Acórdão nº 56/07.5TBFAG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Abril de 2008
Magistrado Responsável | ARLINDO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 08 de Abril de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A EDP Distribuição, Energia, S.A.
, intentou contra João Paulo Viçoso a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do D.L. n.º 269/98, de 1 de Setembro, vinda de injunção, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 4.440,41 €, acrescida de 62,23 € a título de juros de mora, à taxa de 4%, desde 22 de Agosto de 2006 até 31 de Janeiro de 2007, alegando, em síntese, que o Réu deixou de cumprir a sua obrigação de pagamento de uma factura referente a fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão normal prestado pela autora.
O Réu deduziu oposição, invocando que a factura em causa não diz respeito apenas aos últimos seis meses imediatamente anteriores, mas sim a consumos desde o início da actividade, pedindo a absolvição do pedido com base na procedência da excepção peremptória de prescrição extintiva, nos termos do art.º 10.º n.º1 da Lei 23/96 de 26 de Julho.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, após o que foi proferida a sentença de fl.s 83 a 91, na qual se procedeu ao saneamento dos autos, se fixou a matéria de facto dada como provada e respectiva motivação, se aplicou o direito e se decidiu pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do réu do pedido, com o fundamento em se ter considerado procedente a alegada excepção de prescrição, sendo as custas da acção a cargo da Autora.
Inconformada com tal decisão, interpôs recurso a autora, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 100), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1. A recorrente EDP celebrou com o recorrido um contrato de fornecimento de energia eléctrica em “baixa tensão”, datado de 24 de Junho de 2004 (fl.s 44 dos autos).
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A obrigação assumida pela recorrente no âmbito do contrato em apreço traduz-se numa prestação duradoura de execução continuada.
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A EDP forneceu energia eléctrica ao recorrido João Paulo Viçoso, serviços estes correctamente discriminados e devidamente quantificados através da factura n.º 10241937339 de 07 de Março de 2006 (fl.s 12 dos autos).
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Nela se incluem, por exclusiva responsabilidade do recorrido, acertos de facturação relativos a consumos de anos anteriores (2.º semestre de 2004 e 2005), porquanto o contador do recorrido foi deixado inacessível aos serviços de leitura da recorrente mais de ano e meio (cfr. sentença recorrida a fl.s 86).
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Destarte, salvo o devido respeito, o tribunal a quo, face à prova produzida em julgamento, considerou incorrectamente Não Provado o facto de os técnicos contadores da EDP se deslocarem ao local de consumo do recorrido para procederem à leitura do contador e de o terem encontrado sempre fechado (fl.s 85 da sentença recorrida).
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Existe uma clara e manifesta contradição entre a prova produzida em sede de julgamento e a matéria de facto dada como provada (cfr. pontos 2 e 3 dos factos não provados constantes da decisão recorrida).
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Sem prejuízo do exposto, não decorreu o prazo a que alude o n.º 1 do artigo 10.º da Lei 23/96 entre o momento da entrega da energia eléctrica e a interpelação do recorrido para pagar o respectivo preço, porquanto a recorrida, muito embora, por estimativa, mensalmente facturou e enviou ao recorrido as respectivas interpelações para pagamento.
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A citada Lei refere expressamente no n.º 1 do artigo 10.º que “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a prestação” e não diz que o preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses.
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Igualmente não decorreu o prazo a que alude a al. g) do artigo 310.º do Código Civil, entre o momento da prestação do serviço e a citação da recorrida para a acção.
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Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo, violou, por não interpretação devida das normas aplicáveis, a al. g) do artigo 310.º do Código Civil, o artigo 334.º do Código Civil e o artigo 10.º da Lei 23/96.
Termina, pedindo a revogação da decisão recorrida e, consequentemente, a sua substituição por acórdão que condene o recorrido no pedido.
Com tais alegações, juntou a recorrente o Parecer, junto de fl.s 111 a 143, subscrito pelos Ex.mos Sr.s Professores-Doutores da FDUC, Rui de Alarcão e Joaquim de Sousa Ribeiro, no qual se defende, em resumo, que: - o prazo de prescrição de 6 meses, fixado no n.º 1 do artigo 10.º da Lei 23/96, se refere à faculdade de interpelação do devedor para pagamento, através da apresentação da correspondente factura; - prazo que começa a contar no dia imediato ao termo do período da prestação a que a factura respeita; - o prazo para a exigência judicial do pagamento do preço é o previsto no artigo 310.º do Código Civil; - é sempre havido como período da prestação o período constante da factura, não sendo de entrar em conta, no caso da factura com valores reais, que ela incorpora acertos de prestações anteriores facturadas por estimativa; - não é de aplicar à factura por estimativa o disposto no n.º 2 do citado artigo 10.º, dado que as eventuais diferenças de preço entre o consumo estimado e o efectivo não se devem a erro do prestador do serviço; - a factura por estimativa tem validade idêntica à resultante de “leitura real”, para o efeito de impedir a prescrição, tal como a tem para efeitos de liquidação do preço e de interpelação para o seu pagamento; - atribuindo apenas eficácia impeditiva da prescrição à factura com valores reais de consumo, releva averiguar se a não efectivação da recolha destes valores é imputável à falta de cooperação do utente. Se assim for, pode dar-se a suspensão do prazo prescricional, no caso de haver dolo (art.º 321.º, n.º 2 do Código Civil), ou, pelo menos, tornar-se ilegítima a invocação da prescrição, por abuso do direito ou por violação do princípio da boa fé.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes: A. Se existe clara e manifesta contradição entre a prova produzida em julgamento e a matéria de facto dada como não provada (cfr. Pontos 2 e 3 dos factos não provados constantes da decisão recorrida); B. Qual o prazo de prescrição a considerar no caso em apreço e desde quando se inicia a sua contagem e; C. Se a conduta do recorrido, ao invocar a prescrição do crédito dos autos...
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