Acórdão nº 3201/05.1TCLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2013
Magistrado Responsável | GREGÓRIO SILVA JESUS |
Data da Resolução | 05 de Fevereiro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Recurso de Revista n.º 3201/05.1TCLRS.L1.S1 [1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I— RELATÓRIO AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, S.A.
, devidamente identificados nos autos, pedindo que: a) seja reconhecido o seu direito de propriedade, pela doação verbal da quota-parte do imóvel, devidamente identificado nos autos, em 1972 e aceite logo pela autora, e que com o decurso do tempo se tornou válida e eficaz pela verificação da usucapião, pelo decurso do tempo de 33 anos; e/ou, b) seja reconhecida a sua posse pacífica, pública, contínua e sem oposição, da quota-parte concreta e fisicamente delimitada a que corresponde o n.º 40 de porta, e que faz parte integrante do imóvel que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 48, da 3.ª Repartição de Finanças de Moscavide – Loures e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Loures sob o n.º ... – freguesia da B..., por mais de 20 anos, conduzindo a mesma à sua aquisição originária por usucapião; e, em consequência, c) seja decretado o cancelamento do registo a favor da ré e de todas as outras existentes que ofendam a propriedade da autora.
A fundamentar o peticionado, alega, em síntese: A autora vive há cerca de 46 anos no imóvel sito no B..., Rua …, n.° …, B..., o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana sob art. 48.° e descrito na CRP de Loures sob o n.° ....
Ocupa uma quota-parte fisicamente delimitada desse imóvel, que, não obstante identificado como indiviso, foi fisicamente divido em 4 partes com entradas independentes e cada parte verbalmente individualizada pelos antigos proprietários CC e DD, a que foram atribuídos pelos moradores e posteriormente oficializados a pedido destes pela Câmara Municipal de Loures, números de porta correspondentes a cada entrada, sendo a da autora a identificada com o n.° ….
Cada número de porta corresponde a uma habitação pertencente a diferentes proprietários/moradores que nelas vivem, também estes trabalhadores, mulheres, maridos ou filhos de trabalhadores da extinta fábrica “EE, Lda. -Fábrica de ...”.
A autora começou a ocupar o referido imóvel em 1958/1959 e também trabalhou na referida fábrica, apenas durante um ano, e o marido da autora que com esta começou a ocupar o imóvel, trabalhou naquela entre 1944 e 1978.
Os primeiros patrões da autora e de seu falecido marido, eram os referidos proprietários CC e DD, que, na data de contratação dos trabalhadores, facultavam aos mesmos a possibilidade de viverem nos imóveis do bairro, pagando estes àqueles uma correspondente taxa de conservação dos imóveis, sendo a fábrica e os imóveis identificados como um todo indiviso.
A casa ocupada foi considerada até 2004 pela Câmara Municipal de Loures como um barracão, tendo precárias condições de habitabilidade.
CC e DD, por diversas vezes, declararam perante a autora e seu marido e restantes trabalhadores a sua intenção de transferir a propriedade dos barracões para os seus ocupantes, dizendo para cuidarem das casas porque um dia elas seriam deles.
CC faleceu num acidente de viação, ficando como patrões DD e os herdeiros de CC, que honrando a promessa de doação do imóvel, deixaram em 1972 de cobrar a referida taxa de conservação, doando o imóvel aos seus ocupantes, que aceitaram de imediato, continuando a autora e o marido a ocupar o imóvel, agora, na convicção de que seriam titulares do mesmo.
A fábrica encerrou em 1987 com a notícia de que falira, e os herdeiros que geriam a mesma desapareceram.
A autora e o marido, e após a morte deste em 1983, a autora, continuaram sempre a ocupar o imóvel à vista de toda a gente, de modo pacífico e de boa-fé, como se seus proprietários fossem, procedendo a grandes obras que valorizaram o imóvel e o transformaram numa casa confortável e habitável.
Juntamente com outros moradores do bairro, diligenciaram pela colocação de esgotos e à puxada de energia eléctrica.
Em 2004, ao coligir os documentos referentes ao imóvel, verificou que o mesmo estava registado a favor da ré, desconhecendo como ocorreu a transferência de propriedade para esta, não sabendo quem são os sócios, que nunca viu, nem nunca reivindicaram qualquer direito sobre o imóvel, restando-lhe o recurso à presente acção.
Regularmente citada, a ré contestou, por impugnação propugnando pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, e seleccionadas a matéria de facto assente e a base instrutória, as quais sofreram reclamações, em parte atendidas.
Realizada audiência de discussão e julgamento – no decurso da qual foi interposto um recurso de agravo pela autora (admitido a subir nos autos com o primeiro recurso que, depois dele interposto, houvesse de subir imediatamente – cf. fls. 427) – foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido, e condenando a autora como litigante de má fé no pagamento de uma multa equivalente a 8 UCs, e no pagamento à ré de uma indemnização correspondente às despesas por ela havidas com a causa e honorários com o respectivo mandatário.
Inconformada, a autora apelou da sentença tendo a Relação de Lisboa negado provimento ao recurso de agravo e julgado parcialmente procedente a apelação, revogando a condenação da autora como litigante de má fé, mantendo o demais decidido (cf. acórdão de fls. 1254 a 1310).
Mantendo a sua discordância, a autora interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, concluindo, assim, as suas alegações (cf. fls. 1359 a 1367): 1. Por constrangimentos legais (n.° 6 do art. 712.° do CPC) é irrecorrível a decisão do venerando Tribunal da Relação sobre a solicitada alteração da resposta a matéria de facto subscrita pela recorrente que não teve provimento em parte.
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Tal não se verificará, porém, se a não alteração violar o regime legal a que se acoberta, situação em que uma tal decisão passará a ser questionável como matéria de direito.
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É uma questão de facto determinar o que aconteceu no âmbito de um determinado processo, mas é uma questão de direito determinar o que pretende a lei.
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Salvo melhor opinião é o caso dos autos e encontramo-nos perante uma violação da lei ao não terem sido alterados os quesitos 1.º a 7.º, 12.º a 14.°, 18.°, 28.° e 29.° (cuja resposta se pretendia fosse alterada e fossem dados como provados, sem restrições), 2.º, 16.° e 27.° (cuja resposta se pretendia fosse alterada e fossem dados como provados), quesito 17.º (cuja resposta se pretendia fosse alterada para provado) e quesitos 20.°, 21.° e 25.° (cuja resposta se pretendia fosse dada como não provados).
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Ao Supremo Tribunal de Justiça, compete essencialmente vigiar e denunciar se o douto tribunal de cuja decisão se recorre, fez mau uso dos poderes que a proposição descrita no artigo 712.° do C. P. Civil concede ao Tribunal da Relação.
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Está em causa a alteração da apreciação de direito que foi feita na sentença recorrida e que o douto Tribunal da Relação não alterou ou, procedeu a alterações que não foram de molde a apreciar a questão de direito para concluir pela inversão do título da posse da Autora.
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Os que exercem a posse em nome alheio só podem adquirir o direito de propriedade se ocorrer inversão do título de posse, ou seja, se a partir de certo momento, passarem a exercer o domínio, contra quem actuava como dono, com a intenção de que o oponente actua inequivocamente como titular daquele direito.
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O detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía a sua intenção de actuar como titular do direito.
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Se inicialmente a autora (1958/1959) habitou o imóvel a título precário, a partir de certa data passa a habitar aquele como se de sua proprietária se tratasse.
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E esse momento ocorre quando é efectuada a doação verbal à autora e seu marido, embora seja comummente sabido que a doação verbal de um imóvel é nula por vício de forma e neste âmbito jurídico substantivo jamais se lhe poderá assacar quaisquer outras consequências legais fora deste campo de reflexão, pelo que a alegada doação, seria nula por vício de forma, sendo que as consequências legais que daí podiam ser retiradas seriam unicamente para qualificar a boa ou má fé possessória.
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Todavia a mudança de comportamento da autora e do seu marido ocorreu.
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E ocorre com as obras que aqueles efectuaram no imóvel, a partir de determinada data, em que, com a garantia de quem têm algo seu, investem numa propriedade que a partir de determinada data consideram sua, onde nunca haviam investido antes, onde pelo menos durante 11/12 anos nunca haviam feito qualquer obra de melhoramento ou de conservação, permanecendo o imóvel até determinada data inalterado e só melhorado pela mão da autora e seu marido e por sua vontade.
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Repare-se que na resposta ao quesito 7.º o douto tribunal de que se recorre, em nota de rodapé (25), admite que “A única alteração que se poderia equacionar da resposta dada pelo tribunal recorrido, seria a de eliminar daquela o trecho ”desde que a ocupa”, uma vez que, de acordo com o depoimento daquela testemunha, pelo menos até 1969 a apelante não teria feito quaisquer obras de conservação e melhoramento, mas tal alteração é irrelevante uma vez que o que era determinante em termos de apreciação do mérito da causa era saber se só desde 1972 a A. fez aquelas obras – na sequência do anteriormente alegado –, o que também não resulta demonstrado com a referida eliminação”.
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A testemunha aqui referida nesta nota de rodapé é a filha da autora FF que refere, conforme se encontra descrito no acórdão recorrido que “.... foi para Angola em 1969 e voltou em 1973, data em que foi viver com a mãe, estando nesta data, a casa nas mesmas condições em que estava antes, excepto a casa de banho, na qual a mãe já havia posto um bidé, uma banheira e uma bacia maior, e a cozinha onde tinha sido colocado um lava louças, desconhecendo-se pois, em que data tais obras foram feitas, muito menos se podendo concluir que o foram apenas a partir de 1972, não tendo fundamento a...
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...do valor da alçada releva a lei em vigor ao tempo da instauração da ação (neste sentido, ac do STJ, de 05.02.2013, proc. n.º 3201/05.1TCLRS.L1.S1, Relator: Cons. Gregório Silva Jesus[2]). Assim, e uma vez que o presente pedido de indemnização civil foi instaurado em 29 de Outubro de 2003, h......
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