Acórdão nº 656/03.2TBMTA.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, Sociedade de Advogados, intentou, no dia 26 de Março de 2003, no Tribunal Judicial da Comarca da Moita – 3º Juízo – acção declarativa de condenação, com processo ordinário – contra: BB, S.A.

Pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 39 603,03 (sendo € 36 661,65 relativos ao valor do veículo automóvel com a n°000000, € 500 concernentes a despesas com o seu reboque e € 2 442,38 relativos ao aluguer de duas viaturas de substituição), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação.

Alegou, em síntese, que, no dia 26 de Dezembro de 2002, junto à Praia do Rosário, freguesia do Rosário, Moita, ao executar uma manobra de inversão de sentido de marcha, o seu veículo n°0000000 ficou atolado em zona arenosa, nas proximidades do rio, onde acabou por ficar parcialmente submerso pelas águas, devido à subida da maré.

Em consequência desse “acidente de viação” a Autora ficou privada do veículo, então avaliado em € 36 661,65 e logo considerado não recuperável, teve de recorrer a veículos de substituição, com o que despendeu € 2 442,38 e suportou os custos com o reboque no valor de € 500, valores estes pelos quais a ré é responsável por virtude do contrato de seguro do ramo automóvel/opção VIP, titulado pela apólice n°0000000000, que garante este tipo de riscos.

A ré, em contestação, alegou que o sinistro não estava abrangido pelo contrato de seguro, sob o argumento de este não cobrir simples avarias do veículo e as que ocorreram não terem resultado de acidente de viação.

Logo no despacho saneador a ré foi absolvida do pedido, decisão que veio a ser anulada por acórdão, de 3 de Junho de 2004, deste Tribunal da Relação de Lisboa, que ordenou que os autos prosseguissem, devendo proceder-se à enunciação dos factos assentes e à elaboração da base instrutória (fls. 189).

Cumprido o ordenado, corridos os subsequentes termos processuais, foi proferida nova sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a ré Companhia de BB, S.A. do pedido.

Inconformada, apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 16.2.2002 – fls. 504 a 518 –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

De novo inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

  1. A Recorrente imputou à sentença proferida em primeira instância a nulidade, por falta de fundamentação, quando decide que “Dado o contexto e interpretação segundo o disposto no art. 236°, n°1 e 238º, n°1, do Código Civil e o contexto, a referida garantia de indemnização em consequência de causa súbita, fortuita e violenta, alheia à vontade do tomador, segurado ou condutor, dado o respectivo contexto, reporta-se aos casos em que o evento envolve um choque, uma colisão ou um capotamento”, é decidir sem fundamentar.

b) Porque a frase em si não é inteligível, impossibilitando que dele se perceba a ideia que aí se tenha pretendido expressar; E porque, dessa “frase”, não resulta qualquer argumento de ordem fáctico-jurídica (apenas se identificam regras relativas à interpretação dos contratos, sem se especificar em que termos foi feita a operação de subsunção, ou seja, sem se identificar, em concreto, qual o “contexto” do qual resulta que a referida cláusula (ou condição especial) se reporta “aos casos em que o evento envolve um choque, uma colisão ou um capotamento”).

Surpreendentemente, c) O Acórdão recorrido contorceu e distorceu a argumentação ventilada nas alegações de Recurso da ora Recorrente e confundindo a falta de fundamentação com a contradição entre os fundamentos e a decisão, veio concluir que o que a Recorrente imputou à sentença, foi este outro vício, e não aquele que ipsis literis resulta das alegações de recurso (como se as alíneas b) (falta de fundamentação] e c) [Contradição entre os fundamentos e a decisão], não fossem questões distintas, ambas, individualmente identificadas no art. 668°, n°1, Código de Processo Civil.

d) Com isso, o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, mas também, em nulidade, por omissão de pronúncia, ao não decidir a questão que lhe foi expressamente suscitada nas alegações do Recurso que [não] decidiu, nos termos do art. 668°, n°2, al. d).

Por outro lado, e) O Acórdão recorrido incorre também em erro de julgamento, no que respeita à nulidade, por violação do caso julgado, invocada nas alegações do Recurso interposto para o Tribunal da Relação, obnubilando olimpicamente a lição de Teixeira de Sousa, (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, 2ª Edição, p. 578), que com rara clareza de raciocínio, esclarece que “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.

Neste enquadramento, f) Como pode ser possível defender que não há ofensa do caso julgado, quando o Tribunal da Relação, em Acórdão anterior à prolação da Sentença, após analisar as clausulas da apólice e os factos em questão (que foram provados!) decidiu que “As inundações compreendem... ainda enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais”; razão pela qual, “Salvo melhor opinião, alguns dos danos sofridos pela Autora estarão ao abrigo do contrato que cobre danos próprios por choque e inundação.”; Ao passo que a Sentença proferida posteriormente ao Trânsito em julgado desse Acórdão, veio decidir que “Dado o texto das cláusulas contratuais relativas à cobertura e danos derivados de tempestades, inundações, transbordamentos de águas, fenómenos sísmicos e movimentos de terras, a conclusão também é no sentido de que as circunstâncias que foram causa da perda total do jeep da autora nelas se não enquadram”.

g) A sentença proferida em primeira instância, confirmada pelo Acórdão recorrido, ao decidir que “Dado o texto das cláusulas contratuais relativas à cobertura de danos derivados de tempestades, inundações, transbordamentos de águas, (...) a conclusão também é no sentido de que as circunstâncias que foram causa da perda total do jeep da autora nelas se não enquadram”, violou a força de caso julgado adquirida pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 03 de Junho de 2004, que revogou primeira decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo e em que se decidiu que «As inundações compreendem (...) transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais» e «alguns dos danos sofridos pela Autora estarão ao abrigo do contrato que cobre danos próprios por choque e inundação”, pelo que deverá ser declarada nula, por força do disposto no art. 675.° do Código de Processo Civil, com as legais consequências.

Por outro lado, h) A decisão da primeira instância, foi totalmente omissa relativamente à razão pela qual se conclui pela inaplicabilidade das condições especiais 104ª da apólice, fazendo uma bizarra equiparação do conceito “forças da natureza” à “causa violenta” sem expender um único fundamento “fáctico-jurídico”que permita compreender como deu tamanho salto no raciocínio, o que tudo inculca na nulidade sentença recorrida, por falta de especificação dos fundamentos jurídicos em que se sustenta, nos termos do art. 668°, n°1, al. b), do Código de Processo Civil.

E, i) Ainda no que respeita à inaplicabilidade das condições especiais 104ª, tendo o Tribunal reconhecido que o local do acidente era uma zona de inundação, e considerado que as inundações estão cobertas pelas condições especiais da Apólice, a decisão é nula, nesta parte, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art. 668°, n°1 al. c), do Código de Processo Civil.

E como a falta de fundamentação raramente deixa de resultar da falta de fundamento, j) As decisões proferidas pela primeira instância e pela Relação (a decisão recorrida) violam flagrantemente os artigos 236°, n°1, e 238°, n°1, do Código Civil, fazendo uma incompreensível restrição do campo de aplicação das condições especiais 104ª da apólice, que conforme foi decidido no Acórdão que a precedeu, é claramente aplicável ao caso dos autos, quer porque a subida da maré constitui uma manifestação das “força da natureza”, quer porque, na realidade, da cláusula 104.3.3.a), resultam até excluídos os danos causados pela subida da maré, mas por acção do mar, não decorrendo dessa exclusão os danos causados em zona de inundação pelas águas do rio.

k) Acresce que, o circunstancialismo do sinistro dos autos sempre se subsumiria a uma causa fortuita, nos termos previstos nas condições especiais 115ª-2, como aliás foi já decidido na primeira sentença proferida nos presentes autos.

l) Causa fortuita, é toda aquela que não puder ser imputada, num raciocínio de causalidade adequada e a título de culpa, a uma determinada acção humana, como é o caso de um sinistro que consistiu na submersão da viatura pelas águas do rio Tejo, na subida da maré, após ter ficado atolada no areal que ladeava a estrada, em que o condutor entrou, para inverter do sentido de marcha (e porque a estrada, no local onde se imobilizou o veículo, não possibilitava fazê-lo de outra forma) tendo a roda traseira esquerda ficado presa numa depressão lodosa existente no local, coberta pela areia e da qual aquele’ condutor (por oculta) não se poderia aperceber.

m) Constituindo igual — ou mais gritante ainda — violação do disposto no art. 236°, n°1 e 238°, n°1, do Código Civil restringir os conceitos de causa súbita, fortuita e violenta «(...) aos casos em que o evento envolve um choque, uma colisão ou um capotamento», quando é intuitivo que, um veículo automóvel não capota nem colide com coisa alguma, por causa súbita ou fortuita quando se encontre «imobilizado ou em curso de transporte», quando na referida cláusula se prevê que os próprios derivados a choque, colisão e capotamento, ficam expressamente abrangidos...

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