Acórdão nº 2745/09.0TDLSB-L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução12 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 2745/09.0TDLSB, da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido AA, natural da freguesia de Santo Contestável, concelho de Lisboa, nascido em 15 de Agosto de 1962, casado, empresário, residente na R… J… C…, n.º XXXX, XX.º A, Lisboa.

******* Foi-lhe imputada pelo Ministério Público a autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de treze crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro e, actualmente, pelos artigos 171.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1, doCódigo Penal, e um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 3, alínea b) e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, e, actualmente, pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea b) e 30.º, n.º 1, do Código Penal (qualificação jurídica alterada na audiência de julgamento para um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal).

******* Foi admitida a constituição como assistentes de BB e CC, na qualidade de legais representantes (pais) da menor DD.

Os assistentes, em representação da citada sua filha menor, deduziram acusação contra o arguido, imputando-lhe a autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo, de doze crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior à Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro e, actualmente pelos artigos 171.º, n.º 1 e 30.º, n.º 1, do Código Penal, e de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, e, actualmente pelos artigos 171.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1, do Código Penal e ainda de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos artigos 172.º, n.º 3, alínea b) e 30.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção anterior à Lei n. 59/2007 e, actualmente, pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea b) e 30.º, n.º 1, do Código Penal.

******* DD, conforme petição de fls. 262 a 270, deduziu, representada por seus pais, pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia indemnizatória de € 40.000,00 pelos danos não patrimoniais pela mesma sofridos.

******* Realizado o julgamento, de acordo com a acta de leitura de acórdão, de 25-05-2011, constante de fls. 645, foi proferido o seguinte despacho: “Produzida a prova e feita a subsunção jurídica dos factos entende o Tribunal Colectivo, diferentemente do que consta da acusação, que o arguido praticou um (1) crime de Abuso Sexual de Crianças, p. e p. pelo artº. 171.º, n.º 2 do C. Penal, o que se comunica nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 358.º nº s 1 e 3 do C.P.P.

”.

Mais consta da dita acta de leitura que “Em seguida, dada a palavra, sucessivamente ao Digno Procurador da República, e aos Distintos Advogados presentes, pelos mesmos foi dito, nada terem a opor nem a requerer”, tendo em seguida sido lido o acórdão que antecede tal acta.

******* Por acórdão do Colectivo da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, datado de 25 de Maio de 2011, constante de fls. 591 a 644, do 3.º volume, com declaração de depósito a condizer com a data marcada - fls. 647 - foi deliberado: I - Condenar o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e com regime de prova, impondo as seguintes condições: - o acompanhamento médico e psicológico, designadamente na consulta de sexologia do departamento de psicoterapia comportamental do Hospital Júlio de Matos, como vem indicado no relatório social, reforçando assim o seu apoio psicológico mensal; - proibir o contacto por qualquer forma, por si ou por interposta pessoa com a ofendida DD; - entregar no prazo de três meses, após o trânsito em julgado, a quantia de € 1.000,00 à Sociedade Portuguesa para o Estudo de Crianças Abusadas e Negligenciadas (SPECAN) e da quantia igualmente de € 1.000,00 para a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA).

II - Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, consequentemente, condenar o demandado/arguido a pagar à demandante DD, a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento.

******* Inconformados com o assim deliberado, numa tripla manifestação de divergência com a decisão, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido (conforme fls. 652 a 669), o Ministério Público (de fls. 670 a 715) e os assistentes (a fls. 721 a 755, e em original, de fls. 760 a 794).

******* Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 9.ª Secção, de 16 de Fevereiro de 2012, constante de fls. 882 a 939, foi deliberado o seguinte: «Negar provimento ao recurso do arguido; Dar provimento parcial ao recurso do M.º P.º; Dar provimento parcial ao recurso dos assistentes; Condenar o arguido como autor da prática de 13 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p., pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, por cada um dos crimes e, na pena unitária de seis anos de prisão; Revogar parcialmente a decisão da 1.ª instância, no que se refere à condenação do arguido - à qualificação jurídica dos factos; Manter a decisão quanto à parte da sentença cível, confirmando-se o ali decidido».

******* Face à deliberação do Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido veio, a fls. 945, interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, com a motivação constante de fls. 946 a 958, e rematando com as seguintes conclusões (em transcrição integral): 1º) O douto Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão sob recurso, alterou a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido/recorrente para treze crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art° 171°, n° 1 do Código Penal e, pela prática dos mesmos, condenou-o na pena única de seis anos de prisão; 2º) O recorrente havia sido condenado em 1.ª Instância pela prática um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art° 171°, n° 2, do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, com as condições de acompanhamento médico e psicológico, nomeadamente na consulta de sexologia do departamento de psicoterapia comportamental do Hospital Júlio de Matos, de proibição de contacto por qualquer forma, por si ou por interposta pessoa com a ofendida, de entrega da quantia de € 1.000,00 à SPECAN e de igual quantia à APSA; 3º) O presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça è admissível face à mencionada alteração da qualificação jurídica operada no Acórdão do douto Tribunal da Relação, a qual constitui uma decisão nova, alicerçada em qualificação jurídica diferente daquela que a 1.ª Instância entendeu como relevante para a decisão que havia tomado; 4º) Como tal, até por imperativos de natureza constitucional - art° 32° da Constituição da República Portuguesa - ao arguido não lhe pode ser negada a possibilidade de recorrer, sendo-lhe também possível fazê-lo, atendendo ao montante do pedido formulado, relativamente à parte cível da condenação; 5º) Os Venerandos Desembargadores do Tribunal “a quo” entenderam que, no caso, existiriam várias resoluções criminosas que se traduziram no facto de o arguido em dias, horas e locais diferentes ter accionado e renovado a sua vontade para praticar o crime sexual e repeti-lo; 6º) Foi afastada a possibilidade de se tratar de um crime continuado, uma vez que se entendeu que não existe uma diminuição da culpa no caso do abuso sexual de criança por actos que se sucedem no tempo, bem como, pelo facto do sucesso da primeira actuação e das seguintes não poder integrar a diminuição da culpa, agindo o agente determinado pela vontade de satisfazer os seus instintos libidinosos, para o que se aproveitou das situações mais favoráveis para esse efeito; 7º) Na decisão sob recurso, relativamente à questão do crime continuado, também se afasta tal tese, com base no disposto na Lei n° 40/2010, de 3 de Setembro, de que resultou o fim da figura do crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos actos seja a mesma pessoa; 8º) Tal alteração legislativa é posterior às datas da prática dos factos pelo arguido, pelo que, não pode ser atendida para fundamentar a existência de concurso efectivo de crimes; 9º) A factualidade assente não se subsume no concurso de crimes, pois que, os comportamentos do recorrente verificaram-se, sem excepções, em ocasiões festivas ou de convívio, tendo este sido movido por uma só intenção, repetindo as práticas sempre que surgiam oportunidades para tal; 10°) A determinação do número de intenções criminosas é questão do foro subjectivo, que se traduz em averiguar, à luz do critério legal e por via da análise dos factos provados passíveis de juízos de censura, se estes podem e devem ser considerados como fruto de uma só intenção estruturada ou se, pelo contrário, traduzem uma renovação da intenção e vontade de agir; 11°) No caso, a unidade de resolução criminosa é compatível com a pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global, havendo continuidade temporal entre os actos praticados; 12°) Além da demais prova que impõe tal entendimento, das declarações da própria ofendida pode retirar-se a existência de apenas uma resolução criminosa, designadamente quando esta refere que o recorrente “fazia isto todas as vezes que eu ia lá a casa dele e que ele também lá ia à minha “; 13°) Outras declarações da ofendida que, também, fundamentam a existência de apenas uma resolução criminosa, são aquelas em que se diz: “não sei quantas vezes, perdi a conta, sempre que estávamos juntos ele fazia isto”; 14°) Da matéria de facto provada, designadamente, a...

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