Acórdão nº 5445/09.8TBLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução18 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: I.

– AA propôs acção declarativa com processo ordinário contra o Banco BB, SA, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de € 300 000,00, a título de capital, acrescida de juros, à taxa legal, desde 30 de Setembro de 2009 até efectivo pagamento.

Para tanto alegou, em síntese: Era legítimo portador do cheque n.º ..., no valor de € 300 000,00, sacado, em 26 de Janeiro de 2009, por CC sobre o BCP; que o cheque lhe foi entregue para pagamento de uma dívida que o sacador tinha para com ele (autor); que o cheque foi devolvido em 28 de Janeiro de 2009, pelos serviços de compensação do Banco de Portugal, com os dizeres “falta ou vício na formação da vontade”; que esta devolução ocorreu por o sacador, seguindo as instruções e ensinamentos de um funcionário da agência de Leiria do réu, ter ordenado a revogação do cheque; que o réu, ao aceitar a ordem de revogação, sem que existisse qualquer facto que a justificasse, impediu que se verificasse o facto que importava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação, pois sabia que a conta bancária não apresentava fundos que possibilitassem o pagamento do cheque; que não recebeu a quantia titulada no cheque; que as perdas e danos sofridos com a atitude ilegítima do réu ascenderam à quantia de € 300 000,00, acrescida de € 7 766,00, a título de juros de mora vencidos até 30 de Setembro de 2009, e dos juros vincendos até integral pagamento.

O réu contestou, concluindo pela improcedência da acção. Na sua defesa alegou, em síntese, que o sacador lhe enviou, em 10 de Junho de 2008, comunicação escrita onde ordenou o não pagamento do cheque em questão, indicando, como motivo, “vício na formação da vontade”; que o cheque não foi apresentado a pagamento nos oito dias posteriores à sua emissão, pois a data do cheque foi colocada por outrem que não o emitente; que o réu, quer antes quer depois do pedido de revogação, agiu com zelo e diligência, de acordo com as instruções do cliente; que ainda que o réu tivesse violado o artigo 32.º da Lei Uniforme sobre Cheques [LUCH] não estava constituído na obrigação de indemnizar o autor.

No final, requereu a intervenção nos autos do sacador do cheque, como auxiliar na defesa, o que foi deferido.

O A. replicou. Por, como alegou, o réu ter invocado falsamente factos que não só tinha obrigação de conhecer, como factos que bem sabia não serem verdadeiros, pediu a sua condenação, como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização, em quantia não inferior a € 10.000,00.

O réu contestou o pedido de litigância de má fé, alegando que não tinha fundamento legal.

O processo prosseguiu os seus termos e a final foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e o pedido de litigância de má fé deduzido pelo autor.

O autor não se conformou e interpôs recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, sem êxito, uma vez que a Relação manteve a decisão da 1.ª instância.

Inconformado, o A. interpôs da referida decisão recurso de revista – atento o voto de vencido –, recurso que foi admitido.

O A. conclui, em síntese, as suas alegações, do seguinte modo: A. O título a que os presentes autos se reportam é válido como cheque.

  1. A conduta do R. ao aceitar o pedido do sacador de não pagamento do cheque com a falsa alegação de “vício na formação da vontade” é ilícita.

  2. Tal ilicitude constitui causalidade adequada entre a conduta do R. e o dano invocado pelo A. e tem cobertura na Lei – Artº 29º e 32º da LUCH, Artº 14º, 2ª parte do Dec. Lei nº 13004 e Artº 458º e 483º ambos do Cód. Civil.

  3. Assim, não se pode dizer como se refere no D. Acórdão ora recorrido que “no caso dos autos, não há sequer prova de que o portador do cheque era titular de um crédito sabre o sacador do cheque”(SIC), que “o autor, ora recorrente, não provou que o título de crédito houvesse sido emitido para pagamento de uma dívida” (SIC) ou ainda que “não se tendo provado que o cheque foi emitido como meio de pagamento de uma obrigação do sacador nem se tendo provado que havia fundos na conta para pagar o cheque, não se vê como se pode sustentar que a conduta do banco causou ao recorrente prejuízo patrimonial correspondente ao montante do cheque” (SIC); E. Desde logo, como consta no acórdão ora recorrido do voto de vencido proferido pelo Mmo. Senhor Juiz Desembargador, quando este aí refere: “O cheque é um título de crédito literal e abstracto. Daí que não se possa acompanhar a tese sustentada no acórdão de que cabia ao A., para a procedência da acção, provar “que era titular de um crédito sobre o sacador do cheque” e ainda que “havia fundos na conta (dele) para pagar o chegue”. Pelo contrário, nos termos do Artº 458º do C. Civil, o credor está dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume, até prova em contrário (da outra parte). E, do mesmo modo não era sobre o A. que impendia o ónus de provar que a conta do sacador do chegue tinha provisão. É que para além da causa virtual (o hipotético não pagamento do cheque por falta de provisão do sacador) não ter relevância jurídica no caso, sempre seria ao réu, interessado em exonerar-se da obrigação de indemnização decorrente da revogação ilícita do cheque, que caberia alegar e provar tal causa virtual (vide Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. 1, 10ª Ed., pág. 924 e Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª Ed., pág. 680).

    De modo que, em face dos factos provados e da doutrina do Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008, julgaria procedente a apelação e revogaria a sentença recorrida, condenando-se o réu no pagamento do valor do cheque e juros.” (SIC).

  4. No mesmo sentido vide Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980 – 1º – 565 quando aí refere “Presume-se, simplesmente, que a dívida tem fonte idónea, seja ela qual for, até prova em contrário” (Nota 11 ao Artº 458º do Cód. Civil anotado de Abílio Neto – Livraria Petrony – 6ª Edição – 1987).

    G – Ainda e também no mesmo sentido de que não é o A. mas sim o R. quem tem de alegar e provar que sem o facto operante (cancelamento) o pagamento ser-lhe-ia efectuado, vide o que ultimamente se decidiu no Ac. STJ de 12.10.2010 in CJ (Acórdão do STJ, Tomo III – 2010, pág. 124 e seguintes) por, tal como aí se refere “O não pagamento ao portador do montante titulado pelo cheque, no momento da sua apresentação a desconto, independentemente da causa que lhe esteja subjacente, vem a significar a falta de realização do valor correspondente ao quantitativo da prestação a que aquele, na qualidade de credor, tinha direito, com o consequente dano patrimonial verificado. Por outro lado, um banco que recusa o pagamento de um cheque revogado determina, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, que o tomador se veja privado do respectivo montante, não...

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