Acórdão nº 185/08.8TBTMC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução31 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 185/08.8TBTMC.P1 Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo Relatora: Judite Pires 1ª Adjunta: Des. Teresa Santos 2ª Adjunta: Des. Amália Santos Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO 1. B…, solteira, maior, residente no …, …, …, em Torre de Moncorvo, intentou acção declarativa sob a forma ordinária contra a Companhia de Seguros C…, SA., com sede no …, n.° .., ….-… em Lisboa, pedindo que seja a ré seguradora condenada a pagar-lhe a quantia de 18.665,95€, a título de danos patrimoniais; e a quantia de 55.000,00€, a título de danos morais e respectivos juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, sendo aquelas quantias acrescidas de 5% desde o trânsito em julgado da sentença que assim vier a decidir, nos termos do n.° 4, do artigo 829°-A do Código Civil.

Pediu ainda a Autora que seja a Ré condenada a suportar os custos de todas as cirurgias e todos os demais tratamentos decorrentes do acidente de viação a que venha a ser submetida ao longo da sua vida.

Para tanto alega que no dia 30 de Dezembro de 2005, viajava no veículo ligeiro de passageiros de matrícula SX-..-.., propriedade de D…, ocupando o lugar direito da frente, no qual era transportada gratuitamente, sendo o mesmo, na altura, conduzido por E….

Nesse dia, pelas 3 horas e 10 minutos, ocorreu um acidente de viação, na EN n.° …, próximo do …, freguesia …, Torre de Moncorvo no qual esteve envolvido o referido veículo. A estrada no local apresenta-se em curva, mas com boa visibilidade, o piso daquela era asfalto e, na altura, o tempo estava seco e limpo. A estrada no local do despiste tem uma largura de 6,50 m e o SX circulava no sentido … – …, tendo o despiste ocorrido na faixa contrária àquela em que seguia e o veículo capotado várias vezes.

Em consequência de tal acidente sofreu a autora vários ferimentos, designadamente esfacelo da perna esquerda, ferimento na mão direita, sendo que a autora após o acidente desmaiou, tendo sido assistida no hospital de Torre de Moncorvo e, posteriormente, foi evacuada para o Centro Hospitalar do Nordeste – Hospital Distrital de Mirandela, tendo depois sido transferida para o Hospital da Prelada no Porto, para o serviço de cirurgia plástica, reconstrutiva e estética.

Acrescenta que em 30/12/2006, o Hospital de Mirandela fez limpeza, desinfecção e sutura das feridas com cerca de trinta e cinco pontos, com fio prolene 3.0. Esteve internada no serviço de cirurgia entre 30-12-2005 a 31-1-2006, sendo que no dia 10/01/2006, deu entrada no Bloco Operatório para limpeza cirúrgica de tecidos necrosados da coxa e perna esquerda e no dia 31/01/2006, foi transferida para o Hospital da Prelada, onde ficou internada para realizar enxerto de esfacelo da perna esquerda. No Hospital da Prelada no Porto, foi operada em 3-2-2006 tendo-lhe sido feito limpeza cirúrgica de ulceração extensa da perna e joelho esquerdos, colheita de enxerto de pele parcial da coxa homolateral e plastia com enxerto de pele em rede e remoção de corpos estranhos da mão direita (vidros). Foi novamente operada em 9/2/2006, tendo-lhe sido feita limpeza cirúrgica de ulcerações residuais da perna direita, colheita de enxerto de pele parcial da coxa homolateral e plastia com enxerto de pele.

Actualmente apresenta cicatriz inestética, aderente ao plano muscular, deprimida e pigmentada ocupando os vinte e dois centímetros e meio proximais das faces anterior, externa e posterior da perna esquerda, complexo cicatrial nacarado da face anterior e interna da coxa esquerda – zona dadora de enxerto.

Adianta ainda que esteve durante trinta dias com incapacidade temporária total (ITT), com uma incapacidade temporária parcial (ITP), fixável em média, em 55%, durante o restante tempo de doença. A data de consolidação foi fixada em 180 dias após o acidente, tendo sido atribuído à Autora durante o período de incapacidade temporária o quantum doloris considerável, sendo o dano estético sido fixado em grau 6 (dentro de uma escala de 1 a 7), considerando a natureza e a localização das cicatrizes, o sexo e a idade da autora, a quem foi atribuída uma IPP de dez por cento.

Salienta ainda que é licenciada em comunicação social, com pós-graduação em direito da comunicação. Actualmente encontra-se desempregada, mas pressupondo o ordenado mínimo nacional, sempre terá direito a € 16.698,95.

Alega ainda ter sofrido graves perturbações psicológicas que a afectam no seu dia-a-dia, pois, recorda diariamente o acidente, vislumbrando todo o cenário em que se viu envolvida após o mesmo, bem como as dores que sofreu, acrescentando que, para além das queixas relacionadas com o membro inferior esquerdo, tem necessidade de usar diariamente uma meia elástica até à raiz da coxa.

Afirma que, à data do acidente, era uma jovem feliz, cheia de alegria, com vontade de viver, gostava de fazer desporto, contagiando todos os que a rodeavam com a sua actividade, fosse durante as férias em Torre de Moncorvo, ou durante o período escolar em Coimbra e que, após o acidente, tornou-se absorta, deixou de praticar desporto, refugiando-se em casa, deixou de conduzir, por medo em qualquer veículo e não consegue sentar-se ao volante, o que a deixa triste, deixou de ir à praia ou a uma piscina pública, por se sentir feia e diminuída, bem como, de usar saias ou calções.

Diz ainda sofrer de dores intensas, que a irão acompanhar para o resto da vida, com claras perdas para a sua auto e hetero estima. Todos estes efeitos têm provocado um prejuízo no seu desempenho a vários níveis de actividade, designadamente a nível pessoal, sócio-familiar, desde o relacionamento com a mãe e amigos, até às actividades lúdicas e de lazer, e à sua vida ocupacional académica. Após o acidente houve uma mudança significativa do seu estilo de vida, pois, andou de canadianas durante semanas e posteriormente refugia-se em casa, não acompanha os colegas à praia, deixou de praticar desporto e nunca mais usou saia ou calções e tem sido submetida a inúmeros tratamentos, consultas, e poderá ter necessidade de se submeter a uma ou mais intervenções cirúrgicas no futuro.

Teve de recorrer a consultas hospitalares e a médicos particulares, sendo que no dia 30 de Julho de 2008, teve consulta e exames com o Prof. F… em Coimbra, tendo gasto a quantia de € 150,00 e em 20/08/2008, despendeu na mesma clínica a quantia de € 575,00 para pagamento do relatório de ortopedia, totalizando em consultas, exames médicos e afins a quantia de € 725,00 e em medicamentos gastou cerca de € 200,00.

Invoca ainda que em almoços, aquando das suas deslocações ao Porto e a Coimbra, despendeu a quantia de € 22,00 e que nas mesmas deslocações gastou de combustível a quantia de € 115,00, tendo desembolsado a quantia total de € 1.062,00.

Também em consequência do acidente, afirma que estragou a roupa que tinha vestida no valor de € 300,00, perdeu a carteira no valor de € 50,00, o telemóvel no valor de € 150,00, e as botas ficaram inutilizadas, sendo que lhe custaram € 135,00, tudo no total de € 635,00.

Citada, contestou a ré alegando que aquando do acidente o SX era conduzido pela Autora, filha da proprietária do veículo, quando depois de passar o cruzamento de … e de descrever uma curva para a esquerda da via, atento o seu sentido de marcha, perdeu o controle do veículo, que foi embater violentamente com a parte lateral e frontal esquerda num morro existente do mesmo lado da estrada, atento o sentido de marcha do SX e após capotou e ficou imobilizado no meio da estrada. Os militares da GNR quando chegaram ao local do acidente apenas deparam com o E… junto ao veículo, que os informou ser ocupante da viatura e que a condutora era a Autora que já tinha sido transportada para o hospital.

Refere que a GNR contactou o Hospital Distrital de Mirandela para que fosse realizado exame sanguíneo à Autora para despistagem de álcool e outras substâncias proibidas que essas análises sanguíneas, realizadas logo após o acidente, revelaram que a mesma tinha uma taxa de álcool no sangue de 1,60gr/l e substâncias psicotrópicas (cannabis).

Alega ainda que aquando do despiste o dia estava seco e limpo, o piso era em asfalto e estava em bom estado de conservação, nada explicando que o SX subitamente tenha entrado em despiste, nem foi alegada nenhuma causa que explique o acidente, pelo que a TAS de 1,60 gr/l da Autora e o consumo de cannabis, teriam sido a causa do acidente.

Acrescenta que alguns dias após o acidente o E… dirigiu-se à GNR de Torre de Moncorvo e aí declarou que se tinha enganado, uma vez que quem conduzia o SX aquando do acidente era ele e não a Autora.

Conclui a Ré que a Autora pretende afastar não só as consequências legais e contratuais que podem resultar do facto de conduzir com aquela TAS e sob o efeito de substâncias psicotrópicas, mas também afastar as exclusões da garantia do seguro de responsabilidade civil automóvel; sendo a Autora a condutora do SX, excluída está a obrigação da Ré de indemnizar aquela, no âmbito do contrato de seguro que celebrou com a proprietária do veículo, responsabilidade que também é excluída pela cobertura facultativa referente a danos causados a ocupantes do veículo, que, tal como resulta das condições particulares do contrato que expressamente constam do duplicado de apólice, apenas abrange despesas de tratamento até ao valor de 1.500,00€ e danos decorrentes de morte e invalidez permanente (ocupantes MTP) até ao valor de 15.000,00€.

Resulta também, ainda segundo a Ré, que nos termos do mesmo artigo 6° da apólice uniforme do contrato de seguro, n°2, alínea d), estão excluídos da garantia do contrato os danos, cuja indemnização é peticionada nestes autos, decorrentes de lesões materiais causados aos descendentes (Autora) do Tomador do Seguro.

Termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Realizou-se audiência preliminar, na qual se procedeu à tentativa de conciliação, que se frustrou.

Foi elaborado despacho saneador, que declarou válida e regular a instância, e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT