Acórdão nº 08B626 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2008
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 22 de Abril de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I O Estado Português intentou, no dia 23 de Janeiro de 1997, contra AA-Construções de Habitações, Ldª, BB - Engenharia e Construções, Ldª e Companhia de Seguros CC SA, a que sucedeu a Companhia de Seguros CC, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de 4 195 386$ referentes a trabalhos de limpeza e da reparação da cobertura do edifício, 13 972 374$ referentes a materiais e serviços relativos ao escoramento do edifício, 5 733 000$ relativos ao projecto de empreitada de reforço das fundações, 5 557 500$, concernentes ao projecto de recuperação do edifício, 1 792 440$ relativos ao custo do estudo geológico/geotécnico, 482 887 338$ correspondentes ao custo da recuperação global do edifício e para reparação dos danos nele causados, 193 815 248$ para fundações e 218 908 973$ para a sua recuperação na parte acima do solo, mais o imposto sobre o valor acrescentado de 32 948 592$ e 37 214 525$, 2 029 738$ relativos a trabalhos a mais, referentes à empreitada de restauro das fundações, 2 272 725$ referentes a erros e omissões relativos ao restauro, 4 711 854$ relativos a trabalhos a mais referentes ao reforço das fundações do edifício, 2 281 500$ concernentes a trabalhos de acessoria à fiscalização e assistência técnica pagos, 1 123 200$ por trabalhos de acessoria à fiscalização técnica pagos, 2 246 400$ relativos a trabalhos de assistência técnica pagos, 35 738$ referentes a despesas com fotocópias, 678 600$ relativos a despesas com a mudança de mobiliário, 9 437 172$ concernentes a rendas pagas da casa de residência do capitão do porto, o que se liquidasse em execução de sentença com o acréscimo das despesas com a recuperação da parte externa do edifício, com o arrendamento da habitação para o capitão do porto e outros gastos a realizar relacionados com os danos no edifício na parte acima do solo e com a sua recuperação, juros de mora desde a citação e as actualizações dos montantes supra indicados em consequência da desvalorização do valor da moeda que, após a citação das rés, se verificasse.
E, a título subsidiário, para a hipótese de as rés não serem condenadas no pagamento das indemnizações correspondentes à reparação dos danos no edifício e a recuperação se fazer com o aproveitamento possível de todos os elementos que, presentemente, o integram, acima do solo, pediu a sua condenação no pagamento das correspondentes indemnizações que vierem a liquidar-se na acção ou em execução de sentença.
Fundou a sua pretensão, por um lado, na circunstância de AA, Ldª ter levado a efeito a construção de um edifício novo onde estavam dois antigos, terem as escavações e a construção das fundações sido efectuadas pela ré BB, SA, terem as obras provocado danos graves no seu edifício, incluindo as fundações, e levado à sua progressiva e acelerada degradação e ruína.
E, por outro, que isso o obrigou a mudar a residência do Capitão do Porto de Aveiro, com dispêndio em rendas e transportes de mobílias, a suportar custos com a realização de obras no edifício, incluindo ao nível das fundações, com os inerentes estudos e projectos, e na realização de outras despesas necessárias.
Finalmente, invocou dois contratos de seguro, um celebrado entre AA, Ldª e a Companhia de Seguros DD, SA, e o outro entre BB, SA e a Companhia de Seguros Fidelidade, SA.
AA, Ldª, em contestação, afirmou ter o autor empolado o valor dos alegados danos, que o edifício em causa já estava em degradação por desleixo de manutenção, e requereu a intervenção da Companhia de Seguros DD, SA, com fundamento em ter celebrado com ela um contrato de seguro, a qual foi admitida a intervir do lado passivo, a título principal acessório, mas não apresentou articulado.
BB, SA aderiu à contestação da AA, Ldª e referiu ter executado as obras segundo o projecto e as técnicas mais adequadas, e CC SA referiu a ruína do edifício do autor por desleixo de manutenção e que os danos foram causados pela influência das marés no canal da Ria.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 8 de Janeiro de 2007, por via da qual a acção foi julgada parcialmente procedente e condenadas solidariamente as rés no pagamento ao autor de € 274 195,37, BB, SA até ao limite da franquia do contrato de seguro e a Companhia de Seguros CC, SA até ao limite dessa franquia, e juros à taxas sucessivas de 10%, 7% e 4%, a partir de 28 de Janeiro de 1997, da qual o Estado Português, BB, SA e a CC SA apelaram.
O Estado Português invocou, no recurso, a culpa de BB, SA na produção dos danos e o seu direito à indemnização em conformidade com o pedido que formulara, e a última invocou que não agira com culpa.
CC, SA secundou BB, SA quanto à não verificação da culpa desta e alegou discordar da exclusão da responsabilidade de AA, Ldª quando aos danos provocados pela demolição dos imóveis e a imputação exclusiva àquela empreiteira da responsabilidade pelos prejuízos, à condenação no pagamento de € 69 693,31 relativos ao escoramento do edifício, no montante das rendas e despesas com a mudança de residência do Capitão do Porto e quanto ao período de cálculo dos juros moratórios.
O Estado Português, na resposta, pronunciou-se sobre as questões colocadas pelas recorrentes BB, SA e CC, SA.
A Relação, por acórdão proferido no dia 18 de Julho de 2007, julgou procedentes os recursos interpostos por BB, SA e CC, SA últimas e parcialmente procedente o recurso interposto pelo Estado Português, e condenou AA, Ldª a pagar-lhe € 1 269 501 e uma quantia com o limite de € 1 280 934,36 a título de indemnização pelos danos causados na estrutura do edifício acima do solo, e pelas rendas vencidas respeitantes à casa do capitão do porto à razão do duodécimo mensal sucessivamente em vigor, a partir de 8 de Janeiro de 2002, até ao fim do arrendamento, em conformidade com o que for liquidado, e juros de mora à taxa considerada na sentença.
Interpôs o Estado Português recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a natureza das obras de escavação e fundações do edifício e do terreno de implantação tornavam previsível e altamente provável que a movimentação das máquinas e a retirada de terras das fundações provocassem trepidações susceptíveis de o danificar; - tais circunstâncias implicavam uma previsibilidade e um perigo de danos no seu edifício muito superior às actividades normais, pelo que a execução de tais obras de escavação e fundações era uma actividade perigosa pela sua própria natureza; - a retirada de terras correspondentes às fundações provocou danos que foram a causa de movimentos do solo de implantação do seu edifício, destabilizando-o e provocando-lhe danos que foram causa directa e necessária da degradação acentuada e do estado de ruína geral em menos de seis meses; - a realização das fundações implicou o uso de equipamentos pesados, produtores de fortes trepidações, tais como os utilizados para proceder à ancoragem da parede de contenção lateral e para a colocação de estacas de fundação, trabalhando por vezes próximo das fundações do seu edifício; - dadas as características lodosas do terreno e a proximidade em que essas máquinas trabalhavam relativamente ao seu edifício, era previsível e altamente provável que as fortes trepidações resultantes do uso desses equipamentos se propagassem ao mesmo; - a execução das fundações era, por isso, uma actividade perigosa, também em função dos meios utilizados; - verificaram-se danos resultantes da trepidação das máquinas utilizadas nas escavações, nomeadamente na fase de execução das ancoragens da parede de contenção lateral, altura em que o edifício parecia que estremecia e se abriram fendas, caindo parte de um tecto; - dada a natureza perigosa da actividade de execução das fundações do edifício, é de presumir a culpa da empreiteira, nos termos do artigo 493º, nº 2, do Código Civil, cabendo-lhe provar ter tomado as providências exigidas para prevenir o dano; - a empreiteira não tomou as providências necessárias para evitar os danos e violou regras técnicas, porque não procedeu à prévia consolidação das fundações e da própria estrutura do edifício ou ao seu escoramento; - o escoramento dos edifícios limítrofes ao da obra em execução é uma medida técnica imposta pelas boas práticas da construção civil e pelos artigos 128º e 138º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas; - a prévia consolidação dos alicerces e do edifício do recorrente poderia minimizar ou evitar os danos causados pela construção do prédio; - a empreiteira violou o artigo 135º Regulamento Geral das Edificações Urbanas, porque durante a execução das obras não adoptou as precauções e disposições necessárias para evitar danos materiais no edifício afecto a instalação de serviços públicos; - a empreiteira violou regras técnicas ao não proceder à selagem das ancoragens da parede de contenção lateral em estratos com capacidade para assegurar a estabilidade da mesma, sendo que a sua selagem em estratos com melhores características resistentes poderia minimizar os efeitos e danos no edifício; - a empreiteira utilizou máquinas pesadas próximo das fundações do edifício que produziram forte trepidação, nomeadamente por debaixo do desta, não tendo procedido, como podia e devia, ao controlo dessas vibrações na origem ou dos seus efeitos no seu edifício, apesar de os responsáveis da obra terem sido alertados para os danos que estavam a verificar-se no edifício; - a empreiteira, para além de ter violado normas legais e técnicas, podia ter tomado, e não tomou, as providências necessárias e adequadas a evitar ou minimizar os danos que causou no edifício do recorrente, pelo que agiu com culpa; - o acórdão recorrido, ao considerar que a empreiteira agiu sem culpa, violou o disposto no artigo 483º, nº 1, do Código Civil, e ao absolvê-la e à seguradora, violou os artigos 562º, nº 1, 564º e 566º, nº 2, do Código Civil, privando o recorrente de obter delas a justa indemnização; - os danos estruturais causados no edifício em consequência das obras...
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