Acórdão nº 0745662 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Junho de 2008
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 11 de Junho de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Rec. n.º 5662-07 Vila do Conde.
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde foi decidido: a) Absolver o arguido, B.........., da prática de um crime de maus tratos a menor, previsto e punido pelo artigo 152°, n.º l, al. a) do Código Penal; b) Absolver o arguido, B.........., da prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelo artigo 172º, n.º 1, 177º, n.º 1, al. a) e 178°, n.º l, al. b), todos do Código Penal; b) Condenar o arguido, B.........., pela prática, em autoria material, de um crime de maus tratos a cônjuge, previsto e punido pelo artigo 152°, n.º l, al. a) e nº 2 do Código Penal, com a pena de 20 (vinte) meses de prisão; c) Suspender a execução da pena de vinte meses de prisão aplicada ao arguido pelo período de 3 anos.
Inconformados recorreram o Ministério Público a assistente e o arguido rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões: Ministério Público: 1 - Da prova produzida em audiência de julgamento resultam apurados os factos que permitem imputar ao arguido a prática de um crime de abuso sexual de crianças, na pessoa da menor C..........; 2 - Tais provas não foram consideradas pelo tribunal para, de acordo com as regras da experiência comum, dar como assentes os factos integradores de tal tipo legal de crime; 3 - Consubstanciam-se, essencialmente, tais provas no teor do relatório do exame pericial de psicologia forense de fls.203 que o tribunal não relevou na sua totalidade; 4 - Por outro lado, não foram tidos em consideração, na sua totalidade, os depoimentos de D.........., mãe da menor, de E.......... e F.........., avós maternos da menor, de G.........., da psicóloga H.......... e, sobretudo, da psicóloga que realizou a perícia forense, I.........; 5 - Efectuando uma análise conjugada, de acordo com as regras da experiência comum, do teor destes depoimentos, sustentados pelo relatório da supra referida perícia, conclui-se que os factos constantes da pronúncia que permitem imputar ao arguido a prática do crime de abuso sexual, estão provados; 6 - Ao não apreciar deste modo aqueles meios de prova e ao não dar como provado que - o arguido, em data não apurada mas situada no ano de 2002, antes de 21 de Outubro, começou a demonstrar uma especial apetência por desenvolver brincadeiras com a menor C.........., então com 2 anos de idade que envolviam um ritual de casamento; - e, na sequência, desse ritual de casamento o arguido, aproveitando os momentos em que estava sozinho com a ofendida despia-se à frente dela, exibindo-lhe o pénis erecto, satisfazendo, com esses actos, os seus desejos sexuais o tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento da matéria de facto dada como provada; 7 - O tribunal recorrido ao não condenar o arguido pelo crime de abuso sexual de criança violou o disposto nos artºs 127º e 163º nº1 e 2 ambos do Código de Processo Penal e o art.172º nº1, 177º, nº1, al. a) e 178º, nº1 al. b) todos do Código Penal.
Nestes termos, deverá o Acórdão recorrido ser, nos termos do art.º 431º al. a) do Código de Processo Penal, ser substituído por um outro que condene o arguido também pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado previsto e punido nos termos acima referidos.
Assistente: I - A questão colocada a julgamento quanto ao crime de abuso sexual de menor, é tão complexa e grave, apesar da simplicidade da douta acusação crime, dadas as relações familiares entre vitima e arguido e idade daquela, que uma sentença errada, constitui uma brutalidade, com nefastas consequências II - A absolvição do arguido pela pratica do crime de abuso sexual, na pessoa da menor C.........., terá consequências nefastas e brutais, pois aí teremos o arguido a proclamar a sua inocência e reclamar visitas e pernoitas com a menor C.........., indefesa apesar do tempo decorrido, pois neste momento tem apenas sete anos de idade.
III - Por todos esses motivos e mais os normais e elementares motivos de direito, a decisão final, impõe o maior rigor na apreciação da prova e formação da convicção do tribunal de acordo com as regras de experiência comum, por forma a que o arguido não se escape pelo meio das malhas da justiça.
IV - Sendo certo que na reponderação em Tribunal de Recurso da decisão sobre a matéria de facto, não dispõe o Tribunal de Recurso de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e a captação de prova, ao nível do que se pode perguntar, observar e depreender do depoimento da pessoa e das reacções do inquirido, face à fundamentação o que preponderou na apreciação dos depoimentos das testemunhas designadamente das referidas H.......... (cassete n.º 4 lado A, voltas 700 a 1400 e 1500 a 1570) e I.......... (cassete n.º 5 lado B, voltas 0000 a 1400), não foi algum elemento resultante dessa imediação - pois o tribunal deu como certo que a menor C.........., lhes narrou aquilo que as mesmas referiram ter narrado - mas sim o próprio conteúdo do relato das testemunhas, que está documentado e portanto nas mesmas ou melhores condições de ser reapreciado em segunda instancia do que o foi em primeira instância.
V - Não estando, face à fundamentação onde são aceites como verídicos os relatos das testemunha da acusação designadamente das referidas psicólogas, em causa quaisquer elementos resultantes da imediação, para a valoração da prova testemunhal mas apenas o conteúdo expresso dos depoimentos, está o tribunal de recurso, em condições de apreciar esse conteúdo.
VI - O argumento de que não tendo nenhuma das psicólogas (H.......... e I..........) afirmado peremptoriamente que a menor C.......... tenha dito que o arguido se despia à sua frente, impede de se dar como provado que o arguido, na sua residência, aproveitando-se do facto de se encontrar a sós, com a sua filha C.......... por um número indeterminado de vezes, despiu-se à frente dela e exibiu-lhe o pénis erecto ao mesmo tempo que tirava a fralda e cuecas da menor e a acariciava nos órgãos genitais, parece perfilhar a tese a nosso ver, incorrecta, de que em Direito Penal, não é permitido o recurso a presunções judiciais, ou seja que não pode o julgador afirmar factos desconhecidos a partir da afirmação de factos conhecidos, que conduzem de acordo com as regras da experiência comum à afirmação dos referidos factos desconhecidos.
VII - Nenhum relevo tem o facto de nenhuma das psicólogas não ter perguntado à menor se o pai se despia à frente delas (face à conversa de ver o pai a fazer festas no pénis enquanto estava na cama com ela, parece que a resposta seria obvia), com efeito aquando das entrevistas em que tais relatos ocorreram o processo de inquérito ainda estava no inicio, certamente não foi dada qualquer instrução pelo Ministério Publico ou pelo Tribunal de Família e Menores do Porto, às referidas psicólogas para que fosse feita essa pergunta, nem nos parece que tivesse relevo especial fazê-la.
VIII - São assim de singular importância e não foram convenientemente valorados os relatos da menor C.......... às psicólogas H......... e I.........., com efeito, atenta a idade da menor à data dessas entrevistas, o meio próprio de inquirição da menor ou obtenção de relatos da mesma indiciador de abusos quanto à sua pessoa, não seria certamente um interrogatório judicial, mas entrevistas por psicólogas ou exames por psicólogas como foram feitos.
IX - Merecem especial crédito os relatos da menor C.........., às referidas psicólogas, quer face a terem sido feitos perante alguém com habilitações especificas para ouvir crianças, quer face à matéria sobre os quais incide e idade e universo próprio de alguém que tem apenas três anos de idade acabados de fazer.
X - Não seria espectável que a menor guardasse durante mais quatro anos na sua memória, as referidas vivências de modo a relatá-las em tribunal, caso se entendesse haver condições para a ouvir como testemunha aos 7 anos de idade, ou mesmo perante a pedopsiquiatra, que lhe fez o exame requerido pelo arguido em fase de Julgamento.
XI - O argumento de que eventualmente a menor como estava desde 22 de Outubro de 2002 separada do pai, podendo por isso manifestar as coisas pelo lado materno, representa uma adesão pouco crítica à teoria da conspiração.
XII - Com efeito, se aquando das entrevistas com as referidas psicólogas, primeiro com a Dr.ª H.......... no âmbito da Comissão de Protecção de Menores, cerca de uma semana após a fuga e depois em Janeiro de 2003 (2 a 3 meses após a fuga) com a Dr.ª I.........., no âmbito do presente processo crime, a menor se encontrava privada do contacto com o pai, mais afastada do mesmo se encontrava, aquando do exame pedopsiquiátrico, com a Dr.ª J.........., feito em sede de Julgamento em 2006, altura em que já nada relatava por já tudo estar esquecido. No âmbito da teoria da conspiração, havendo a referida manipulação da menor, mais fácil seria à assistente, manter essa manipulação viva em 2006.
XIII - Essa conspiração teria ainda que ter a cumplicidade dos pais da assistente e da empregada G.......... ou então teria havido manipulação da menor ainda antes mesmo da separação.
XIV - Trata-se de manipulação a mais, ainda por cima, para se fosse esse o caso, um ignóbil fim de manter um pai, que por muito mau pai que seja, não representa um perigo para a saúde e integridade sexual de uma filha, afastado da filha, ainda por cima em tão tenra idade, por maior que fosse a vontade de vingança manifestada pela assistente, que em lado nenhum manifestou esse propósito. Não é credível que toda a gente em contacto com assistente embarcasse na referida manipulação ou aceitasse ser cúmplice da assistente em tão ignóbil plano.
XV - Mesmo admitindo a referida manipulação que só no campo das hipóteses absurdas e não da dúvida razoável podem ser colocadas, não se encontra explicação para todo o comportamento da assistente a familiares próximos no sentido de levarem a menor a esquecer estes episódios em lugar de lhos relembrar, ou criar ideia dos mesmos...
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