Acórdão nº 1181/09.3TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA CECÍLIA AGANTE
Data da Resolução08 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 1181/09.3TVPRT.P1 Acção ordinária 1181/09.3TVPRT, 4ª Vara Cível do Tribunal Judicial do Porto Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente na Rua …, …, .º, Habitação, ., Porto, instaura esta acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C…, Lda., com sede na …, .., Porto, pedindo: a) a declaração de ilegitimidade da ocupação por parte da ré do rés-do-chão do prédio em causa desde 12-08-2008; b) a condenação da ré a reconhecer a propriedade do autor sobre tal parte do prédio que vem ocupando sem título que legitime tal ocupação e a restituir-lhe o mesmo livre de pessoas e coisas; c) a condenação da ré a indemnizar o autor pela privação da posse da fracção desde 12-08-2008, à razão de € 1.000,00 por mês, até à data da efectiva entrega da mesma, valor que, na data da instauração da acção, perfaz a quantia de € 12.000,00; d) a condenação da ré no pagamento de uma quantia pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega da fracção ao autor que venha a ser decidida neste processo, acrescida de juros de mora à taxa de 5% ao ano, no valor mínimo de € 33,33 por cada dia de atraso, valor que deve ser repartido em igual medida para o autor e para o Estado; e) a condenação da ré no pagamento das custas e demais encargos da lide.

Para tanto, alegou que por força da escritura de partilhas outorgada em 6-08-2008 é dono do imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial, o qual, por si e antecessores, desde data anterior a 1942, foi sempre fruído, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, na convicção de que lhes pertencia. Em data indeterminada de 1989, a sua mãe, D…, verbalmente, deu de arrendamento à ré o rés-do-chão do referido prédio, onde esta vem exercendo a sua actividade comercial. Naquela data o prédio pertencia na proporção de metade ao seu irmão, E…, e a outra metade, em situação de indivisibilidade, sem determinação de parte ou direito, à sua mãe, D… e aos seus filhos E…, F…, G… e B…. A mãe faleceu em 25-09-1992 e, na sequência desse óbito, a propriedade do prédio identificado na petição inicial, passou a pertencer por direito próprio ao referido E… e, a outra metade, em situação de indivisibilidade, sem determinação de parte ou direito, ao mesmo E… e aos seus irmãos F…, G… e B…. Posteriormente, faleceu, em 30-04-2001, o referido E…, no estado de solteiro, e a sua metade do prédio foi transmitida indivisa, sem determinação de parte ou direito, a seus irmãos, F…, G… e B…. Tal situação de indivisibilidade cessou na sequência de escritura de partilha outorgada em 06-08-2008, data em que a propriedade do prédio foi adjudicada ao ora autor. A sua mãe dispôs do prédio como se fosse a única titular e não obteve o consentimento dos demais comproprietários para arrendar o rés-do-chão. Invocou, por isso, a ineficácia do aludido contrato de arrendamento em relação a si, cuja discordância manifestou após 06-08-2008. Comunicou à ré a caducidade do contrato de arrendamento e, como ela se recusa a celebrar novo contrato de arrendamento, vem recusando o recebimento das rendas desde a data em que, pela partilha, passou a ser o único proprietário do prédio. Evocou a caducidade do contrato de arrendamento celebrado pela sua mãe, nos termos do artigo 1051º, c) do Código Civil, porquanto, com a morte da mãe e a escritura de partilha, cessou a administração da herança. Invocou a nulidade do contrato de arrendamento celebrado, atenta a não observância da forma legal e o disposto no artigo 1029º, b), e al. b), do artigo 80º do Código do Notariado. E alegou que a ocupação ilícita da ré vem lhe vem causando prejuízos.

Juntou documentos.

Contestou a ré, que deduziu o incidente de valor, excepcionou a incompetência do tribunal, invocou a ineptidão da petição inicial, excepcionou que o contrato de arrendamento verbal celebrado pela mãe do autor obteve o consentimento dos demais consortes, excepcionou a ininvocabilidade pelo locador da nulidade do arrendamento celebrado sem observância da forma legal, nos termos do artigo 1029º, 1, e 3, do Código Civil, e excepcionou o manifesto abuso do direito do autor, porque sempre agiu como proprietário único, sempre reconheceu o arrendamento durante 20 anos e apenas agora veio instaurar esta acção. Atribuiu ao autor litigância de má fé, pedindo a sua condenação em multa e em indemnização a determinar pelo Tribunal, de modo a incluir os honorários ao advogado da ré.

Juntou documentos.

Apresentada a réplica, o autor respondeu ao incidente do valor da acção e à matéria de excepção, defendendo a sua improcedência. Perante os documentos juntos pela ré, alegou que os recibos de renda foram por si emitidos em período anterior a 06-08-2008, data da aquisição do prédio por partilha e foram emitidos a pedido de sua irmã, então cabeça-de-casal. Negou ter recebido qualquer renda no período posterior a 06-08-2008. Contrapôs a sua boa fé processual.

Decidido o incidente do valor da causa, foi o mesmo estabelecido em 32.535,03 euros.

Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou inverificada a nulidade por ineptidão da petição inicial. Seleccionada a matéria de facto assente e a controvertida, com elaboração da base instrutória e reclamação do autor, que foi atendida.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo e foi decidida a matéria de facto sem reclamação.

Foi prolatada sentença, cujo dispositivo foi o seguinte: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por provada a presente acção, e assim, condeno a Ré a reconhecer a propriedade do Autor sobre o rés-do-chão do prédio em causa nos autos, absolvendo a Ré da parte restante dos pedidos. Não vislumbro litigância de má-fé por qualquer das partes.” Inconformado recorreu o autor, cuja alegação rematou do modo subsequente: 1ª Reconhecido o direito de propriedade do autor/recorrente sobre a parte do prédio ocupada pela ré/recorrida, a restituição da mesma constitui a consequência necessária de tal reconhecimento e a restituição só poderia ser negada se a ré tivesse título que legitimasse a recusa (artigo 1311º CCivil); 2ª O enquadramento legal do caso em discussão nos autos é o em vigor à data da celebração do contrato de arrendamento entre a mãe do autor, D…, ou seja, o do ano de 1989, porquanto os efeitos dos contratos são regulados pela lei vigente à data da sua conclusão (artigo 12º CCivil); 3ª Por isso, quanto à forma do contrato, vigorava o artigo 1029, 1. b) CCivil, na redacção anterior ao DL 321-B/90, de 15-10. (RAU), e que sujeitava os arrendamentos para comércio a escritura pública; 4ª Quanto ao arrendamento de prédio indiviso, vigorava o artigo 1024º, 2. CCivil, na redacção anterior à Lei nº 6/2006, 27-02. (NRAU) e que determinava que se a lei exigir escritura pública para a celebração do arrendamento, o assentimento dos consortes não contraentes devia ser prestado por igual forma; 5ª Quanto às classes dos sucessíveis na sequência do óbito do pai do autor, H…, ocorrida em 01-01-1977, o seu cônjuge, D…, mãe do autor, não era herdeira daquele, antes cônjuge meeira, como decorre do artigo 2133º CCivil, na redacção anterior ao DL 496/77, 25-11.; 6ª Quanto ao cargo de cabeça de casal na sequência do óbito de H… em 01-01-1997, mau grado o referido na conclusão anterior (D…, mãe do autor, não era herdeira do seu falecido marido), o cargo de cabeça de casal incumbiu-lhe por força do disposto no artigo 2080º CCivil, na redacção anterior ao DL 496/77, 25-11.; 7ª O autor/recorrente “atacou” o contrato de arrendamento verbal para comércio celebrado por sua mãe D… com a ré/recorrida, em data indefinida de 1989, por três vertentes: a ineficácia do contrato, a caducidade do contrato e a nulidade do contrato; 8ª Quanto à ineficácia do contrato de arrendamento em discussão nos autos, a celebrante do contrato de arrendamento, D…, à data sua celebração (1989), era cabeça de casal da herança deixada por óbito de seu falecido marido H… (artigo 2080º CCivil), porquanto era cônjuge sobreviva e tinha meação nos bens do casal; 9ª Nessa medida, tinha legitimidade para administrar a herança e para dar de arrendamento à ré/recorrida, em 1989, como o fez (artigos 2079º, 2087º, 1., 1024º, 1. e 1404º CCivil); 10ª Não obstante, por força do disposto no nº 2 do artigo 1024º CCivil, a validade de tal contrato de arrendamento ficou dependente do assentimento por escritura pública dos demais consortes antes ou depois do contrato, nomeadamente o do autor/recorrente, que não foi prestado; 11ª A 1ª instância confunde “não oposição” ao arrendamento pelos sucessivos herdeiros do prédio, nomeadamente pelo autor, até à partilha dos bens, com o “assentimento” reportado no artigo 1029º, 2, CCivil; 12ª A mera não oposição ao arrendamento ou qualquer outra atitude passiva não traduz, nem equivale, a assentimento tácito, uma vez que o silêncio só vale como declaração quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (artigo 218º CCivil) e a validade da declaração negocial só não depende da observância de forma especial quando a lei o não exigir (artigo 219º CCivil); 13ª E, no caso dos autos, a lei impunha que, estando o contrato de arrendamento sujeito a escritura pública (artigo 1029º, 1. b) CCivil, na redacção vigente à época), o assentimento dos diversos herdeiros filhos da celebrante do contrato D…, nomeadamente o do autor, teria de ser prestado por escritura pública (artigo 1029º, 2., parte final, CCivil) e não o foi; 14ª Não havendo na lei, uso ou convenção que atribua ao silêncio valor declarativo, ele não valerá como tal, sem necessidade de sabermos se a pessoa devia ou não falar; 15ª Daí que não seja aceitável a tese defendida pela 1ª instância de que, por causa da “não oposição” dos herdeiros da contraente D…, a oposição ao arrendamento manifestada pelo autor/recorrente na sua carta de 12-08-2008, configura abuso do direito, nos termos do artigo 334º CCivil, na sua...

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