Acórdão nº 417/06.7TMMTS-C.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA CECÍLIA AGANTE
Data da Resolução15 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Agravo 417/06.7TMMTS-C.P1 Inventário 417/06.7TMMTS, Tribunal de Família e de Menores de Matosinhos Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Nos presentes autos de inventário para partilha de meações subsequente a divórcio em que são requerente B…, cabeça-de-casal, e requerido C…, veio este último apresentar reclamação à relação de bens, alegando a falta de relacionação de bens móveis (dentre os quais dois veículos automóveis), de um imóvel e das rendas recebidas pelo seu arrendamento, de passivo à D…, e a relacionação indevida das verbas 3 e 4.

Respondeu a cabeça-de-casal com a alegação de que o imóvel é seu bem próprio, pago integralmente com dinheiro de sua exclusiva pertença, proveniente da venda de um bem próprio. Por isso, também as rendas constituem bem próprio. Igualmente os dois veículos automóveis foram adquiridos com dinheiro próprio e vendidos, na constância do casamento, com consentimento do requerido, para amortização de um empréstimo concedido ao casal. Defendeu a manutenção da relacionação das dívidas arroladas sob as verbas 3 e 4.

Relacionou ainda bens móveis e uma dívida do casal a seus pais.

Ambos pediram reciprocamente a sua condenação como litigantes de má fé.

Produzida prova, documental e testemunhal, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “

  1. Devem ser relacionados todos os bens móveis referidos na reclamação como n.º3 a 58 à excepção do ferro de engomar por nenhuma prova ter sido feita relativamente a ele.

    Quanto aos valores e porque a cabeça-de-casal não indicou outros, por ora, serão relacionados pelos valores indicados pelo reclamante, sem prejuízo de caber à conferência de interessados, na altura própria a deliberação final a tal respeito.

  2. deve a cabeça-de-casal indicar nos autos os valores pelos quais procedeu á venda dos veículos automóveis supra id.

  3. Declaro como bem próprio da cabeça-de-casal o imóvel adquirido através da escritura pública celebrada em 14 de Novembro de 1997, pelo que não deve ser relacionado (assim como as eventuais rendas).

  4. Deve manter-se a verba relacionada como n.º 4 (por não ter sido efectuada qualquer prova de que tenha sido já partilhada).

  5. Relativamente ao passivo, caberá á conferência de interessados, oportunamente, tomar posição.

    Não se verifica que qualquer das partes tenha tido actuação processual qualificável como de má fé.

    Custas por ambos, em partes iguais.”.

    Inconformado recorreu C…, alegando, em síntese: 1. Não se conforma com a decisão que considerou como bem próprio da cabeça-de-casal o imóvel sito Rua …, n.º …, r/ch. esq., em …, Matosinhos, o produto das rendas desse imóvel, a manutenção da verba n.º 4, relativa ao reembolso de IRS.

    1. É pertinente o facto de o mesmo ter sido adquirido na pendência do casamento, ainda que a respectiva escritura pública tenha sido outorgada apenas por ela.

    2. O disposto no artigo 1723º, c), do Código Civil tem de ser articulado com o princípio do ónus da prova.

    3. A agravada juntou aos autos o contrato-promessa de 24-07-1996 sem juntar comprovativo da liquidação e pagamento do Imposto de Selo.

    4. Todas as declarações que juntou para prova de ter pago fraccionadamente o preço foram por si impugnadas e a agravada veio requerer prazo não inferior a 60 dias para solicitar às instituições de crédito os cheques dessas liquidações, o que nunca veio a suceder.

    5. Colocou em crise a prova que lhe competia fazer, dado ter de afastar a presunção da alínea c) daquele artigo 1723º do Código Civil.

    6. Os legais representantes da sociedade vendedora não compareceram em tribunal.

    7. A prova carreada não foi suficientemente sustentada para se dizer que aquele imóvel é um bem próprio.

    8. Também impugnou os documentos juntos relativos ao contrato-promessa de 31-10-1996, que também não foi instruído com a liquidação do Imposto de Selo, e a cabeça-de-casal não fez qualquer prova que leve a concluir pela veracidade desses documentos.

    9. O problema colocado é de ónus da prova, permitindo à agravada provar, através de outros meios probatórios, os factos integradores da alegada sub-rogação indirecta de bens.

    10. Prova que não logrou alcançar, ficando por provar que o produto da anterior venda foi canalizado para a aquisição daquele imóvel.

    11. O facto de vender um bem de valor semelhante àquele que comprou não significa que haja uma afectação forçosa e necessária do produto da venda daquele.

    12. Deveria o tribunal a quo ter qualificado o imóvel como bem comum.

    13. A manutenção da relacionação da verba relativa ao reembolso de IRS, juntou extracto da D… do qual resultam os movimentos de determinadas quantias bem como os apontamentos pessoais no sentido de quantificar o montante de cada um. Documento que não foi impugnado pela agravada. Verba que deveria ter sido excluída.

      Contra-alegou a agravada do seguinte modo: 1. O imóvel foi integralmente pago com o produto da venda de um bem próprio, em data anterior à celebração do casamento.

    14. São bens próprios os adquiridos na constância do matrimónio em virtude de direito próprio anterior (artigo 1722º, 1, do Código Civil).

    15. Conservam a qualidade de bens próprios os adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência seja mencionada em documento de aquisição ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.

    16. Apesar de na escritura não estar exarada essa declaração, o tribunal deu por provado que o imóvel foi pago antes da celebração do casamento com o produto da venda de um bem próprio da agravada.

    17. Quanto à verba de reembolso de IRS, como foi retida indevidamente pelo agravante, é de manter a sua relacionação.

      1. Delimitação do objecto do recurso O âmbito do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 684º e 690º do Código de Processo Civil[1]). Assim, cumpre decidir: - a natureza de bem próprio ou comum do imóvel adquirido pela cabeça-de-casal na constância do casamento e das correspectivas rendas; - e se é de manter a relacionação da quantia relativa ao reembolso de IRS.

      2. Fundamentação 1.

      Impugnação da decisão de facto O agravante impugna a decisão de facto da primeira instância, desde logo, aduzindo, na sua alegação, que “… a prova carreada e produzida pela agravada não foi suficientemente sustentada para se poder dizer com convicção que aquele imóvel se reporta a um seu bem próprio, dada a sua aquisição com recurso a quantias próprias da mesma”. O tribunal a quo deu por demonstrado: “- A ora cabeça-de-casal procedeu à venda do apartamento que detinha na Maia com o objectivo de, com o produto de tal venda, proceder à aquisição do imóvel a que se refere o contrato-promessa de 24 de Julho de 1996.

      - O produto da venda do apartamento que detinha na Maia foi canalizado pela cabeça-de-casal para aquisição do imóvel a que se refere o contrato-promessa de 24 de Julho de 1996.” Factualidade que levou o tribunal a ajuizar que o bem em causa foi adquirido com dinheiro próprio da cabeça-de-casal, proveniente da venda de um imóvel de sua propriedade exclusiva e, por isso, tem natureza de bem próprio, não relacionável nem sujeito à partilha. Daí que aquela posição do agravante só possa ser reconduzida à impugnação da decisão de facto. Contudo, como ressalta das actas, foi produzida prova testemunhal que não foi sujeita a registo através de meios magnetofónicos ou outros (fls. 322 a 323, 332, 333 e 349 – ínsitas à certidão pedida por este Tribunal da Relação). Também telefonicamente, por meio da relatora, solicitou este Tribunal à escrivã da secção de processos tais elementos, caso existissem, a fim de poder ser reapreciada a prova testemunhal produzida. Confirmado que não houve registo da prova testemunhal produzida, vejamos se estão reunidas as condições necessárias à reapreciação da matéria de facto ora impugnada pelo agravante.

      O segundo grau de jurisdição em matéria de facto pressupõe: - estar documentada toda a prova que serviu de base à decisão ou ter sido impugnada decisão baseada em prova gravada; - se, no processo, houver prova irrefutável em sentido diverso; se o recorrente apresentar documento novo superveniente que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (artigo 712º, 1, do Código de Processo Civil). Inaplicáveis estas duas últimas condições e não havendo prova gravada, vejamos se está documentada toda a prova que serviu de base à decisão.

      A motivação da decisão de facto expõe que “[A] convicção do tribunal fundamentou-se na análise dos documentos juntos aos autos e nos depoimentos das testemunhas: E… … F… … G… … H… … I… …”. E concretizou que, “relativamente à aquisição do bem imóvel em discussão”, se ateve aos depoimentos das testemunhas E… e F…, irmão e mãe...

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