Acórdão nº 011/11 de Tribunal dos Conflitos, 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam no Tribunal de Conflitos: I - Em 06-12-2007, de acordo com certidão de fls. 68 a 76, junta a estes autos, A…….. e mulher, B………, moradores na Rua ……………, em …………, propuseram uma acção com processo comum, sob a forma ordinária, contra «C………» e «D………» distribuída nas Varas de Competência Mista de Guimarães, com o n.º 660/07.1 TCGMR, pedindo a condenação destas a: a) Reconhecerem que os AA. são donos e possuidores dos sete prédios que compõem o conjunto denominado «Casal» ou a «Quinta de São Cristóvão», sito no lugar do ………, freguesia de …….., concelho de ……….., bem como das águas referidas e represadas e conduzidas para os seus prédios; b) Reconhecerem que nos prédios que se interpõem entre a caixa de cimento construída para depósito de águas e o Regato de Cedofeita - entre eles os prédios dos AA. - existia um sistema natural de encaminhamento de águas pluviais vertentes em regos e daí para represas e caleiras, que permitia a suave condução dessas águas, mantendo estabilidade do solo, durante todo o ano, entre outros, para os seus prédios; c) Reconhecerem que com as obras de construção da auto-estrada e seus acessos bem como com o encaminhamento das águas pluviais a que procederam concentrando-as na referida caixa de cimento, incapaz de as suster e conter, alteraram completamente o curso natural da água, provocaram a invasão dos prédios dos autores por águas pluviais desgovernadas e de grande caudal, destruíram o solo desses prédios, com criação de crateras profundas, ao longo de mais de 500 metros de extensão, arrancaram árvores, derrubaram muros e arrastaram enorme volume de terras, tendo ainda violado o seu direito de fazerem conduzir essas águas até aos seus terrenos; d) Reconstruírem os seus muros e terrenos recolocando o seu solo no estado anterior e todas as condutas de acesso das águas de forma tal que os prédios fiquem a receber as águas pluviais, como antes daquela intervenção; e) Não mais oporem qualquer resistência ou obstáculo ou modificação ao modo como era exercido o seu direito de propriedade sobre as aludidas águas e como as usavam; f) Pagarem-lhes a indemnização que se liquidar em execução de sentença, respeitantes aos danos patrimoniais causados pela privação da água e consequente subaproveitamento agrícola dos prédios, bem como pela destruição de muros de vedação e do solo dos ditos prédios; g) Pagarem uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 5000 a cada um dos AA.

Fundamentam estes pedidos, em síntese, dizendo que a 1.ª ré é concessionária do Estado, tendo por este sido incumbida, mediante contraprestação, de fazer a construção, conservação e exploração da auto-estrada All/IP9 - Sublanço Guimarães-Calvos, de que faz parte o Sublanço entre Selho-Calvos (Lote 5.1) e respectivos acessos. Para a execução da referida auto-estrada, aí se incluindo a obra geral e as obras de arte, a 1.ª ré celebrou com a 2.ª ré um contrato de empreitada, mediante o qual esta última se comprometeu, remuneradamente, a executar os respectivos trabalhos de construção civil.

Alegam os autores, também, que são proprietários, por os terem adquirido por compra e venda, titulada por escritura pública de 14-09-2007 e por exercerem, por si e antepossuidores, desde há mais de 30 anos, actos materiais conducentes à aquisição do direito de propriedade por via da usucapião, de vários prédios [a) Campo do Girio, b) Campo do Lameiro do Outeiro, c) Campo da Grandã, d) Campo dos Casais de Lamas de Cima e de Baixo, e) Campo da Veiga, f) Campo da Lameira ou Lamadeira e Leira do Roço da Lameira e g) Leira de Matos ou do Talhinho], que compõem o conjunto já denominado o «Casal», ou «Quinta de São Cristóvão», situado no lugar do ……., freguesia de ……….., concelho de …………..

Sucede que, na execução dos trabalhos de construção do referido troço de auto-estrada, a 2.ª ré, nos anos de 2005 e 2006, utilizou explosivos, efectuou o corte de rocha, realizou escavações, movimentou terras e abriu novos acessos, causando alterações dos caminhos e dos cursos de água, do sistema de irrigação e do transporte de águas pluviais naqueles terrenos, que distam apenas 100 metros do troço de auto-estrada referido.

Ademais, acrescentam, a 2.ª ré não só desviou a água que era destinada aos seus terrenos para um outro terreno, denominado «propriedade da Bouça», como, para concentrar num ponto determinado todo o fluxo de águas pluviais vertentes, evitando o seu descaminho e dispersão, construiu uma caixa de cimento num prédio vizinho, num nível mais elevado, para onde se faria o respectivo desvio. Contudo, a circunstância de a caixa ser exígua para suster as águas, aliada à posição mais elevada em relação aos terrenos dos autores, levou a que as águas pluviais, pela intensidade e modo de queda, ficassem desgovernadas, abrissem valas, arrastassem terras e destruíssem na sua passagem culturas, vedações e muros de suporte.

Assim, concluem os autores, assiste-lhes o direito a obter judicialmente a condenação das rés a procederem à reposição do solo no estado anterior ao reencaminhamento das águas, à reconstrução das represas e muros referidos, à reposição do solo destruído e ainda ao ressarcimento dos danos patrimoniais, causados pela diminuição da produção agrícola em consequência da privação do sistema de rega, bem como dos danos não patrimoniais por si sofridos.

*****Regularmente citadas, as rés contestaram, defendendo-se, por um lado, em via exceptiva - arguindo as suas ilegitimidades e a prescrição do direito dos autores à indemnização - e, por outro, por impugnação - invocando a falta de verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil conducente à obrigação de indemnizar. Concluíram, a final, pela sua absolvição da instância, ou caso assim se não entendesse, pela absolvição dos pedidos contra si formulados.

******Na réplica foi pedida a intervenção principal provocada do subempreiteiro «E…………..», o que veio a ser deferido.

Na sequência dessa intervenção foi apresentada por parte da sociedade E………. nova contestação, invocando a sua ilegitimidade passiva, bem como a prescrição do direito de indemnização e defendendo-se por impugnação.

Foi, ainda, requerida a intervenção acessória provocada da subempreiteira «F………………», tendo sido considerada prejudicada a apreciação de tal pedido.

******Em 29-09-2008 foi proferido despacho saneador, tendo a Exma. Juíza da 1.ª Vara Mista de Guimarães, ao abrigo dos artigos l0l.°, 102.°, n.º 1, 103.°, 105.°, n.º 1, 288.°, n.º 1, al. a), 493.°, n.°s 1 e 2, 494.°, alínea a) e 495.°, todos do CPC, considerado os tribunais comuns absolutamente incompetentes, em razão da matéria, para conhecer da acção, por entender que tal competência está deferida à jurisdição administrativa, absolvendo, em consequência, as rés da instância - fls. 112 a 117.

******Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os autores para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 26-03-2009 (agravo n.° 2822/08-2.ª), negou provimento ao agravo, por considerar de índole jurídico-administrativa a causa de pedir que suporta os vários pedidos apresentados em juízo, mantendo a decisão proferida em 1.ª instância quanto à incompetência material dos tribunais comuns para o conhecimento da acção, ou seja, dizendo, serem competentes os tribunais administrativos, invocando o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mais concretamente o artigo 4.°, n.º 1, alínea g), com a interpretação seguida pela doutrina mais influente nesta matéria e que segue como defendido já no acórdão 2205.08 da mesma Relação, tudo conforme fls. 118 a 120.

*************No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sob o n.° 783/09.2BEBRG, os autores fizeram então distribuir uma acção administrativa comum, com forma ordinária, contra os primitivos réus do processo n.° 660/07.1TCGMR, «C……………..» e «D………………..», aos quais adicionaram os subempreiteiros «E…………………. - Optimização de Meios para a Construção do Lote 5.1 da Auto-Estrada A7- ACE», com sede na Rua ……………. Póvoa de Varzim, e «F……………………..», com sede na Rua ……………….. Penafiel - fls. 57 a 66 deste processo.

Nessa acção, após se justificar o recurso à jurisdição administrativa com a decisão, já transitada em julgado, proferida no processo n.° 660/07.1TCGMR, que manteve a declaração de incompetência em razão da matéria dos tribunais comuns para o seu conhecimento, reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito já apresentados na acção instaurada anteriormente nas Varas de Competência Mista de Guimarães, concluindo-se igualmente pela condenação dos réus naqueles exactos termos.

************Em 05-11-2010, a Exma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, após considerar que a controvérsia respeitava a entidades de direito privado e tinha por base a relação de dominialidade dos autores sobre determinados prédios e a reconstituição desse direito alegadamente violado pelas rés, decidiu a fls. 125 a 128 destes autos, que, estando-se perante uma questão de natureza privatística, ou seja, “Ora in casu estamos perante uma controvérsia entre entidades privadas - os autores, e outras entidades privadas – C…………….., E…………. e F…………., que mais não são do que sociedades anónimas, constituídas em termos de direito privado”, concluiu, nos termos do artigo 13.° do CPTA e 1.°, n.° 1 e 4 do ETAF, ser o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, materialmente incompetente para apreciar os pedidos formulados pelos AA nos presentes autos, o que determina a absolvição da instância da ré.

Adianta ainda que “Acresce que, atenta a data da prática dos factos, a lei aplicável ao caso sub judice é o DL n.° 48051, de 21.11.1967 e não a Lei n.° 67/2007, de 31.12 (pois que, se fosse este o diploma aplicável, a questão da competência material deste Tribunal teria tratamento diverso...

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