Acórdão nº 713/09.1TBLSD.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 713/09.1TBLSD.P2 Sumário do acórdão: I. Na vigência dos artigos 426.º e 427.º do Código Comercial, sempre se revelou pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, o entendimento de que a forma exigida por lei para o contrato de seguro se traduz numa formalidade ad substantiam.

  1. O entendimento de que a emissão da apólice e a sua entrega ao segurado significa a aceitação da proposta deste e a consequente perfeição do contrato, veio a ser posto em causa pelo Assento de 22.01.1929, que fez equivaler à apólice a minuta do segurado [impresso da seguradora cujos espaços em branco são preenchidos pelo segurado, que o assina e devolve à seguradora] desde que aceite pela seguradora. Mas a doutrina do Assento não afasta a exigência de um requisito fundamental à perfeição do contrato: a declaração de aceitação por parte da seguradora.

  2. A “declaração tácita” pode consistir na omissão de declaração do destinatário da proposta, mas apenas no circunstancialismo previsto no artigo 218.º do Código Civil, onde se preceitua que «[o] silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção».

  3. Face ao teor do n.º 1 do artigo 17.º do DL 176/95, de 26 de Julho, que apenas estabelece a validade do silêncio [omissão de declaração da seguradora na sequência da recepção da proposta do seguro], relativamente aos “seguros individuais”, deverá considerar-se, relativamente aos “seguros de grupo”, que o mero silêncio da seguradora não vale como declaração negocial susceptível de a vincular, atento o que preceitua o artigo 218.º do Código Civil.

  4. Estando o autor informado da exigência de realização de exames médicos e não os realizando apesar de ter sido insistentemente contactado para o efeito, revela-se manifestamente abusivo e infundado o entendimento preconizado no recurso, de que ainda assim o contrato se realizou.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… intentou no Tribunal Judicial de Lousada a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra C…, Ltd, pedindo a condenação desta: a pagar ao credor hipotecário, D…, com sede na Rua …, n.ºs … a …, ….-… Lisboa, o capital em dívida a esta instituição, à data da morte da sua mulher, 21 de Outubro de 2001, relativo ao contrato de seguro de grupo vida, apólice n.º ........, associado ao financiamento imobiliário com o número de contrato de crédito …………., concedido por aquela instituição bancária ao A. e à sua falecida mulher; a pagar todos os encargos bancários e acréscimos legais que este banco lhe exija e a que a Ré com a sua infundada recusa de pagamento tenha dado causa; a pagar juros de mora à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

    Alegou o autor, para tanto e em síntese: a sua esposa faleceu no dia 21 de Outubro de 2001; ambos haviam celebrado com a ré um contrato de seguro de vida; a ré não cumpriu aquilo a que se obrigou – liquidar as quantias em dívida à data da morte de sua falecida esposa ao beneficiário do seguro – o D… – referente ao empréstimo bancário para aquisição de habitação que contraíram junto daquela instituição bancária; foi exigido ao autor e à falecida esposa, pela D…, como condição de financiamento da aquisição da habitação, ainda antes da data da escritura pública, a celebração de um contrato de “seguro de vida”, mediante a sua adesão ao seguro de vida de grupo; o autor e a esposa preencheram a proposta de adesão ao referido seguro de VIDA de grupo, associada ao referido financiamento imobiliário com o número de contrato de crédito ………….; tal proposta foi aceite pela Ré.

    A Ré apresentou contestação (fls. 117), na qual: deduz a excepção dilatória de incompetência territorial do Tribunal; deduz a excepção dilatória de ilegitimidade activa do autor; requer a intervenção acessória provocada da D…; impugna os factos alegados pelo autor, afirmando nunca ter celebrado qualquer contrato de seguro com o autor e falecida esposa, porquanto a aceitação da proposta de adesão subscrita por eles estava dependente de informações médicas e de exames clínicos a solicitar pela Seguradora Ré, como o autor e a sua falecida mulher sabiam, e que estes, apesar de diversas vezes contactados para o efeito, nunca compareceram para fazer os exames solicitados, não tendo a ré aceite a proposta de adesão ao seguro face à falta de informações médicas.

    Foi apresentada réplica (fls. 165), onde o Autor respondeu à matéria das excepções, pugnado pela sua improcedência.

    Foi proferido despacho (fls. 207), no qual se julgou territorialmente incompetente o Tribunal Judicial de Lousada, determinando-se a remessa dos autos às Varas Cíveis de Lisboa.

    Não se conformou o autor com tal decisão e dela interpôs recurso para este Tribunal, decidido por acórdão junto aos autos a fls. 255, que julgou procedente a apelação, revogou a decisão recorrida e declarou a competência territorial das Varas Cíveis do Porto.

    Foram os autos remetidos às Varas Cíveis do Porto, tendo sido distribuídos à 3.ª Vara (3.ª Secção), onde se realizou a audiência preliminar, nos termos que constam da acta de fls. 344, com prolação de despacho a indeferir a intervenção acessória provocada da D… (fls. 347).

    Foi proferido despacho saneador (fls. 349), onde se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa do autor (fls. 356), após o que se elencaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, O autor reclamou dos factos assentes e da base instrutória (fls. 366), tendo tal reclamação sido indeferida por despacho de fls. 434.

    Apresentados os meios de prova pelas partes, foi realizada audiência de discussão e julgamento, em duas sessões (fls. 675 e 692), tendo o Tribunal decidido a matéria de facto sem reclamações (fls. 693), após o que foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção, absolvendo, em consequência, a ré dos pedidos formulados pelo autor.

    Não se conformou o autor e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações que culmina com as conclusões, formuladas sem qualquer preocupação ou esforço de síntese[1], que se transcrevem: I. A sentença de que ora se recorre viola ou, pelo menos, faz uma interpretação errada dos arts. 4.º e 17.º do Decreto-Lei 176/95 de 26 de julho, dos arts. 1.º, 4.º, 5.º,6.º, 8.º e 12.º do Decreto-lei 446/85 de 25 de outubro, dos arts. 218.º, 227.º, 232.º, 234.º e 342.º do Código Civil, do art. 426.º do Código Comercial e do arts. 653.º n.º 2 e 659.º do Código de Processo Civil.

  5. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Douta Sentença, proferida pela 3.ª Vara Cível do Porto em 06/06/2012, com referência electrónica n.º 8783968, que julgou totalmente improcedente por não provada a acção e que em consequência, absolveu a Ré do pedido nela formulado, o que, salvo o devido respeito e melhor opinião, no entender do Autor não tem qualquer cabimente legal.

  6. O tribunal a quo, salvo devido respeito, não valorizou correctamente a prova dos autos, já que valorou depoimentos de testemunhas que nada revelaram saber acerca do caso concreto em discussão nos autos e que apenas prestaram depoimentos indirectos ou pior, apenas exprimiram convicções pessoais, para além de que ignorou várias contradições, chegando mesmo a imputar às testemunhas conhecimentos que em sede de inquirição as mesmas não revelaram possuir direta ou indirectamente (cfr. testemunha E… aos minutos 37:35 e 38:04 do seu depoimento, testemunha F… aos minutos 22:37 e 24:02 do seu depoimento, testemunha G… ao minuto 34:33, testemunha H… ao minuto 22:00 do seu depoimento, testemunha I… aos minutos 4:00 e 5:58 do seu depoimento e testemunha J… ao minuto 23:05 do seu depoimento).

  7. A sentença recorrida traduz efetivamente um manifesto erro na apreciação da prova, razão pela qual pode o Apelante apresentar recurso da matéria de facto, nos termos previstos no art. 712.º,n.º 1, alínea a) do C.P.C.

  8. O certo é que a prova não se encontra analisada de acordo com as regras da experiência comum, mas muito menos se encontra analisada com imparcialidade o que teve como consequências respostas vagas e inúteis que, aliás, entram muitas vezes em contradição.

  9. Logo no quesito 7) nada mais está em causa que saber se foram ou não comunicadas ao Autor e à sua falecida mulher as cláusulas contratuais do seguro a propor, contudo, a sua redacção e a resposta afirmativa que lhe é dada é claramente ambígua, uma vez pese embora o Quesito 7) refira literalmente que se deu conhecimento do seguro a propor, a consequência jurídica retirada desse facto assenta no pressuposto de que se deu a conhecer as cláusulas / condições do seguro a propor, o que é totalmente diferente.

  10. O contrato de seguro devido celebrado entre a Ré e o Autor foi mediado pela D…, sendo que, as relações entre esta entidade bancária e a Ré eram, por sua vez, mediadas pela corretora de seguros K…, havendo por isso dois intermediários sucessivos, pelo que é totalmente impossível que a Ré ou as suas funcionárias possam garantir que tenha sido dado a conhecer ao Autor as cláusulas concretas do contrato de seguro, já que só o funcionário do banco que lidou directamente com o Autor e com a sua falecida mulher poderá responder por aquilo que fez ou deixou de fazer no caso concreto.

  11. A testemunha L…, funcionária do D…, referiu que apenas pode falar por si (vide minuto 15:08 do seu depoimento gravado e conservado em suporte informático, cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 28 de fevereiro de 2012) e que não podia responder pela pessoa que em concreto tratou deste assunto com o aqui Apelante (vide minuto 19:53 do seu depoimento gravado e conservado em suporte informático, cfr. Acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 28 de fevereiro de 2012) IX. Se a testemunha E… afirma a sua convicção de que ao Autor e sua falecida mulher foram explicadas as cláusulas contratuais, mesmo nunca tendo contactado com eles, direta ou indiretamente, (vide depoimento da testemunha E… a...

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