Acórdão nº 78/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelANSELMO LOPES
Data da Resolução07 de Abril de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Braga – 1º Juízo Criminal – Pº nº 6.038/07.0TBBRG ARGUIDO/RECORRENTE Manuel RECORRIDO O Ministério Público OBJECTO DO RECURSO No processo de impugnação judicial de contra-ordenação imposta pelo Exmº Senhor Governador Civil de Braga, foi proferida sentença que, julgando improcedente a impugnação, manteve a condenação do arguido como autor de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artºs. 21º, nº 1 e 23º, al. a) do Decreto-Regulamentar 22-A/98 de 1-10 e 138º e 146º, al. n) do Código da Estrada, no que respeita à sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 30 dias.

O arguido interpôs recurso desta sentença, suscitando-se a questão nuclear de se saber quais os efeitos do pagamento voluntário nas contra-ordenações estradais, defendendo o recorrente que, apesar de ter feito o pagamento, pode discutir a prática da infracção.

Acrescenta que, não tendo a decisão recorrida conhecido dos factos alegados no sentido de que não praticou a contra-ordenação, a mesma enferma da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. c) do CPP.

Invoca a violação das normas dos artºs. 18º, nº 2 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

*Entretanto, o arguido havia interposto recurso intercalar da decisão que no início da audiência de julgamento indeferiu a produção da prova por si arrolada.

Invoca neste recurso que tal decisão, além de importar nulidade insanável, viola os seus direitos de audiência e defesa – cf. artºs. 50º, 64º, nº 2 e 65º do RGCO e 32º da Constituição da República Portuguesa.

MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES São as seguintes as conclusões do recurso intercalar: 1 - A oposição manifestada pelo recorrente à decisão do recurso por simples despacho decorre do seu direito de audiência e de defesa, consagrado nos artigos 50º, 64º, nº 2 e 65º do RGCO e artigo 32º da C.R.P.

2 – Tendo a Meritíssima Juiz a quo decidido liminarmente, logo no início da audiência de julgamento sem conceder às partes (Ministério Público e recorrente) a possibilidade de debate dos factos e/ou do direito - a questão da admissibilidade do recurso, deu por cumprida a formalidade imposta pelo artigo 64º, nº 2, mas esvaziou de conteúdo e sentido a audiência de julgamento, incorrendo em flagrante violação daqueles direitos.

3 – Semelhante violação acarreta uma nulidade insanável, motivo pelo qual deve anular-se o despacho recorrido, ordenando-se em sua substituição, a realização da audiência de julgamento, com produção de toda a prova requerida e discussão jurídica dos factos alegados.

4 – O despacho recorrido violou, entre outras, as disposições legais dos artigos 50º, 64º e 65º do RGCO e artigo 32º da C.R.P.

No recurso final, o recorrente conclui assim: 1 – Ao omitir pronúncia sobe os factos concretos alegados pelo recorrente nos artigos 5º a 9º do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa, a sentença recorrida enferma da nulidade prevista nº artº 379º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal.

2 – Subjaz a essa omissão de pronúncia uma presunção judicial “juris et de jure””, consubstanciada no entendimento de que o pagamento voluntário da coima, atento o disposto no artº 172º, nº 5 do C.E., impede o infractor de, posteriormente, discutir a prática da contra-ordenação.

3 – Essa interpretação do artigo 172º, nº 5 do C.E. é manifestamente inconstitucional, dado violar o direito de defesa consagrado nos artigos 18º, nº 2 e 32º, nº 2 da C.R.P.

4 – Diversamente, a presunção judicial estabelecida no artº 175º, nº 4 do C.E., contrariamente à interpretação do Tribunal recorrido, é uma presunção elidível, conferindo ao infractor o direito de impugnar a contra-ordenação sem quaisquer restrições, mesmo tendo pago voluntariamente a coima.

5 – A decisão recorrida viola, entre outras, as disposições legais dos artigos 64º e 65º do RGCO, os artºs 172º e 175º do C.E. e os artºs 18º e 32º da C.R.P.

RESPOSTA O Ministério, na 1ª instância, defende o julgado, dizendo que no âmbito dos processos da natureza do dos autos ao arguido é garantida, apenas, a necessária audição e possibilidade de defesa.

PARECER Nesta instância, o Ilustre PGA também é de parecer de que o recurso não merece provimento, invocando diversa jurisprudência nesse sentido.

PODERES DE COGNIÇÃO O objecto do recurso é demarcado pelas conclusões da motivação – artº 412º do C.P.Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos do artº 410º, nº 2 do mesmo Código, do qual serão as citações sem referência expressa.

FUNDAMENTAÇÃO A decisão intercalar é do seguinte teor: Conforme resulta dos autos, o recorrente efectuou o pagamento voluntário da coima, pelo que, face ao disposto no artº 172º, nº 5 do Código da Estrada, não pode ser posta em causa a prática da contra-ordenação, podendo tão só ser discutida a possibilidade de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir.

Assim sendo, e tendo o arguido praticado uma contra-ordenação muito grave, não é admissível a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir, nos termos do artº 141º, nºs 1, 2 e 3 do Código da Estrada.

Acresce ter sido aplicada ao arguido o período de 30 dias, resultante da atenuação especial, pelo que não pode o Tribunal fixar período inferior ao que foi fixado ao arguido por decisão administrativa.

Pelo exposto, as questões suscitadas resumem-se a questões jurídicas a serem discutidas na sentença.

Finalmente, face ao exposto, afiguram-se-nos as diligências requeridas nos autos inúteis porque insusceptíveis de alterar a decisão administrativa, na parte em que o pretendiam e, consequentemente, indeferem-se tais diligências.

Por seu lado, na sentença, além de se julgarem improcedentes as nulidades arguidas, reitera-se que, tendo sido aplicada sanção pelo mínimo possível, nada havia a determinar.

+++Como se vê das decisões recorridas e das respectivas conclusões, a questão, toda ela, resume-se à discutida questão dos efeitos do pagamento voluntário das coimas por infracções estradais, no que respeita ao âmbito da defesa sobre a sanção acessória de inibição de conduzir, pois é certo que as invocadas nulidades têm como pressuposta a posição assumida nas decisões e, por isso, nem devem ser conhecidas.

Com efeito, ao conhecer sem audiência de discussão (audiência, afinal, houve) e, por consequência, ao não admitir as provas nem conhecer dos factos alegados, a Mmª Juíza mais não fez do que invocar o seu entendimento sobre a questão controvertida, de acordo com o qual, de facto, e atendendo a que já tinha sido aplicada sanção pelo mínimo possível, era inútil a realização da discussão da causa.

Sobre a questão em apreço, o ora relator vinha a entender (cf. Pº nº 1.159/07) que apesar do pagamento ocorrer voluntariamente, se podia discutir a existência da contra-ordenação quando for aplicada uma sanção acessória, atento o disposto no nº 4 do art.°175° do C. Estrada, que estabelece que o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável.

Argumentava que o pagamento voluntário determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que, mantendo-se o “arquivamento” quanto à coima, o processo prossegue restrito à aplicação da sanção acessória - artº 172º, nº 5 do Código da Estrada, ou seja, por outras palavras, o pagamento voluntário não fazia nascer qualquer presunção de comissão indiscutível da materialidade da infracção, mas antes, deixando tal questão arrumada sobre a coima, permitia discutir a infracção no que toca à gravidade da mesma, e quanto à sanção de inibição de conduzir, em toda a sua extensão, incluindo sobre a existência ou não da infracção.

Salientava, até, que no momento do pagamento (ou depósito) da coima, ainda nem sequer existe processo ou procedimento contra-ordenacional, pelo que aquele acto não podia ter reflexos na posterior instauração de processo para aplicação da medida acessória.

Mais dizia que o pagamento (ou depósito) nas situações em que à infracção é também aplicável sanção acessória, mais não é do que, por um lado, um modo de o Estado arrecadar imediatamente a respectiva receita e, por outro, o aproveitamento por parte do indiciado infractor do mínimo da coima aplicável, confiante que está em que lhe é lícito discutir a alegada infracção para efeitos de sanção acessória.

Que isto é assim no caso de depósito do montante (mínimo) da coima, parece que não suscitará dúvidas a ninguém e, se em caso de depósito não há “confissão” dos factos, não...

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