Acórdão nº 488/09.4TBESP.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA propôs a presente acção, com processo comum, sob a forma ordinária, contra a Dra. BB e "CC (..., Ldª.)", todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidariamente, a pagarem ao autor a quantia de €198.000,00, sendo a responsabilidade da ré seguradora limitada a €150.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, alegando, para o efeito, e, em síntese útil, que constituiu sua advogada, a ré Dra. BB, numa acção que intentou, na Comarca de Valongo, contra DD, sendo, porém, que esta acção foi julgada improcedente, em virtude de um erro indesculpável da ora ré, que não requereu a prova testemunhal, no prazo legal de que dispunha, pelo que o autor, consequentemente, sofreu um prejuízo de, pelo menos, €198.000,00, por cuja reparação é responsável a ré, Dra. BB, bem como a ré seguradora, "CC (..., Ldª.)", até ao limite de €150.000,00.

Na contestação, que apenas a ré "CC (..., Ldª.)" apresentou, esta confirmou a sua qualidade de seguradora, no âmbito de um contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrou com a Ordem dos Advogados, mas impugnou todos os demais factos essenciais alegados, em sede de causa de pedir, concluindo no sentido da improcedência da acção.

Na réplica, o autor impugnou a matéria que apelidou de excepção e reiterou a posição constante da petição inicial.

Foi deduzido, por apenso, incidente de habilitação de cessionário, no âmbito do qual foi decidido julgar habilitada EE para prosseguir a causa como autora, em substituição do autor originário, AA, por sentença que transitou em julgado.

A sentença final julgou a acção, totalmente, improcedente e, em consequência, absolveu as rés, Drª BB e “CC (...) Ldª”, do pedido deduzido pela ora autora, EE.

Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação do Porto, a autora interpôs agora recurso de revista excepcional, que, como tal, foi admitido pelo Colectivo da Formação a que se reporta o artigo 721º-A, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), com base na contradição de julgados, porquanto o acórdão recorrido exige para a responsabilização do advogado pela perda de chance do mandante a prova da certeza do prejuízo sofrido como consequência da falta, enquanto que o aresto fundamento se basta, nestes casos, com a omissão culposa, para caracterizar a responsabilidade civil, atentando, apenas, nas normais consequências processuais da omissão.

A autora termina as alegações com o pedido de revogação do aresto da Relação e sua substituição por acórdão condenatório que, julgando a acção, parcialmente, procedente, fixe em €99000,00, acrescidos de juros, desde a citação, a indemnização a pagar à autora, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente: 1ª – Da factualidade dada como provada resulta que estamos perante um contrato de mandato, com representação.

  1. - As obrigações do advogado constam dos artigos 92º a 12º do Estatuto da Ordem dos Advogados e determinam que sobre ele incumbe uma obrigação de meios.

  2. - Do advogado exige-se muito maior rigor do que se espera de um homem médio.

  3. - A 1ª ré, Exma. Sra. Dra. BB não cumpriu o mandato que lhe foi conferido, o que gera responsabilidade contratual, presumindo-se culposa a falta de diligência da 1ª ré (art.º 799º n.º 1 do Cód. Civil).

  4. - Esse incumprimento concretizou-se na apresentação extemporânea do rol de testemunhas, que, consequentemente, foi mandado desentranhar do processo, e na não comunicação ao processo, nem à Ordem dos Advogados, da mudança do domicílio profissional o que integra erro indesculpável e extremamente censurável.

  5. - A matéria factual que constituía a Base Instrutória constante do douto despacho saneador junto aos autos, destinada a permitir a conclusão sobre a relação jurídica estabelecida entre as partes, no caso concreto em discussão, só poderia ser provada por testemunhas, não havendo prova documental para além da junta com a petição inicial, que sobre tal questão era inócua.

  6. - A não produção de prova testemunhal determinou a decisão quanto à matéria de facto, que julgou não provados os n.ºs 1 a 26 da Base Instrutória, face à “... total ausência de prova acerca da matéria de facto controvertida” e à consequente improcedência da acção.

  7. - A conduta ilícita e culposa da 1ª ré tornou impossível, impediu totalmente o autor de ter ganho de causa, destruiu totalmente a probabilidade de o autor ganhar a causa.

  8. - A impossibilidade de produção da prova testemunhal, consequência da conduta ilícita e presumidamente culposa da 1ª ré, determinou para o autor a perda de chance de ganhar a acção.

  9. - É gravíssimo que um advogado, que tem de saber o que consta dos n.ºs 1 e 4 do art.º 254º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente que as notificações não deixam de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário, mude de escritório e não o comunique nem ao processo, nem à Ordem dos Advogados, face aos prazos peremptórios que se sucedem na estrutura processual civil.

  10. - Considerando o direito de acção e de recurso aos Tribunais como um bem tutelado, não só, pela lei processual, como pelo contrato de mandato estabelecido entre cliente e advogado, a impossibilidade do seu exercício por omissão culposa do advogado, como um prejuízo ou dano em si mesmo considerado (isto é como um dano autónomo) nenhuma dúvida existirá quanto ao nexo de causalidade adequada existente entre a conduta omissiva e o dano ou prejuízo sofrido pela recorrente em consequência da dita omissão.

  11. - Face ao comportamento grave em termos contratuais, profissionais e deontológicos que determinou a improcedência da acção, repugna à consciência jurídica da comunidade que a culpa não tenha consequências em termos de responsabilidade.

  12. - A perda de chance cabe claramente dentro dos princípios orientadores do nosso ordenamento jurídico.

  13. - Como é impossível concluir que o autor ou o réu obteriam ganho de causa, total ou parcial, outra solução não existe que quantificar o dano com o recurso à equidade, nos termos do n.° 3 do art.° 556° do Cód. Civil.

  14. - Em termos de equidade, o grau de possibilidade de ocorrer uma ou outra situação (procedência, improcedência, total ou parcial do pedido) deve fixar-se em 50% para cada parte visto que, salvo melhor opinião, qualquer outra percentagem seria arbitrária, por falta de base lógica em que assentar.

  15. – O douto acórdão em apreciação fez errada aplicação das normas jurídicas aos factos, tendo violado o disposto nos artigos 483º, 486º e 566º, nº 3 do Código Civil.

As rés não apresentaram contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, mas reproduz: 1. (A) Em 23 de Junho de 2006, AA intentou, no Tribunal Judicial de Valongo, uma acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra DD, que viria a ter o n.º 2951/06.0TBVLG, do 3.º Juízo daquele Tribunal.

  1. (B) Naquela acção, a advogada, Dra. BB, ora 1.ª ré, foi constituída advogada do autor.

  2. (C) Para o exercício das funções referidas, em 1) e 2), foi passada procuração à 1.ª ré, onde lhe foram conferidos “os mais amplos poderes forenses permitidos por lei”.

  3. (D) A 1.ª ré, no exercício das funções de advogada do autor, subscreveu a petição inicial da acção, referida em 1), onde elencou a factualidade descrita naquele articulado e ofereceu documentos, conforme consta de fls. 24-27.

  4. (E) …e, bem assim, formulou os pedidos que do articulado, referido em 4), se extraem.

  5. (F) Foi pelo réu, na acção judicial referida em 1), apresentada a contestação junta aos presentes autos, a fls. 32-38.

  6. (G) Nos autos, referidos em 1), foram fixados os factos provados e a respectiva base instrutória que resulta de fls. 45-47.

    8 – (H) …e, em 09/10/2007, foi remetida carta registada, dirigida à mandatária do autor [a ora 1.ª ré] e para o endereço “R …, …., … …”, com o seguinte teor: “Processo: 2951/06.0TBESP, Assunto: Notificação artigo 512º do CPC.

    Fica V. Exa. Notificado, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho saneador de que se junta cópia. Fica ainda notificado para, em 15 dias, apresentar rol de testemunhas, requerer outras provas, alterar os requerimentos probatórios que haja feito, bem como a gravação da audiência final ou a intervenção do colectivo”.

  7. (I) A carta, referida em 8), foi devolvida ao Tribunal remetente com a indicação de “mudou-se”.

  8. (J) Em 12/10/2007, e, relativamente aos mesmos autos referidos em 1), o Tribunal remeteu nova carta registada à Ilustre mandatária do autor [a ora 1.ª ré] e para o mesmo endereço e com o mesmo conteúdo, referido em 8), vindo a mesma a ser devolvida com a indicação de “mudou-se”.

  9. (K) Em face da devolução das cartas, referidas em 8) e 10), foi a ilustre mandatária do autor nos referidos autos [a ora 1.ª ré] contactada, telefonicamente, pelo Tribunal de Valongo, tendo a mesma informado que tinha mudado de escritório para a Praceta …, n.º …, …, …, na cidade de Espinho.

  10. (L) Em 17/10/2007, foi remetida nova notificação à Ilustre mandatária do autor, nos autos referidos em 1), com a junção do despacho saneador e com indicação para apresentar os respectivos meios de prova.

    13 (M) A 1.ª ré, enquanto mandatária do autor nos autos referidos em 1), apresentou, em 02/11/2007, o requerimento probatório e o pedido de gravação da audiência de discussão e julgamento, constante de fls. 60 dos presentes autos.

  11. (N) Por requerimento entrado, em 05.11.2007, constante de fls. 75 dos autos, o senhor Dr. FF, advogado do réu, DD, comunicava ao tribunal que a carta registada que havia remetido à aqui ré, Dra. BB, notificando-a do...

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