Acórdão nº 3729/04.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelBETTENCOURT DE FARIA
Data da Resolução27 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA, BB, CC intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Deutsche Bank (Portugal), S.A., pedindo que: a) se declare que a R. incumpriu os seus deveres pré-contratuais para com os AA., violando com culpa grave e com dolo, por acção e omissão, o princípio da boa fé, no âmbito da responsabilidade pré-contratual, e que dessa actuação culposa resultaram danos para os AA.; b) se condene a R. a pagar aos AA. a quantia de € 313.270,38, acrescida de juros de mora, desde a citação e até efectivo pagamento, sendo: - ao 1.° A., a quantia de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, e de € 64.447,69, a título de danos patrimoniais; - ao 2° A., a quantia de € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais, e de € 152.332.43, a título de danos patrimoniais; - ao 3.° A., a quantia de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, e de € 66.490,26, a título de danos patrimoniais.

Para tanto, alegam, em síntese, que: - estabeleceram contactos e desenvolveram relações negociais com a R., com vista à celebração de um contrato de agente financeiro, para promoção e comercialização de produtos bancários em seu nome e representação; - no desenvolvimento dessas relações negociais, que duraram cerca de um ano, os AA., agiram de boa fé, procedendo de acordo com as instruções e directrizes da R., na perspectiva e no pressuposto da realização do referido contrato; - para tanto, os AA. constituíram-se em sociedade, com o apoio e conhecimento da R. e orientaram as suas vidas pessoais e profissionais por forma a obterem a necessária disponibilidade para o projecto, suportando os custos da instalação do estabelecimento e outros e deixando de obter rendimentos do trabalho; - a R. criou junto dos AA. a convicção firme e inabalável da solidez e do adequada enquadramento na legislação bancária nacional, motivando os AA. a agir pela forma descrita; - as negociações referidas não conduziram à celebração do contrato, porquanto as alterações impostas unilateralmente pela R., ao fim de um ano de negociações e diligências, foram no sentido de produzir contrato diverso, sem o mínimo de correspondência naquela convicção formada pelos AA.. Concluem, sustentando que a R. violou o princípio da boa fé nos preliminares contratuais e, por isso, incorreu em responsabilidade pré-contratual, constituindo-se na obrigação de indemnizar os AA.

A R. contestou. Impugnou grande parte da factualidade alegada pelos AA., refutando qualquer comportamento susceptível de a fazer incorrer em responsabilidade pré-contratual, sendo certo que os custos alegadamente suportados pelos AA. durante as negociações foram assumidos por sua iniciativa, conta e risco e sem que tenham sido determinados por qualquer confiança suscitada pela R. Mais referiu que os lucros cessantes que resultariam da actividade da sociedade constituída pelos AA. correspondem ao interesse contratual positivo, não ressarcível, e em qualquer caso não estão sustentados em factos.

Os AA. replicaram, mantendo a posição já expressa em sede de petição inicial.

A R. ainda se pronunciou pela inadmissibilidade parcial da réplica, o que veio a ser reconhecido e declarado por despacho transitado em julgado.

O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que: julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenou a R. a pagar as seguintes quantias, a título de indemnização por responsabilidade pré-contratual: i. ao A. AA, a quantia de € 27.648,19 (vinte e sete mil seiscentos e quarenta e oito euros e dezanove cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos desde 08.06.2004 e até integral pagamento, às taxas legais que vigoraram e vierem a vigorar, absolvendo-a do mais peticionado; ii. ao A. BB, a quantia de € 118.259,44 (cento e dezoito mil duzentos e cinquenta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos desde 08.06.2004 e até integral pagamento, às taxas legais que vigoraram e vierem a vigorar, absolvendo-a do mais peticionado; iii. ao A. CC, a quantia de € 37.596,71 (trinta e sete mil quinhentos e noventa e seis euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos desde 08.06.2004 e até integral pagamento, às taxas legais que vigoraram e vierem a vigorar, absolvendo-a do mais peticionado.

Apelou a Ré, mas sem êxito Recorre novamente a R., a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: 1. Não foi o DBP que rompeu com as negociações com os Recorridos, antes foram estes que abandonaram o projecto e recusaram assinar o contrato.

2. A actuação do DBP em nada fere o disposto no artigo 227.° do Código Civil por não lhe ter sido exigível outro comportamento que não o de alertar para eventuais alterações legislativas e regulamentares por parte das entidades reguladores e com competências na matéria em causa o que veio, efectivamente, a acontecer.

3. Tendo em conta os factos provados, os Recorridos não aceitaram celebrar o contrato, pela única e exclusiva razão de que a sociedade não poderia integrar o projecto Promotores.

4. A intenção dos Recorridos de criar a sociedade foi bastante anterior a qualquer contacto com o DBP, pelo que tal intenção e expectativa de integração da sociedade no projecto, não decorreu de qualquer conduta do Recorrente.

5. Embora nunca tenha assegurada e garantida a celebração de contratos entre o Recorrente e sociedades, a verdade é veio a ser possível a celebração de contratos com sociedades, encontrando-se o projecto “Promotores Deutsche Bank” desde então implementando e compreendendo Promotores em nome individual e as respectivas sociedades.

6. Mesmo que se entendesse que a matéria a ser apreciada nestes autos devia ser extrapolada para além daquela que foi expressamente invocada pelos Recorridos para abandonarem o projecto e recusarem a assinatura do contrato com o Recorrente - o que não se concede - e, tal como fez o Tribunal a quo, a matéria dos autos fosse centrada na alegada “alteração substancial do conteúdo do contrato negociado”, sempre se refira que o Recorrente agiu de boa fé e, como tal, não pode recair sobre si qualquer obrigação de ressarcir os Recorridos por eventuais danos.

7. Os custos assumidos pelos Recorridos, foram-no por sua conta e risco, não sendo imputáveis a qualquer conduta do Recorrente, nem existindo qualquer nexo de causalidade entre a conduta do Recorrente e os eventuais danos.

8. Não consta dos autos que o Recorrido BB, ao pretender reformar-se e ao formular tal pretensão, já tivesse contactado directamente o ora Recorrente e que tenha sido o DBP a incentivar este Recorrido a tomar a decisão de reformar-se, pelo que inexistindo nexo de causalidade falece o direito a qualquer ressarcimento.

9. Não concedendo, sempre se saliente que o Tribunal a quo, a propósito do montante que o Recorrido BB teria auferido a mais enquanto funcionário do BCP não teve em consideração o valor da indemnização que este recebeu.

10. Os aborrecimentos, incómodos, receios e revoltas sofridas pelos Recorridos e subjectivamente sentidos por estes não podem ser considerados objectivamente danos não patrimoniais susceptíveis de ser ressarcidos e como tal não merecem a tutela do direito.

11. Admitir-se a condenação genérica no caso falta de produção de prova por parte de quem incumbe o ónus da prova seria atentatório dos mais fundamentais princípios do processo civil português.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II As instâncias deram por assentes os seguintes factos: A) No ano de 1999, o Deutsche Bank deu publicamente a conhecer, em Portugal, a sua intenção de criar uma rede sediada no país que promovesse e comercializasse os produtos bancários em nome e representação do, entretanto criado, Deutsche Bank (Portugal), SA.; B) Na Feira Internacional de Lisboa, que teve lugar em finais de Maio de 1999, foi feita divulgação de um folheto no qual consta enunciada a rede de Agentes Financeiros Deutsche Bank, da seguinte forma: “É um novo conceito bancário através do qual um conjunto de Empresários e Profissionais independentes actuam como representantes do banco na comercialização dos seus produtos e serviços financeiros. Deutsche Bank propõe-lhe serem “sócios”, oferecendo-lhe a possibilidade de realizar uma completa assistência aos seus clientes na venda de produtos e serviços financeiros e a garantia de primeiro grupo financeiro mundial. Os rendimentos desta actividade são compartilhados e significarão para si um lucro que variará em função do volume da sua própria carteira de clientes. O banco comprometer-se-á a facilitar-lhe todas as ferramentas necessárias com o objectivo que esta actividade não signifique um aumento de cargas administrativas e de controlo. O Deutsche Bank proporciona todo o suporte e tratamento administrativo dos produtos, como também toda a documentação necessária tanto para o agente como para o cliente final. E colocada à disposição do Agente Financeiro a documentação de formação completa, desenhada especificamente para esta rede, recebendo toda a informação necessária para a correcta assistência aos seus clientes sobre quaisquer dos nossos produtos e serviços (...).”.

O investimento necessário para ser Agente Financeiro seria: “(…) O decorrente dos meios necessários para exercer a actividade, ou seja, um espaço adequado, equipamento informático, mobiliário, etc... Um “Fee” de acesso para cobrir todos os fornecimentos que o Deutsche Bank prestará, tais como formação, software, placas e expositores, consumíveis com o logo, planos de incentivos e muito mais. Com um investimento relativamente pequeno o agente financeiro encontrar-se-á beneficiado de representar a imagem e o prestígio da marca. (...)” - Documento de fls. 166 a 168; C) Em 02 de Junho de 1999, na revista VISÃO, foi publicado um artigo no qual constam, para além do mais, afirmações prestadas pelo Sr. DD, Director da Divisão de Agentes Financeiros do DB em...

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