Acórdão nº 174/08 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução11 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 174/2008

Processo n.º 714/07

Plenário

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

  1. intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Banco B., S.A.”, em que pediu, além do mais, que sejam julgadas inconstitucionais e nulas as normas constantes do ACTV para o sector bancário que estabeleceram o quantitativo de reforma do Autor, por violação dos direitos, liberdades e garantias, direitos e deveres sociais garantidos nos artigos 63.º e 64.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e no artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, com a consequente condenação da Ré a pagar e a integrar na mensalidade de reforma as prestações mensais e periódicas de isenção de horário de trabalho, de cartão de crédito para utilização pessoal, senhas de gasolina, pagamento de telefone e telemóvel, prémio de produtividade e mérito e o carro de serviço para uso pessoal, incluindo todas as despesas inerentes ao uso que o Autor auferia à data da cessação do contrato de trabalho.

Na primeira instância a acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré de todos os pedidos.

Apelou o Autor para o Tribunal da Relação, o qual viria a confirmar a decisão recorrida.

Igualmente inconformado com esta última decisão, o Autor veio pedir a sua revista, tendo a mesma sido totalmente negada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 6-6-2007.

É desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça que o Autor interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, no âmbito da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, tendo por objecto a interpretação concretamente adoptada pelo referido tribunal superior na aplicação das normas constantes das cláusulas 136.ª a 144.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (versão publicada no BTE 31/1992), bem como aquela que foi adoptada na aplicação da norma constante do artigo 863.º do Código Civil.

No respectivo requerimento de interposição de recurso, o Recorrente concretizou as interpretações normativas que pretende ver sindicadas em sede de constitucionalidade nos seguintes termos:

Em primeiro lugar, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que ora se recorre por inconstitucionalidade, foi considerado que o facto do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (ACTV) consagrar que, para efeitos de atribuição de pensão de reforma, apenas são levados em consideração os valores correspondentes à retribuição base e diuturnidades, olvidando assim os restantes valores recebidos a título de retribuição pelo ora Recorrente, enquanto no activo, não viola nem a Constituição nem o previsto na Lei de Bases da Segurança Social, que determina que, para efeitos de reforma, devem ser atendidos os rendimentos realmente auferidos pelo trabalhador.

Ora, o Recorrente entende que esta interpretação é incorrecta, porquanto o ACTV, no seu capítulo XI, fere a Constituição, nomeadamente quanto ao artigo 63º, nº 4, assim como viola a Lei de Bases da Segurança Social.

(…)

Por outro lado, ainda, foi considerado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que ora se recorre por inconstitucionalidade, que os créditos reclamados na presente acção judicial se encontravam remitidos pela quitação incluída no acordo.

(…)

Será sempre, inconstitucional, por violação dos artigos 59º, 3º, e 1º e 4º do art. 63º da Constituição, a interpretação que determina que sendo a mesma entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma (discricionária quanto ao momento e montante), o trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação laboral, a créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma, sendo obviamente nulo e de nenhum efeito o acordo em contrário.

(…)

Em relação às normas que se consideram inconstitucionais, as mesmas dizem respeito à forma de cálculo da reforma pelo que se restringem as cláusulas 136º a 144º do ACTV, porquanto a efectivação do direito à Segurança Social, prevista no art. 63º da Constituição, não pode ser objecto de contratação colectiva.

O recorrente fundamentou o seu recurso nas seguintes alegações:

“1) Em primeiro lugar, nem se diga que esta matéria (estas cláusulas do ACT não têm dignidade de normas para o Tribunal Constitucional vir a conhecer da sua natureza jurídica e da inconstitucionalidade destas normas por violação do art.º 63º da CRP), como alguma corrente jurisprudencial hoje firmada nesse mais alto Tribunal tem afirmado.

2) Todavia, discorda-se desta corrente quando não conhece dos recursos interpostos com esse fundamento sem atender na realidade à verdadeira natureza desta problemática.

3) Porquanto, não nos restam quaisquer dúvidas que as normas referentes a segurança social constantes do ACT para o Sector Bancário são normas de carácter híbrido, público-privado, por serem, concomitantemente, normas de regulação de relações laborais cuja vigência se funda, apenas, em omissão de desenvolvimento de preceito constitucional por parte do legislador.

4) Normas de concretização de um direito subjectivo público, radicado na Constituição, caracterizado como direito fundamental, exigível perante o Estado ou, neste caso, perante quem o substitui na vinculação à prestação.

5) De conteúdo concretizável através não só da Lei de Bases da Segurança Social mas também da Constituição mediante normas directamente aplicáveis por definição do conteúdo mínimo do direito.

6) No que toca à vertente pública deste regime especial, temos, antes de mais, que o campo da segurança social existe por imperativos de ordem pública, algo que o Estado, na Constituição, assume como imprescindível para a sociedade e que, por si, pretende assegurar – veja-se parecer elaborado pelo Professor Doutor Jorge Miranda.

7) Como consequência, temos que o direito à segurança social, previsto ao nível constitucional e de lei de bases, é um direito que está fora do comércio jurídico, não podendo ser alvo de regulação privada.

8) O que também implica que as normas que definem o conteúdo do direito são normas imperativas, inderrogáveis, e cujo standard mínimo que estabelecem não pode ser preterido.

9) Isto é, deve existir, obrigatoriamente, um standard mínimo – um regime público mínimo –, que abranja todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores bancários, como muito bem refere o Exmo. Senhor Professor Dr. Freitas do Amaral no seu parecer, que se encontra junto aos autos, “É indiscutível, por isso, que aos trabalhadores abrangidos pelo ACT para o Sector Bancário não pode ser negado o direito à segurança social consagrado no art. 63º da Constituição. “Todos têm direito à segurança social”, diz esse artigo. Ora, “todos” são todos: não são todos menos os bancários.”

10) É evidente que podem existir regimes especiais, a que alude a lei, mas são complementares do regime obrigatório, que, por ser isso mesmo (obrigatório), não permite que existam particulares afastados da sua concretização que, como tal, não beneficiem do direito à segurança social.

11) Pois, a aplicação dos regimes complementares pressupõe a satisfação do direito fundamental.

12) Veja-se o parecer do Prof. Doutor Jorge Miranda no seu brilhante parecer, que se encontra junto aos autos, nomeadamente nas suas conclusões pág. 57.

13) Por outro lado, a interpretação defendida pela Jurisprudência dominante deste Tribunal, nomeadamente no Acórdão 172/93, afirma que: “…a lei regulamenta a eficácia específica das convenções colectivas impondo a sua obrigatoriedade unicamente quanto àqueles que devem considerar-se representados pela entidades que as subscrevem, à luz dos princípios do direito do trabalho. As organizações profissionais que as celebram não têm poderes de autoridade mas apenas poderes de representação, isto é de defesa e de promoção da defesa dos direitos e interesses dos respectivos filiados (cfr. Artigo 56º, n.º 1, da Constituição). E, assim, o clausulado que elas incorporam não contém normas, entendidas como padrões de conduta emitidos por entidades investidas em poderes de autoridade.”

14) Ora, não se pode aceitar tal interpretação!

15) As cláusulas do ACTV para o sector bancário, nomeadamente as clªs. 136ª a 144ª, que regulam a matéria respeitante à segurança social, são normas, na verdadeira acepção da palavra e nos termos do disposto no art. 280º da CRP, porquanto as mesmas resultam e decorrem de normas transitórias das Leis de Bases da Segurança Social.

16) Nessa medida, existe uma similitude entre as normas transitórias Leis de Bases da Segurança Social e as portarias de extensão emanadas ao abrigo do jus imperium e que estabelecem e impõem um regime especial para os trabalhadores bancários, regime este constante das cláusulas 136ª a 144ª do referido ACTV.

17) Pelo que, as cláusulas do ACTV, objecto do presente recurso, são normas impostas por entidade investidas em poderes de autoridade, ou seja, através das Leis de Bases da Segurança Social.

18) Assim sendo, e conforme decorre da interpretação deste Tribunal quanto às portarias de extensão, as Cláusulas 136ª a 144ª do ACTV para o sector bancário são normas emanadas do imperium estadual porquanto decorrem das Leis de Bases da Segurança Social, através das normas transitórias.

19) Contrariamente ao decidido por este Tribunal, estas cláusulas, objecto de fiscalização constitucional, não são provenientes da autonomia privada!

20) São provenientes de poderes públicos – Lei de Bases da Segurança Social – que estabeleceu e impôs um regime especial transitório relativamente aos trabalhadores bancários, enquanto os mesmos não fossem integrados no regime geral da segurança social.

21) Regime especial e transitório que perdura há várias décadas!

22) Além disso, veja-se a tese defendida na declaração de voto do Cons. José de Sousa e Brito aposta no Acórdão nº 172/93, transcrita na declaração de voto do Cons. Mário Torres...

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