatório pericial de fls 57 e seguintes dos autos 3) De acordo com o disposto nos art.(s) 1839º e 1841º do Código Civil pode a Paternidade do filho ser impugnada pela Mãe.

    4) Podendo a acção de impugnação de paternidade ser intentada no prazo de três anos posteriores ao nascimento, conforme disposto no art. 1842º nº 1 al. b) do Código Civil.

    5) Certo que a autora intentou a acção passado 3 anos do nascimento do filho, contudo, não se pode esquecer a inércia do Ministério Público que deixou passar o prazo de caducidade de 3 anos para se julgar ilegítimo para intentar a acção de impugnação de paternidade (conforme copia da decisão junta nos autos).

    6) Apesar deste preceito formal, o respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade não só do direito de investigar, como o de impugnar.

    7) A jurisprudência, de um modo geral, defende, que ao caso previsto no artigo 1842.º CC se deveria aplicar a mesma solução, uma vez que se o filho pode impugnar a paternidade, sem limitação de prazo, também o presumido pai o poderá fazer, sob pena de discriminação de um dos elos da relação jurídico-filial, argumentando-se que o respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade não só do direito de investigar como o de impugnar, tratando-se, pois, tanto num caso como no outro, de estabelecer a paternidade biológica seguindo a doutrina do Acórdão n.º 23/2006 do Tribunal Constitucional.

    8) O argumento essencial do referido acórdão é que não se podem colocar desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, sustentando que “as razões que estiveram na origem da declaração da inconstitucionalidade do mencionado artigo 1817.º, n.º1, do Código Civil estão, outrossim para a disposição contida no artigo 1842.º, n.º 1 alínea c), do mesmo Código”, acabando assim por decidir pela “inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, na medida em que prevê, para a caducidade do direito do filho maior ou emancipado de impugnar a paternidade presumida do marido da mãe, o prazo de um ano a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, por violação dos artigos 26.º, n.º1, 36.º, n.ºs 1 e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa”.

    9) Neste sentido veja se também os Acórdãos do STJ, de 14.12.2006, de 31/01/2007, de 07.07.2009 e de 25/03/2010, disponíveis in www.dgsi.pt/, de 07/07/2009, in CJ/STJ, T. II, 2009, a pág. 168 e segs. e os Acórdãos desta Relação de 24/11/2008, 15.03.2010 e de 19/04/2012 (para o caso da mãe impugnar a paternidade passado o prazo de 3 anos) também disponíveis in www.dgsi.pt/ 10) O Acórdão do STJ, de 07.07.2009, salienta o ponto primordial nesta problemática: “a valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade para as acções de estabelecimento da filiação”.

    11) Ao nível de doutrina no que diz respeito à imprescritibilidade das acções de filiação, a propósito da caducidade do direito a investigar, afirmam os professores Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira in “Curso de Direito de Família”, vol. II, tomo I, 2006, pág. 139, que os tempos correm a seu favor, afirmando que:” não tem...

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