Acórdão nº 50/06.3GCCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Maio de 2008
Magistrado Responsável | JORGE RAPOSO |
Data da Resolução | 07 de Maio de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam – em conferência – na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO O arguido JV casado, desempregado, nascido a 02/06/1949, natural de Castelo Branco, filho de MS de MV, residente na …., foi julgado pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203° do Código Penal e, a final foi declarada verificada a inexistência de queixa por parte do respectivo titular - AM - e, consequentemente, a falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, sendo o arguido absolvido da instância.
Inconformado, a assistente ZCE interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1º. O ora recorrente celebrou com a AM um contrato e respectivas adendas, para a construção e exploração do AP; 2°. Com a celebração de tal contrato, a ora recorrente tomou posse das instalações e de todos os bens móveis inerentes à concessão; 3°. O que inclui todos os bens depositados no A e que aí devam permanecer até serem encaminhados para destino final adequado, mesmo que se demonstre que a efectiva proprietária dos bens é a AM; 4°. A recorrente era possuidora ou, se assim não se entender, detentora dos pneus e jantes que o arguido furtou do Aterro, devendo justificar á A qualquer facto que implique a deterioração ou desaparecimento dos referidos objectos; 5°. A recorrente apresentou a devida queixa no momento em que ocorreram os factos objecto dos presentes autos; 6°. A douta sentença concluiu que a referida queixa é inexistente, pois deveria ter sido apresentada pela proprietária dos bens, a AM, e não pela ora recorrente; 7°. Tal facto não corresponde, contudo, à verdade, pois a ora recorrente, apesar de não ser a proprietária dos bens em causa, era a possuidora ou detentora dos mesmos, com base no Contrato de Concessão assinado com a AM, o que lhe conferia a legitimidade necessária para apresentar queixa; 8°. E, consequentemente, conferia ao Ministério Público legitimidade para o exercício da acção penal; 9°. Deste modo, entende a ora recorrente que a queixa foi apresentada de forma tempestiva e legítima, motivo pelo qual deveria ter sido regularmente exercida a acção penal.
RAZÃO PELA QUAL, ATENTO O ATRÁS EXPOSTO I - Deverão Vossas Excelências julgar provado e procedente o presente recurso e, como tal, revogar a decisão da primeira instância, considerando legitimamente apresentada a queixa pela ora recorrente, e, consequentemente, legítimo o exercício da acção penal por parte do Ministério Público.
II - Deverão Vossas Excelências considerar os documentos n.ºs 1 e 2 ora juntos, para prova dos factos acima expostos.
Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos: 1 - Deve o recurso ser rejeitado por não obedecer aos requisitos do artigo 412º n° 2 do Código Processo Penal.
2 - Na verdade o recurso interposto ao versar matéria de direito, não indica nas suas conclusões as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, nem, em caso de erro, na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entendimento, deve ser aplicada. 3 - Os pneus e jantes que o arguido se apropriou eram propriedade da AM, a qual efectuou um contrato para reciclagem dos pneus com a sociedade VP, recebendo uma contrapartida financeira.
4 - Os pneus encontravam-se em local que havia sido concessionado pela AM à ZC empresa., a qual cobra um valor àquela pelo serviço que presta com o armazenamento.
5 - Assim, a empresa ZC é uma mera detentora sem ter disponibilidade material sobre os pneus e jantes.
6 - Pelo que, quem tem a disponibilidade de fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica e é o titular do interesse que a lei quis proteger com a incriminação é a AM.
7 - Pelo que é à AM que incumbe receber, registar e manter à sua guarda os pneus usados até serem transportados para o destino final.
8 - Não se verificando que do contrato de concessão, talvez, por isso, só agora junto aos autos, se confira qualquer legitimidade à concessionária ZC, para poder apresentar queixa.
9 - Não nos merece qualquer reparo a douta sentença proferida.
Também o arguido respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (art.s 417º nº 9, 418º e 419º, nºs 1, 2 e 3 al. c) do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8).
II – FUNDAMENTAÇÃO Questões a decidir É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).
No recurso em apreço não se verifica nenhum dos vícios a que alude o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal.
Suscitam-se, como questões prévias: A rejeição do recurso por desrespeito dos requisitos do art. 412º nº 2 do Código de Processo Penal, suscitada pelo Ministério Público nas suas contra-alegações; A admissibilidade da junção de documentos probatórios com as alegações de recurso, que se suscita oficiosamente.
E, como questão nuclear a decidir: A legitimidade da Recorrente para apresentar queixa.
Questões prévias - Rejeição do recurso por desrespeito dos requisitos do art. 412º nº 2 do Código de Processo Penal.
O Digno Magistrado do Ministério Público invoca que “deve o recurso ser rejeitado por não obedecer aos requisitos do artigo 412º n° 2 do Código Processo Penal”, concretizando que o Recorrente não indica nas suas conclusões as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no seu entendimento, “o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, nem, em caso de erro, na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entendimento, deve ser aplicada”.
Ora o acórdão do Tribunal Constitucional nº 320/02 de 9.7, no proc. 754/01, publicado no DR Iª série-A de 7.10.02, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do nº 2 do art. 412º, “interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas al.s a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência”.
Actualmente, com a redacção introduzida pela Lei 48/07 de 29.8, o dever de convite encontra consagração expressa no nº 3 do art. 416º do Código de Processo Penal: “se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art. 412º, o relator...
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