Acórdão nº 205/07.3TBOFR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | SALAZAR CASANOVA |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA e BB, CC e DD e EE intentaram em 12 de junho de 2007 ação popular sob a forma ordinária contra FF pedindo a condenação do réu nos seguintes termos: A- Reconhecer a dominialidade pública sobre o Rio ou Ribeira que atravessa as povoações da S... e do C..., designadamente do local denominado a P....
B- Demolir todas as obras por si ali realizadas, restituindo o respetivo leito à morfologia que tinha antes delas e permitindo o curso das águas e o aproveitamento público e privado que antes elas tinham.
C- A indemnizar os AA pelos prejuízos por estes sofridos ou que venham a sofrer ainda, em virtude da ausência de águas para regar os seus campos.
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Alegaram os AA que são proprietários, a jusante da referida P..., de prédios rústicos que têm vindo a ser irrigados através de presas existentes no rio, as presas do C... e do S…, complementadas por aquedutos e levadas que até eles transportam as águas represadas.
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Existindo tais presas há mais de 140 anos, as águas são particulares, pois foram preocupadas em data anterior à do Código Civil de 1867.
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Verificaram os AA que pouca ou nenhuma água chegava às suas presas, impedindo o regadio, o que resultou da construção no local da P... de uma verdadeira barragem, de pedra e betão, em lugar daquela presa, barragem erguida para fins lúdicos que impede completamente o curso normal das águas e, portanto, impede que na altura das regas sejam atingidas as presas que retêm a água que serve as propriedades dos AA.
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Essas obras foram realizadas sem licenciamento pelo réu e sem que as autoridades administrativas providenciassem pela reposição do leito do rio ou ribeira no seu estado anterior.
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O réu contestou alegando que, igualmente por costumes ancestrais, estão edificadas represas ao longo do ribeiro do E... que vai entroncar no Rio ...; tais represas dispunham de uma estrutura constituída por pedras toscas, dispostas umas sobre as outras, com cerca de 1,20 metros de altura cujas frestas se tapam com terra e torrões, estruturas frágeis que obrigavam a uma constante manutenção, destinadas a represar e derivar as águas.
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Ora a P... é um dos vários açudes existentes ao longo do curso do ribeiro do E... ou dos A... ou ribeiro dos A…, açude que é utilizado no regadio por agricultores de idade e que já não podiam, sem grande dificuldade, proceder às obras de manutenção do açude que, dada aquela estrutura tosca, carecia de manutenção que anualmente se impunha.
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Por isso, houve a necessidade de proceder nesse açude ou P... a obras de restauro que foram executadas por todos os 40 regantes da comunidade um dos quais é o réu 9. Tais obras de restauro respeitaram o local, dimensão e funções da " Presa ou Açude do E...", não modificaram a livre e natural circulação da água, assim como a sua finalidade que é o regadio.
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Sustentou ainda o réu que os AA, apesar de reconhecerem a existência da P... desde tempos imemoriais e a natureza das suas águas, pretendem que tais águas integrem o domínio público em prejuízo de todos os regantes que obviamente também são cidadãos nacionais, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, estando, por isso, na base desta ação, o mero interesse egoístico e individual, não se justificando demandar o réu em ação popular.
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A ação foi julgada improcedente por sentença que considerou que as águas apropriadas pela referida obra de captação são águas particulares e, por conseguinte, não pode proceder o pedido de reconhecimento de dominalidade pública do local denominado "P..., falecendo os demais pedidos por via dessa improcedência; considerou a sentença que o interesse pessoal prosseguido pelos AA não permitia o recurso procedimental à ação popular.
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O Tribunal da Relação, apreciando o recurso interposto pelos AA, considerou que estes prosseguiram um interesse público ao verem que o curso normal das águas que alimentam as "presas" foi alterado por ato que imputam ao réu, justificando-se a ação popular; no entanto, o dito ribeiro dos A..., sendo uma corrente de água de formação natural, de caudal contínuo e permanente, não navegável nem flutuável, desde tempos imemoriais que é objeto de preocupação, assim entrando as águas originariamente públicas, represadas para utilização na irrigação dos prédios, no domínio privado dos regantes em regime de compropriedade. Não pode, portanto, ter acolhimento o reconhecimento da dominialidade pública das mesmas, ficando prejudicada a apreciação do pedido de demolição das obras de restauro realizadas pelo réu que está dependente daquele primeiro pedido.
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Interpuseram os AA recurso para o Supremo Tribunal, sustentando, nas conclusões, que está demonstrada à exaustão a ilegalidade do ato praticado pelo réu - construção de uma mini barragem em betão ciclópico onde dantes existia uma simples presa de pedras e terra - ato violador de um bem do domínio público essencial, as águas da ribeira/rio na zona onde existia a P..., assim se desrespeitando os artigos 84.º da Constituição da República, os artigos 1386.º/2 do Código Civil, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de março entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 180/06, de 6 de setembro, o artigo 3.º/1, alínea c) e o artigo 41.º/2 do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de fevereiro e o artigo 25.º/2, alínea c) e n.º 3 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.
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Assim - prosseguem os recorrentes - tendo em vista a salvaguarda de um bem do domínio público, pressupondo a ilegalidade das obras realizadas, pediram a condenação do réu a demolir todas as obras por si feitas, restituindo-se o respetivo leito à morfologia que tinha antes delas, permitindo-se o curso das águas e o aproveitamento público e privado que dantes elas tinham.
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Os recorridos requereram a ampliação do âmbito do recurso à questão do interesse e legitimidade dos autores e legitimidade do réu na presente ação e à qualificação desta como ação popular. Referem que, uma vez reconhecida e provada a existência da P... desde tempos imemoriais, verifica-se a natureza das suas águas como águas particulares por preocupação, não tendo os recorrentes alegado quaisquer factos demonstrativos do interesse metaindividual ou supraindividual fundamentador da ação popular.
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Sustentam, dada a resposta ao quesito 8.º, que não se provou que, por causa da obra em causa, não chegue água da ribeira aos prédios...
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