Acórdão nº 218/2001.C3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução15 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA e esposa, BB, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC e esposa, DD, e EE e esposa, FF, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a demolirem, a expensas suas, as obras efectuadas nas partes comuns do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, localizado na Rua …, nº …, em Ourém, e a reporem o mesmo, no estado em que antes se encontrava, invocando, para tanto, que adquiriram, no dia 18 de Fevereiro de 1985, e habitarem a fracção … daquele prédio, constituído por seis fracções autónomas, identificadas de … a …, que tem, em toda a parte frontal, ao nível do 2º andar, um terraço que serve de cobertura à parte correspondente do 1º andar, sendo certo que os réus CC e cônjuge, que adquiriram a fracção …, no dia 3 de Agosto de 1987, e EE e cônjuge, que adquiriram a fracção …, no dia 7 de Outubro de 1999, procederam à abertura, nas respectivas fracções, de uma porta para o terraço, fecharam a porta que lhe dava acesso pelas escadas interiores do prédio, impedindo, assim, os restantes condóminos de lhe aceder, tendo ainda efectuado uma cobertura no terraço, vedando parte dele, em sistema de marquise, de modo a deixar de haver claridade, no interior do prédio, que antes entrava pelo envidraçado do terraço, sendo agora necessário, para circular pelas escadas comuns, usar a luz eléctrica, tanto de noite como de dia.

Na contestação, os réus EE e cônjuge alegam que não fizeram quaisquer obras na sua fracção, mas antes que as mesmas foram realizadas pelo anterior proprietário e construtor do prédio, GG, tendo consistido apenas na cobertura da varanda, sendo certo que, na escritura de constituição da propriedade horizontal, consta que a sua fracção é constituída por uma varanda, não se encontrando nela qualquer referência ao terraço, e que o espaço físico indicado pelos autores não é um terraço de cobertura, mas um terraço intermédio, que não se incluiu nas partes comuns do edifício.

Em sede reconvencional, a que imprimiram carácter subsidiário, os réus EE e cônjuge pedem a declaração de aquisição, por usucapião, do espaço físico que os autores designam por terraço, alegando, para o efeito, que, por si e seus antecessores, GG e cônjuge, HH, estão na posse daquele espaço, por forma exclusiva, em nome próprio, sem oposição, nem interrupção, à vista de toda a gente, e de boa fé.

Por seu turno, os réus CC e cônjuge, na sua contestação, alegam, em síntese, que, no prédio, nunca existiu qualquer terraço, mas que, há 17 ou 18 anos, em virtude de os autores reclamarem, junto do construtor GG, a existência de infiltrações de água pela varanda superior à sua fracção, tapou a mesma com uma estrutura de madeira e cobertura em telha, e, continuando a acontecer as infiltrações, procederam a obras de resguardo do parapeito da varanda, com a tipologia de marquise, que foram licenciadas pela Câmara Municipal, em 1995.

Em reconvenção, estes réus CC e cônjuge pediram a condenação dos autores a reconhecer que são os únicos donos e legítimos possuidores da fracção E, com todos os seus pertences, incluindo a varanda e/ou espaço que aqueles designam por terraço, com fundamento no facto de possuírem aquele espaço, em nome próprio, à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição e de boa fé, tendo-o adquirido por usucapião.

Foi admitido, a requerimento dos autores, a intervenção principal provocada passiva de GG e cônjuge, HH, que ofereceram articulado próprio de contestação.

A sentença absolveu os chamados do pedido e os autores dos pedidos reconvencionais, mas condenou os primitivos réus, CC e cônjuge, DD, e EE e cônjuge, FF, a expensas suas e, no prazo de 90 dias, contado do trânsito em julgado desta sentença, a procederem à demolição das marquises que se encontram implantadas no terraço de cobertura, contíguo às fracções E e F), a que correspondem os segundo andar direito e segundo andar esquerdo, respectivamente, do prédio urbano, sito na Rua …, nº …, em Ourém, e a taparem as aberturas que fizeram, em cada uma das suas fracções E e F, desde o respectivo interior para os terraços de cobertura, por forma a que, onde agora existem portas, passem a existir janelas, tal como ilustrado na planta junta aos autos a folhas 25.

Desta sentença, os réus CC e esposa interpuseram recurso de apelação, que foi julgado deserto, relativamente aos réus EE e esposa, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente aquele recurso de apelação dos réus CC e esposa, DD, e, consequentemente, revogou a sentença impugnada, na parte em que absolveu os autores AA e esposa, BB, do pedido reconvencional por eles deduzido, absolvendo, porém, estes últimos da instância reconvencional, mantendo, quanto ao mais, a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Coimbra, os mesmos réus CC e esposa, DD, interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: 1ª - Da escritura de constituição de propriedade horizontal de 29/11/1983 resulta que a fracção "E", corresponde ao segundo andar direito é composta por duas assoalhadas, cozinha, casa de banho corredor e varanda, com o valor relativo de 13,50% do valor total do prédio.

2ª - O que prevalece é o consta do título constitutivo de propriedade horizontal, uma vez que o mesmo tem eficácia real, erga omnes.

3ª - Contra este entendimento, não se invoque o disposto no n° 3 do art. 1418 do Código Civil, porque tal normativo não existia à data da constituição da propriedade horizontal dos autos.

  1. - No caso concreto, a escritura de constituição de propriedade horizontal, preenche os requisitos legais do artigo 1418 do CC vigente à data, não podendo ser considerada nula com base numa norma cuja entrada em vigor ocorreu em momento posterior.

  2. - Por outro lado, os projectos de arquitectura foram, apreciados pela Câmara Municipal de Ourém, à luz das regras do direito do urbanismo e do ordenamento do território e não, de acordo com as normas aplicáveis às relações jurídicas entre particulares.

  3. - Não podendo ser convocados para sustentar qualquer decisão nos presentes autos.

  4. - Com efeito, naquela altura era irrelevante a afectação das coisas assinalada no projecto de arquitectura.

  5. - Aliás, a manter-se o acórdão perguntar-se-á então, onde se situa a varanda que os recorrentes adquiriram e que consta dos títulos.

  6. - Mais, na decisão em recurso afirma-se que uma varanda é "a obra saliente do paramento exterior a fachada ao nível de portas ou janelas que estabelecem a comunicação com o interior dotada de guarda, grade ou balaustrada".

  7. - Dos documentos n°s 1 e 2 que se juntam, e do projecto do alçado lateral esquerdo, constata-se que, o espaço em causa tem de ser qualificado como varanda.

  8. - Trata-se de uma obra, com uma parte saliente à fachada do prédio com grades de protecção, tendo a mesma comunicação através de uma janela da fracção "E".

  9. - E, contra este entendimento, não se diga que o acesso ao referido espaço era assegurado por duas portas situadas no topo das escadas interiores do edifício que dão acesso a todas as fracções autónomas.

  10. - Esta argumentação é falaciosa, uma vez que num prédio com vários andares, todas as entradas para as fracções autónomas se fazem, habitualmente, pelas escadas interiores, 14ª - Sendo certo que em nenhuma das disposições legais que regulam a propriedade horizontal se proíbe a possibilidade de uma fracção autónoma ser dotada de duas portas distintas.

  11. - Assim, sendo a varanda é parte integrante da fracção autónoma dos recorrentes, aplica-se o preceituado no artigo 1422° do CC.

  12. - A construção da marquise foi efectuada pelos RR no ano de 1995.

  13. - Assim, aplica-se o n° 2 do artigo 1422° do Código Civil, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 267/94 de 25 de Agosto, onde apenas se prevê que é especialmente vedado aos condóminos prejudicar, com obras, a linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício.

  14. - As obras efectuadas pelos recorrentes não colidem com este preceito legal. Senão vejamos: 19ª - Na verdade, o único espaço com características idênticas à varanda dos RR é, precisamente, a varanda dos co-Réus, que também foi fechada em marquise.

  15. - Sendo que, as construções foram efectuadas, para prevenir as humidades e condensações nos andares inferiores do prédio, no topo do edifício e apresentam-se enquadradas de forma harmoniosa na fachada do edifício.

  16. - Por conseguinte, nunca se poderá afirmar que prejudicaram os proprietários das demais fracções.

  17. - Acresce que, no n° 3 daquela norma prevê-se ainda que "as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada pela maioria representativa de dois terços do valor total do prédio".

  18. - À data da realização das mesmas os recorrentes eram proprietários das fracções "A" e "E" do prédio e os proprietários das fracções "B" e "F" consentiram na sua realização.

  19. - O valor total do prédio que estas quatro fracções representam cifra-se em 63,50%.

  20. - A este valor terá de acrescer a percentagem de 18,25% da fracção "C" do prédio, 26ª - Pois em 01/01/1999 o proprietário desta fracção anuiu e confirmou a obra (ratificação tácita) efectuada pelos recorrentes.

  21. - Pelo exposto, conclui-se que o local onde os recorrentes efectuaram as obras deve ser qualificado como fazendo parte integrante da sua fracção autónoma e que tais obras foram efectuadas com a aprovação de dois terços do valor total do prédio, pelo que, inexiste qualquer ilegalidade que possa sustentar a sua demolição.

  22. - Sem prescindir, sempre se dirá que, sendo o título constitutivo de propriedade horizontal parcialmente nulo, importa proceder à aplicação do disposto no artigo 293° do Código Civil, convolando-o.

  23. - O título...

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