Acórdão nº 4583/1999.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução17 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

_ I – B.

(entretanto falecido e habilitado pelos respectivos herdeiros) intentou acção declarativa sob a forma ordinária, contra M., E. P.

, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de PTE 43.302.037$00 respeitante a rendas que deixou de receber até 30-9-99 e do montante das que se venceriam a partir dessa data, da quantia de PTE 281.050.000$00 relativos ao valor do prédio danificado, trabalhos de demolição e remoção do entulho e ainda da quantia de PTE 50.000.000$00 por danos não patrimoniais.

Alegou que é usufrutuário do prédio, o qual lhe proporcionava um rendimento mensal de PTE 367.215$00, tendo deixado de auferir quaisquer rendas desde Outubro de 1996, em consequência de danos provocados no prédio por obras executadas pela R.

Alegou ainda que, sendo legatários do direito de propriedade os seus filhos, vem exercendo a administração do prédio, motivo por que reclama também a indemnização correspondente ao valor do prédio que tem que ser demolido.

A R. contestou e, para além da excepção de incompetência material, alegou ainda a ilegitimidade do A. para formular o pedido de indemnização pelo valor do edifício e encargos com a demolição e remoção do entulho, por tal direito caber ao proprietário de raiz, bem como para formular o pedido de indemnização por cessação das rendas.

Relativamente ao pedido de indemnização pela perda do edifício e demolição e remoção do entulho, defende que se trata de questões a decidir no âmbito do processo de expropriação, não podendo ser indemnizado duas vezes o mesmo prejuízo.

Excepcionou ainda a sua ilegitimidade por ter celebrado um contrato de empreitada para a execução das referidas obras. E ainda a prescrição pelo facto de os alegados danos terem sido provocados por trabalhos que ocorreram até Junho de 1996.

Em sede de impugnação referiu que, antes do início das obras, o prédio já se encontrava em adiantado estado de degradação e em risco de ruína iminente, tendo o A. sido intimado várias vezes pela CML para fazer obras e em Setembro de 1996 foi ordenado o despejo sumário de todas as pessoas e bens, despejo que se concretizou em 8-10-96.

O aparecimento de fendas no edifício já tinha sido detectado em 1991, muito antes do início das obras, tendo o prédio chegado à situação em que se encontrava por exclusiva responsabilidade do A. e/ou do proprietário Diz ainda que, com excepção da Casa L.

, todas as lojas em que houve infiltrações decorrentes das obras que executou foram recuperadas e abriram ao público com segurança acrescida.

Impugnou ainda os factos relativos ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais e o valor peticionado.

O A. apresentou réplica em que se pronunciou sobre as excepções invocadas pela R.

Requereu a intervenção principal passiva de B., C., A., S., P., K.R e AC., A.C.E.

, Agrupamento Complementar de Empresas.

Foi proferido despacho saneador, após o que foi realizada a audiência de julgamento.

Tendo entretanto falecido o A., foram habilitados como seus sucessores M. F., sua mulher, e B. N. e J. P., seus filhos.

Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que:

  1. Julgou improcedentes as excepções de incompetência, ilegitimidade e prescrição, invocadas pela R. M.; b) Julgou procedente a excepção de prescrição invocada pelas sociedades B., C., A. S. P., K. e AC., A.C.E, absolvendo-as do pedido; c) Julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. M. E.P., a pagar, em conjunto, aos herdeiros habilitados do A. a quantia de € 88.450,00 de danos patrimoniais, correspondentes às rendas que o primitivo A. deixou de receber desde Outubro de 1996 a 9-10-88 (24 meses), à razão de € 3685,40 por mês, e € 15.000,00 de danos não patrimoniais, com juros de mora.

    Entretanto foi celebrada transacção parcial entre a A. habilitada, M. F., viúva, e a R. M. , E..P. (fls. 3352), a qual foi homologada por sentença (fls. 3515).

    Os demais AA. habilitados e a R. interpuseram recurso de apelação, tendo sido proferido acórdão que julgou improcedente a apelação interposta pelos AA. habilitados e parcialmente procedente a apelação interposta pela R., sendo esta condenada a pagar àqueles a quantia a apurar em liquidação de sentença relativamente a 24 meses de rendas, com limite máximo mensal de € 1.831,66, confirmando, no mais, a sentença.

    Os AA. habilitados interpuseram recurso de revista e concluíram que:

  2. O art. 2258° do CC, subordinado à epígrafe "legado de usufruto", esclarece, que o usufruto constitui um legado e o nº 1 do art. 2285° estipula que "o disposto na presente subsecção é aplicável aos legados", de onde resulta que toda esta subsecção é aplicável aos legados e por isso ao usufruto. O mesmo se passa com o art. 2296°, relativo à substituição fideicomissária. Logo, as disposições legais reguladoras do fideicomisso aplicam-se à figura jurídica do usufruto.

  3. Quer o usufrutuário seja ou não um fiduciário, a verdade é que, nos termos do direito positivo, ao usufruto é aplicável o regime da substituição do fideicomisso.

  4. O nº 1 do art. 2290º prevê que "o fiduciário tem o gozo e a administração dos bens sujeitos ao fideicomisso", de onde resulta que o usufrutuário, nos termos do art. 1251°, tem sobre os bens alvo de usufruto, "( ... ) o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real".

  5. Se o usufrutuário exerce o "poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real", então pode reclamar uma indemnização decorrente da conduta ilícita praticada pela sociedade que explora o Metropolitano de Lisboa sobre o bem por ele gerido em termos de usufruto.

  6. O art. 1446° do CC prevê que o usufrutuário pode "usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico", de onde resulta a faculdade de intentar a presente acção e os seus recursos, dado que o direito a intentar faz parte dos poderes de administração e fruição.

  7. O usufrutuário, por força do art. 1466º do CC, está investido no dever de defender e conservar a coisa objecto do usufruto das agressões de terceiros, recorrendo, para isso, a acções judiciais, nas quais pede as indemnizações que possam ser devidas pelas degradações provocadas ao património, o que é reforçado pelo previsto no art. 1449º e no art. 1452º, a contrario e também pelo art. 1475º.

  8. Neste caso, a legitimidade do usufrutuário para intentar a acção objecto do presente recurso é obrigatória porque, se assim não for, cria-se um verdadeiro bloqueio jurídico formal resultante da própria lei, o que não pode suceder, porque a lei não pode criar soluções incompatíveis com o próprio direito, como é imposto pelo nº 3 do art. 9° do CC.

  9. No ano de 2000, quando a acção foi intentada, B ...da C...C..., era vivo e tinha 3 filhos. Porém, nessa data, não se sabia se os mencionados filhos lhe iam ou não sobreviver. Se sobrevivessem, a propriedade do prédio seria transmitida aos ditos filhos, dois deles aqui habilitados e recorrentes; se não sobrevivessem, a propriedade transmitia-se aos sobrinhos …, filhos da falecida irmã Maria.

  10. Daqui resulta que na data da distribuição da acção, não era ainda possível saber em quem se iria consolidar a propriedade do imóvel, pois tanto poderia ir para uma estirpe, como para outra. O acórdão recorrido nada referiu sobre a mesma, preferindo ignorá-la, não desatando o nó górdio, quando estava a correr um prazo de extinção do direito peticionado na acção.

  11. A tese da ilegitimidade do usufrutuário para intentar a presente acção leva à seguinte consequência: não sendo o usufrutuário parte legítima para intentar a presente acção, ninguém o era e o direito ia-se perder, por prescrição, o que constitui uma solução contra o direito e expressamente contrária ao previsto no nº 3 do art. 9º do CC.

  12. Os recorrentes, quando se habilitaram à presente acção provocaram uma alteração subjectiva da instância, tal como previsto no nº 1 do art. 270° do CPC, da qual decorreu que passaram a intervir na mesma os herdeiros do usufrutuário que, no caso, eram as pessoas singulares em cuja esfera jurídica se consolidou a propriedade do imóvel objecto dos autos, no exacto momento em que o usufrutuário morreu.

  13. Esta alteração subjectiva da instância fez com que passassem a intervir no processo, em representação de seu pai, os proprietários do imóvel que não deixam, nem podem deixar de o ser, pelo simples facto de o terem herdado, após a morte do seu pai (depois de satisfeita a condição do legado).

  14. Sendo proprietários do imóvel, não perdem essa qualidade pelo facto de sucederem, na presente acção, a seu pai que foi usufrutuário, mantendo sempre essa qualidade que têm de ser adicionada à de herdeiros do usufrutuário.

  15. O acórdão recorrido esqueceu-se da disposição do nº 1 do art. 269° do CPC, de onde resulta que a simples presença dos proprietários do imóvel na presente acção lhes atribui legitimidade para mesma, não sendo possível defender a ilegitimidade activa.

  16. O acórdão decidiu que o primitivo A. não era parte legítima para pedir o que pediu, por ser um mero usufrutuário, mas a decisão ainda não transitou em julgado, sendo possível requerer a intervenção no processo das pessoas singulares que iriam garantir a legitimidade, ou seja, os proprietários. Sucede que os proprietários já são partes no processo, desde que transitou em julgado a decisão que os habilitou como tal.

  17. Sendo assim, se os recorrentes quisessem lançar mão do previsto no art. 269° iam requerer a sua própria intervenção no processo, sendo certo que já são partes no mesmo, o que seria uma actividade processual absurda, injustificada e inútil.

  18. Resulta daqui que os sucessores do usufrutuário que na data da morte passaram a ser os titulares únicos da propriedade do imóvel, apresentam sempre a qualidade de proprietários do imóvel, não podendo ser segmentados em meros herdeiros do usufrutuário ou meros herdeiros do usufruto, como fez o acórdão...

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