Acórdão nº 08S458 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução07 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, contra Empresa-A - Companhia Produtora de Conservas Alimentares, S. A. e contra Empresa-B - Comércio e Indústria de Produtos Alimentares, S. A., pedindo que os despedimentos de que foi alvo por parte de cada uma das rés fossem declarados ilícitos e que estas fossem condenadas a reintegrá-lo ao serviço, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, em alternativa, a pagar-lhe a correspondente indemnização da antiguidade, se ele por esta vier a optar, e a pagar-lhe, ainda, as retribuições vencidas e vincendas desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até à data da sentença e juros de mora

Em resumo, o autor alegou que entre ele e cada uma das rés existia um contrato de trabalho, que as rés fizeram ilicitamente cessar por despedimento com invocação de justa causa, resultando tal ilicitude da nulidade do processo disciplinar e da inexistência de justa causa invocada.

Na contestação conjunta, as rés invocaram a prescrição dos créditos peticionados pelo autor e sustentaram a licitude dos despedimentos.

No saneador, a M.

mª Juíza julgou improcedente a prescrição, seleccionou os factos admitidos por acordo e elaborou a base instrutória que foi objecto de desatendida reclamação por partes das rés.

Na sentença da 1.ª instância decidiu-se que o processos disciplinares instaurados ao autor não sofriam de nulidade e decidiu-se que os factos neles imputados ao autor não constituíam justa causa de despedimento, tendo as rés sido condenadas a pagar ao autor a indemnização de antiguidade, as retribuições vencidas desde o 30.º dia anterior ao da propositura da acção e os juros de mora, nos montantes e nos termos referidos naquela decisão.

As rés recorreram da sentença, mas o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso das rés.

Inconformadas, as rés interpuseram recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma:

  1. Atenta a factualidade assente sob as alíneas R) e S) e a relevância de se apurar se o recorrido continuou a receber das recorrentes o seu salário, deveria a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia ter sido declarada procedente.

  2. Por outro lado, dada a factualidade dada como provada, nomeadamente as respostas dadas aos quesitos 7.º, 8.º, 9.º e 12.º e dada a qualidade de trabalhador do ora recorrido face às recorrentes, deveria ter sido reconhecido que se mantinham os deveres de obediência e os demais deveres decorrentes do contrato de trabalho

  3. O facto de o contrato de trabalho se encontrar suspenso não implicava, de modo nenhum, que tal suspensão se mantivesse enquanto a qualidade de administrador do recorrido se mantivesse registada na Conservatória do Registo Comercial.

  4. Dito por outras palavras, tal circunstância jamais poderia legitimar o recorrido a desobedecer à sua entidade patronal da forma ostensiva em que o fez

  5. Ademais, quando é certo, que o recorrido sabia, pelo menos desde de Dezembro - tinha que o saber antes, dada a sua qualidade de administrador - que as empresas do Grupo Empresa-D, em Moçambique, se encontravam sem actividade

  6. A simples circunstância da sua qualidade de administrador se encontrar registada até 2 de Abril de 2002, jamais lhe poderia permitir não acatar as ordens das suas entidades patronais e, na tese do acórdão recorrido, manter-se, mesmo sem actividade, a receber os salários que lhe eram pagos

  7. A suspensão do contrato de trabalho, como refere, e bem, o Prof. Menezes Cordeiro, apenas afecta as prestações principais (trabalho e retribuição), deixando intactos os deveres acessórios, com relevo para a boa fé e lealdade

  8. E durante tal suspensão, atentos os contornos do caso sujeito, não podiam deixar de ser imputadas ao trabalhador faltas injustificadas.

  9. As empresas em que o trabalhador fora administrador estavam inactivas: o registo comercial, que não é oponível inter partes, não chega para justificar a suspensão, que cessou

  10. Ao não comparecer, o trabalhador incorreu em faltas injustificadas, justa causa de despedimento

  11. Mais grave: o trabalhador, convocado pelos seus superiores hierárquicos, que conhecia e reconhecia como tais, recusou-se a comparecer na empresa.

  12. Com isso, incorreu na violação do dever de obediência, numa área não suspensa por, de todo o modo, não estar em causa o trabalho efectivo.

  13. Além disso, o trabalhador quebrou a comunicação com a empresa, durante vários dias, sem qualquer impedimento: com isso violou gravemente o seu dever de lealdade.

  14. A atitude do trabalhador que, mesmo quando eventualmente em suspensão do contrato, recusa, sem qualquer impedimento, o contacto com a empresa, depois de devidamente convocado, quebra, em definitivo, a confiança que deve existir nas relações de trabalho, particularmente no nível dirigente.

  15. A continuação da relação de trabalho torna-se inexigível, à entidade empregadora, nestas circunstâncias: há justa causa de despedimento.

  16. Devia, assim, a 3.ª questão elencada no acórdão recorrido, ter sido decidida no sentido de ser reconhecido que se verificava justa causa para despedimento do recorrido, mau grado a suspensão do contrato que se verificara, até porque as recorrentes, no âmbito do seu poder directivo, lhe ordenaram que se apresentasse em Lisboa, dada a já referida inactividade das empresas em Moçambique; R) Impondo-se, por isso, a revogação do douto acórdão recorrido, por violação, entre outros, dos art. 668°, n.º 1, al. d), do Cód. Proc. Civil, art.

9.º e 12.º do Decreto-Lei 64-A/89.

O autor não contra-alegou e, neste Supremo Tribunal, a Ex.

mº Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso, em parecer a que as rés responderam.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

  1. Os factos Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância e com base nos quais o recurso terá de ser apreciado, são os seguintes: Factos assentes: 1. O autor foi admitido ao serviço de Empresa-C, S.A., em 1.04.96, para trabalhar, por tempo indeterminado, sob as suas ordens, direcção e fiscalização.

  2. Em 1.12.98, foi celebrado, entre a referida Empresa-C, a 1.ª ré e o autor, um contrato de cessão da posição contratual, de que foi junto cópia a fls. 22 a 24, nos termos do qual a 1.ª ré assumiu a posição de empregadora do autor.

  3. No contrato antes referido é expressamente reconhecida ao autor a categoria de Director e "a antiguidade que detinha na relação laboral anterior, isto é, 1/04/96".

  4. O autor foi admitido ao serviço da 2.ª ré - então chamada ... - em 1.04.96, para trabalhar, por tempo indeterminado, sob as suas ordens, direcção e fiscalização.

  5. Com data de 8 de Janeiro de 2002, foram enviadas ao autor duas Notas de Culpa, uma pela 1.ª ré e outra pela 2.ª ré, subscritas pelas respectivas administrações, de que foram juntas cópias a fls. 37 a 44 e 45 a 52, respectivamente, cujo teor se dá por devidamente reproduzido.

  6. Essas Notas de Culpa foram acompanhadas de cartas em que é manifestada por ambas as rés a intenção de despedirem o autor.

  7. O autor respondeu àquelas Notas de Culpa através dos documentos de que juntou cópia a fls. 53 a 57 e 58 a 62, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

  8. Os processos disciplinares iniciados com as Notas de Culpa referidas em 5. concluíram ambos pela aplicação ao autor da sanção de despedimento, invocando justa causa, nos termos dos documentos juntos por cópia a fls. 63 a 68 e 69 a 74.

  9. Com data de 11 de Outubro de 2001, foi enviada ao autor uma carta da Empresa-D, S.A., de que foi junta cópia a fls. 75 a 77, cujo teor se dá por devidamente reproduzido, e que visou recapitular - do ponto de vista da remetente - um processo de negociação com vista à desvinculação do autor das empresas do grupo Empresa-D.

  10. O autor não aceitou as condições propostas e, com data de 8 de Novembro de 2001, recebeu a carta da Empresa-D, S.A., de que foi junta cópia a fls. 78, com o seguinte teor: Como é do seu conhecimento, encontramo-nos, desde Fevereiro p.pº., em liquidação dos activos detidos em Moçambique, investimentos esses que resultaram em insucesso, e a que esteve ligado na qualidade de responsável local pelos mesmos.

    Como sabe, foi concretizada a venda da .../...., a Empresa-D - DISTRIBUIDORA MOÇAMBIQUE está em processo final de liquidação e já foi efectuada a transferência da maioria do capital que detínhamos na SAP, pelo valor que conhece, para si e investidores por si indicados e/ou representados, conforme havia sido acordado no âmbito da cessação da sua relação contratual com o Grupo Empresa-D.

    Assim deixa de se justificar a sua presença em Moçambique, tal como se esgotou a possibilidade de continuar ligado às empresas Empresa-A e Empresa-B (empresas a que formalmente está ligado no âmbito do Grupo), uma vez que cessou o seu Posto de Trabalho - a gestão ao 1.º nível dos investimentos em Moçambique cessou definitivamente.

    Portanto, e uma vez que as tentativas para pormos termo, amigavelmente, à sua relação laboral, se esgotaram sem sucesso, iremos proceder à extinção do seu posto de trabalho com todas as consequências legais daí decorrentes.

    Deste modo, deverá apresentar-se em Lisboa, até 10 de Dezembro de 2001, nas nossas instalações de Algés, a fim de contactar com o Sr. Eng.º BB, que o informará dos demais detalhes concernentes à sua situação, a não ser que entenda reponderar...

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