Acórdão n.º 353/2008, de 11 de Agosto de 2008

Acórdáo n. 353/2008

Processo n. 69/08

Acordam na 1.ª Secçáo do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Na acçáo de despejo que corre termos no 4. Juízo Cível do Porto, em que é autora Maria Celeste Barroso de Châtillon e réus Joáo Manuel Abreu Ribeiro e sua mulher Maria Dolores Martins Pereira, foi proferido despacho com o seguinte teor:

Vêm os réus a fls. 103 arguir nulidade processual nos termos do artigo 201. do CPC em virtude de ter sido proferida sentença sem se ter esgotado o prazo para apresentarem a respectiva contestaçáo, bem como argúem a nulidade da própria citaçáo, porquanto náo foram observadas todas as formalidades prescritas na lei nos termos do artigo 198. do citado diploma legal, nos termos ali constantes.

Mais invocam a inconstitucionalidade da interpretaçáo caso se sufrague o entendimento de que a citaçáo da ré mulher retroage ao momento em que foi contactada pelo solicitador da execuçáo, bem como que a formalidade do n. 5 do artigo 239. do CPC náo tenha de ser cumprida nos termos por si indicados e bem assim que o momento em que a ré mulher foi notificada para os efeitos do n. 5 do citado normativo náo releva para a contagem do prazo para contestar, por a mesma atentar contra o princípio do contraditório por condicionar e restringir o efectivo direito de defesa, atentando -se, assim, contra o princípio constitucional do acesso aos tribunais consagrado no artigo 20. da CRP.

Notificada, a parte contrária pugna pela inatendibilidade do requerido alegando, em síntese, que se os réus náo exerceram nos autos, em tempo, o direito à defesa que lhes assistia apenas de si próprios se poderáo queixar, tendo ambos sido regularmente citados nos termos da lei, constituindo, aliás, a conduta dos réus nesta acçáo, violaçáo grave do dever de cooperaçáo consagrado no artigo 266. e 266. -A, ambos do CPC.

Apreciando.

A questáo que se coloca e que importa dilucidar prende -se em determinar quando ocorreu no caso vertente o dies a quo do prazo para contestar que, in casu se traduz em apurar se aquele prazo se inicia no dia imediato à recusa do citando e a que se alude no n. 4 do artigo 239. do CPC, ou se tal prazo, tal como advogam os réus, se iniciará no dia imediato ao recebimento da notificaçáo estabelecida no n. 5 do citado normativo.

Ora afigura -se -nos que a natureza da notificaçáo estabelecida no n. 5 do artigo 239. do CPC assume natureza semelhante aqueloutra que se encontra estabelecida no artigo 241. do CPC.

Significa isto, portanto, que in casu embora a lei adjectiva imponha o cumprimento da aludida formalidade complementar afigura -se -nos que na economia do preceito tal formalidade náo contende com o início do prazo para contestar, o qual se verificou no momento em que o solicitador de execuçáo certificou a recusa da citanda em assinar a certidáo ou a receber o respectivo duplicado.

Porque assim, inexiste, pois, a apontada nulidade, inexistindo também a apontada inconstitucionalidade já que a citanda náo ficou em condiçóes de assegurar a efectiva defesa dos seus direitos por facto somente a ela imputável face à recusa por si assumida em receber os duplicados e proceder à assinatura da certidáo.

Os interessados Joáo Manuel Abreu Ribeiro e Maria Dolores Martins Pereira recorreram deste despacho, mas a Relaçáo do Porto, por acórdáo de 22 de Novembro de 2007, negou -lhes provimento ao agravo, assim confirmando a decisáo recorrida, com os seguintes fundamentos:

[...]

Questóes suscitadas no recurso a conhecer em primeiro lugar:

A citaçáo náo ocorre com o preenchimento da formalidade prevista no n. 4 do artigo 239., mas apenas com o cumprimento do n. 5 do mesmo preceito, sendo a partir dessa data que começa o prazo para contestar;

35652 Cumprimento tardio pela secretaria do disposto no n. 5 do artigo 239.;

Falta de certificaçáo de que a agravante foi advertida de que a recusa da citaçáo náo obviava à realizaçáo da mesma;

Qual deve entender -se ser a intençáo legislativa;

Atentado contra as garantias de defesa e do contraditório; Inconstitucionalidade das normas dos n.os 4 e 5 do artigo 239., na interpretaçáo que lhes foi dada pelo Tribunal recorrido.

Apesar de estar em causa a citaçáo da Ré mulher, náo podemos esquecer que nos encontramos no âmbito da sociedade conjugal, pelo que, em princípio, a citaçáo dos RR. far -se -ia conjuntamente, sem necessidade de dois actos formais distintos. O que aconteceu foi que a A. náo identificou a Ré mulher na p.i. Mas, como se pode verificar pela informaçáo prestada nos autos pelo R. marido, os cônjuges residem na mesma morada, pelo que logo se vê que náo faz qualquer sentido argumentar -se que a Ré náo teve conhecimento da instauraçáo desta acçáo, mesmo antes de ter sido formalmente contactada pela solicitadora de execuçáo.

Como assim, a situaçáo que temos é de terem sido citados em alturas distintas os cônjuges.

A argumentaçáo da agravante coaduna -se mais com a chamada citaçáo indirecta, do que com a situaçáo vivida nos autos.

Neste caso, a citanda foi objecto de citaçáo na sua própria pessoa, por meio de solicitador de execuçáo, visto que a carta registada que lhe foi dirigida veio devolvida, por náo ter sido reclamada.

Ora, as cautelas previstas na lei para a citaçáo indirecta náo têm justificaçáo no caso de a citaçáo se processar na pessoa do próprio citando.

No caso de citaçáo por via postal (artigo 236.), considera -se a mesma feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepçáo e tem -se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepçáo haja sido assinado por terceiro, embora se admita que o citando possa demonstrar que a carta lhe náo foi oportunamente entregue, ilidindo assim a presunçáo de citaçáo (artigo 238./1).

Por maioria de razáo, se deve considerar efectuada a citaçáo em caso de recusa por parte da pessoa directamente contactada.

E que assim é, di -lo o próprio n. 4 do artigo 239., ao prever para a situaçáo de recusa do citando em assinar a certidáo ou receber o duplicado, o que pressupóe que a citaçáo está feita, independentemente disso, e o n. 5 do mesmo artigo, ao mandar que a secretaria notifique ainda o citando, enviando -lhe carta registada com a indicaçáo de que o duplicado nela se encontra à sua disposiçáo.

Se a citaçáo se náo considerasse feita, a norma náo mandava notificar o citando, mas citá -lo, já que a citaçáo é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acçáo e se chama ao processo para se defender, empregando -se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa - n. 1 do artigo 228.; ao passo que a notificaçáo serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto - n. 2.

Por aqui se vê que a lei náo confunde citaçáo e notificaçáo e, se menciona no n. 5 do artigo 239. a notificaçáo, é porque já considera feita a citaçáo nos termos do n. 4.

Aliás, tem de haver um princípio ético de responsabilizaçáo da pessoa que é abordada para ser citada e que, contra os mais elementares deveres de cidadania, se recusa a receber a citaçáo. As pessoas sáo livres de agir como entenderem, mas náo podem, depois, alijar a responsabilidade dos actos que livremente praticaram.

A solicitadora de execuçáo lavrou a certidáo de fls. 69 -70, da qual consta o processo, o tribunal onde corre termos, o nome da A. e de seu marido, como réu, e a recusa da Ré mulher em receber e assinar a certidáo, tendo sido informada, nos termos do n. 4 do artigo 239., de que o duplicado e os documentos ficavam à sua disposiçáo na secretaria judicial.

Isso basta para que se tenha como feita a citaçáo.

Da certidáo náo consta a advertência que a solicitadora fez ao reencaminhar os elementos ao tribunal - fls. 68 - , isto é, que alertou a Ré de que estava citada, mas isso resulta de lhe ter sido dito que os elementos necessários se encontravam à sua disposiçáo no tribunal e da própria recusa, pois ninguém recusa sem saber o que está a recusar.

A lei apenas manda que se observe, em caso de recusa, o disposto no n. 4 do artigo 239., e isso foi feito, como decorre da certidáo.

Passemos, agora, à análise do cumprimento do n. 5 do preceito.

Tem toda a razáo a agravante quando afirma que é inadmissível que a secretaria leve dois meses e meio a dar cumprimento ao disposto no n. 5 do artigo 239.

Efectivamente, apesar de o preceito o náo fixar, o prazo para o respectivo cumprimento náo pode ser de tal modo dilatado que tome esse acto despiciendo.

O artigo 241. manda que a advertência a fazer ao citando (e aqui encontramos mais um argumento para rebater a tese da agravante a propósito da utilizaçáo do termo citando, já que, muito embora a lei considere a pessoa citada - artigo 238./1 - continua a chamar -lhe citando) mediante carta registada, se execute no prazo de dois dias.

O n. 5 do artigo 239. náo fixa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT