Acórdão nº 08B742 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução22 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Na comarca de Vieira do Minho, AA, BB e CC, todos G...A..., intentaram a presente acção declarativa ordinária contra: A Companhia de Seguros F... M... SA.

Invocaram, pormenorizadamente, o acidente de viação, cuja eclosão imputaram ao condutor do veículo, segurado na ré, onde seguia, como passageiro, o pai deles, autores, e, bem assim, o falecimento deste em consequência dos ferimentos que sofreu.

Pediram, em conformidade, a condenação desta a pagar-lhes 110.000,00€, acrescidos de juros legais desde a citação.

Contestou a seguradora.

Na parte que agora importa, confessou a existência do seguro obrigatório, mas sustentou não abranger os danos invocados, porquanto o falecido era o dono do veículo onde circulava e tinha sido ele quem contratara tal seguro que, assim, só abrangia danos causados a terceiros.

A folhas 95, foi ordenada a notificação do Instituto da Segurança Social que veio reclamar o pagamento de € 1.066,00 que pagou de despesas de funeral.

Contestou a ré este pedido, argumentando também com a não abrangência do seguro e invocando a prescrição.

II - A acção prosseguiu a sua normal tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença.

Condenou-se a ré a pagar aos autores € 90.000, correspondentes a € 50.000 pela perda do direito à vida, € 10.000 pelo sofrimento da vítima entre o facto danoso e a morte e € 10.000 a cada autor pelo sofrimento derivado da perda do pai, sendo o montante global acrescido de juros e, bem assim, a pagar ao ISS a quantia de € 1.066 também acrescida de juros.

III - Apelou a F..., mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação improcedente.

IV - Ainda inconformada, pede revista a seguradora. Requereu mesmo que se procedesse a julgamento alargado da revista, tendo este requerimento sido indeferido pelo Ex.mo Presidente deste tribunal.

V - Conclui as alegações do seguinte modo: 1 . A responsabilidade civil é um elemento estruturante do nosso ordenamento jurídico; e a responsabilidade civil extracontratual consiste na obrigação de indemnizar dano alheio (de outrem) a que o lesante tenha dado causa (cf. Artigo 483.°,1, do CCivil; Antunes Varela, obra cit.); com efeito, a responsabilidade civil pressupõe dois sujeitos -o lesante (devedor da indemnização) e o lesado (credor da indemnização); 2 . O artigo 131.º do Cod. Da Estrada e o artigo 1.º do DL 522/85, de 31/12, referem-se ao mesmo tipo de responsabilidade civil. O artigo 1.º obriga a segurar a sua responsabilidade para com terceiros, decorrentes da circulação de veículo a motor de circulação terrestre pelo qual ele seja responsável; o seguro automóvel tem natureza pessoal, ou seja a seguradora "garante" aquela responsabilidade civil que poderia ser exigida ao segurado em virtude da circulação do veículo mencionado na apólice (pagará no lugar e em vez dele); 3 . Foi essa a responsabilidade civil (do segurado para com terceiros) que a ré/recorrente garantiu (cit. artigo 1.º) através do contrato de seguro referido nos autos; mais nenhuma; 4 . A interpretação contrária do douto acórdão recorrido desvirtua a natureza jurídica do seguro automóvel de responsabilidade civil, ao alargar ao tomador do seguro a garantia assumida, como se de um seguro de acidentes pessoais se tratasse em relação a ele; 5 . As Directivas do Conselho relativas ao seguro automóvel pensam este na base do instituto de responsabilidade civil para com terceiros e em nenhuma delas se obriga a estender ao próprio segurado, quando ocupante do seu veículo, a garantia assumida pela seguradora em relação a terceiros; 6 . Padece de inconstitucionalidade a interpretação jurisprudencial que, violando os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (obrigação de indemnizar dano alheio) e o princípio da autonomia da vontade das partes (quanto à extensão da garantia assumida contratualmente pela seguradora) obriga esta a indemnizar o próprio segurado, como se de seguro de acidentes pessoais se tratasse; 7 . No sentido contrário ao perfilhado pelo douto acórdão recorrido, invoca-se o acórdão transitado deste Supremo Tribunal de 14 de Dezembro de 2004, proferido no Proc. n.º 3902/04-1, em que foram recorrentes DD e outro e recorrida a ora recorrente (vindo do Tribunal da comarca de Santo Tirso), não publicado (ao que se saiba), de que foi junta cópia aos autos com o requerimento de prova da ora recorrente, em que num caso perfeitamente semelhante e no domínio da mesma legislação, se decidiu exactamente o contrário do decidido no douto acórdão recorrido (como se salienta na primeira parte da Alegação da ora recorrente para a Relação); 8 . No mesmo sentido do douto acórdão recorrido, decidiu o acórdão deste Supremo de 16.01.2007, invocada em nota de rodapé a fls. 194, com relevante voto de vencido - a justificar o julgamento alargado para fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 732°-A do CPCivil, o que se requer; 9 . Impõe-se, pois, a revogação douto acórdão recorrido e a absolvição da ré/recorrente do pedido formulado, por o mesmo violar as disposições dos artigos 131° do Cod. da Estrada, o artigo 1.º do DL 522/85, de 31/12, o artigo 483.º n.º1, e o artigo 405.º n.º1, do Cod. Civil Assim não acontecendo, 10 . Deve reduzir-se para não mais de 35.000€ a indemnização pelo dano da morte, para não mais de 5.000 € a indemnização pelo dano moral próprio de cada demandante, e para não mais de 750 € a indemnização pelos padecimentos do infeliz AA nos momentos fugazes que precederam a sua morte (nos termos do artigo 566.º n.º 3, do CCivil); 11 . Deve considerar-se prescrito o direito ao reembolso formulado pelo ISS, ao abrigo do preceituado no artigo 498.º, n.º1, do CCivil, não se lhe aplicando o prazo do n.º 2 do artigo 498.º.

12 . Disposições que o douto acórdão recorrido violou.

Pelo exposto e pelo muito que doutamente será suprido, deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se o douto acórdão recorrido, absolvendo-se a ré/recorrente do pedido. Assim não acontecendo, deve reduzir-se para não mais de 35.000€ a indemnização pelo dano da morte, para não mais de 5.000€ a indemnização...

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