Acórdão nº 437/11 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. José Borges Soeiro
Data da Resolução03 de Outubro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 437/2011

Processo n.º 206/10

Plenário

Relator: Conselheiro José Borges Soeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. O Ministério Público interpôs recurso para o Plenário, ao abrigo do artigo 79.°-D da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante LTC), do Acórdão n.º 35/2011 (1.ª Secção) que decidiu “não julgar inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, quando interpretada no sentido que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão de execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora.”

Invoca oposição com os Acórdãos n.ºs 24/2011, 26/2011 e 85/2011 (todos da 2.ª secção) nos quais se decidiu julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, interpretada com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.

  1. Admitido o recurso, o recorrente Ministério Público apresentou alegações, concluindo pela não inconstitucionalidade da norma.

  2. A recorrida Fazenda Pública apresentou alegações no sentido da improcedência do recurso.

    II – Fundamentação 4. Mostram-se verificados os pressupostos do recurso para o Plenário, ao abrigo do disposto no artigo 79.°-D da LTC, uma vez que a questão de constitucionalidade foi julgada em sentido divergente ao anteriormente adoptado quanto à mesma norma.

    Na verdade, os acórdãos em confronto decidiram em sentido oposto quanto à questão da constitucionalidade da norma do artigo 8.º do RGIT, na interpretação que consagra uma responsabilidade pelas coimas que se efectiva pelo mecanismo da reversão de execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora.

    1. Do objecto do recurso

  3. O presente recurso tem por objecto o artigo 8.º, n.º 1 do RGIT o qual apresenta a seguinte redacção:

    Artigo 8.º

    Responsabilidade civil pelas multas e coimas

    1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

    1. Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

    2. Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

      Em causa, nos autos, estavam coimas por infracções fiscais aplicadas a um gerente, enquanto responsável subsidiário, dada a comprovada insuficiência patrimonial da devedora originária. Os autos não esclarecem, no entanto, se a imputação foi feita ao abrigo da alínea a) ou da alínea b) do artigo 8.º, n.º 1 do RGIT.

    3. Do mérito do recurso

  4. A questão que o Tribunal Constitucional é agora, em Plenário, chamado a apreciar, tem merecido amplo tratamento jurisprudencial não só neste Tribunal mas também nas instâncias administrativas, designadamente no Supremo Tribunal Administrativo. Este Supremo Tribunal tem vindo a entender, de modo reiterado, que a responsabilização subsidiária de gerentes e administradores por coimas resultantes de infracções fiscais é inconstitucional, essencialmente por violação do princípio constitucional da proibição de transmissão da responsabilidade penal, constante do artigo 30.º, n.º 3, bem como dos direitos de audiência e de defesa decorrentes do artigo 32.º, n.º 10, ambos da Constituição (cfr., por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 01074/09, para o qual remete especificamente a decisão proferida pelo TAF de Coimbra, e que se encontra disponível em www.dgsi.pt).

  5. Já neste Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 129/2009 (publicado no Diário da República, II série, de 16 de Abril de 2009), se debruçou sobre questão parcialmente idêntica à que se apresenta nestes autos, tendo então decidido não julgar inconstitucional o artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação. Esta jurisprudência foi seguida, posteriormente, pelo Acórdão n.º 150/2009, publicado no Diário da República, II série, de 18 de Maio de 2009. O objecto deste acórdão residiu no artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA) que consagrava a responsabilidade subsidiária de administradores e gerentes e outras pessoas com funções de administração em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, por dívida resultante de coima fiscal aplicada à pessoa colectiva. O Tribunal, aplicando a fundamentação do Acórdão n.º 129/2009, entendeu que não havia qualquer transmissão da sanção decorrente do ilícito contra-ordenacional, e sim da “responsabilidade culposa pela frustração do crédito correspondente que se efectiva contra o gerente ou administrador que, incumprindo deveres funcionais, não providenciou no sentido de que a sociedade efectuasse o pagamento da coima em que estava definitivamente condenada e deixou criar uma situação em que o património desta se tornou insuficiente para assegurar a cobrança coerciva.”

  6. Esta jurisprudência não foi, no entanto, acolhida no Acórdão n.º 481/2010, da 2.ª secção (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 79, pp. 311 e seguintes) que julgou inconstitucional o artigo 7.º-A do RJIFNA, na parte em que se refere à responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade. A mesma orientação da 2.ª secção foi posteriormente seguida, a propósito do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT, nos acórdãos n.ºs 24/2011, 26/2011, 85/2011 e 125/2011 (os dois primeiros, publicados no Diário da República, II série, de 23 de Fevereiro de 2011 e 9 de Março de 2011, e os dois últimos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

  7. É este conflito jurisprudencial que o Tribunal é chamado agora a dirimir. O acórdão recorrido integrou a fundamentação do acórdão n.º 129/2009, já citado, e que se passa a transcrever:

    “O que a norma, por conseguinte, prevê é uma forma de responsabilidade civil, que recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que tenha sido condenada a sociedade ou pessoa colectiva, cujo não pagamento lhes seja imputável ou resulte de insuficiência de património da devedora que lhes seja atribuída a título de culpa.

    Note-se, a este propósito, que o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de emitir um juízo de não inconstitucionalidade em relação a um idêntico efeito de responsabilidade subsidiária que resulta da norma do artigo 112º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, que igualmente prevê que os direitos e obrigações das sociedades extintas por incorporação ou por fusão se transmitam para a sociedade incorporante ou a nova sociedade.

    Esse juízo assentou, no entanto, essencialmente, no entendimento de que, nesses casos, só formalmente se verifica uma transmissão, visto que não há lugar à liquidação ou dissolução das sociedades incorporadas, antes se regista o aproveitamento, no seio da sociedade incorporante, dos elementos pessoais, patrimoniais e imateriais da sociedade extinta, o que conduz à inaplicabilidade, nessa situação, da proibição da transmissibilidade das penas constante do artigo 30º, n.º 3, ainda que estejam em causa obrigações decorrentes de responsabilidade contra-ordenacional (cfr. os acórdãos n.ºs 153/04, de 16 de Março, 160/04, de 17 de Março, 161/04, de 17 de Março, 200/04, de 24 de Março, e 588/05, de 2 de Novembro).

    Alguns desses arestos não deixaram, todavia, de enquadrar a questão da intransmissibilidade das penas, em termos que mantêm plena validade para o caso dos autos.

    No acórdão n.º 160/04, por exemplo, considerou-se o seguinte:

    ‘A evolução do texto constitucional – que anteriormente previa a insusceptibilidade de transmissão de ‘penas’ [e agora prevê que ‘A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão’] – não se ficou, porém, a dever a qualquer intenção de transcender o domínio do direito penal (como, aliás, resulta claramente também da nova redacção), mas sim evitar que o princípio da intransmissibilidade se confinasse às situações em que a decisão de aplicação da lei penal transitara em julgado, sobrevindo apenas na fase da aplicação da pena.

    Ora, não obstante a doutrina e a jurisprudência constitucionais irem no sentido da aplicação, no domínio contra-ordenacional, do essencial dos princípios e normas constitucionais em matéria penal, não deixa de se admitir, como se escreveu no citado acórdão n.º 50/03, a ‘diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contra-ordenações’. Diferença, esta, que cobra expressão, designadamente, na natureza administrativa (e não jurisdicional) da entidade que aplica as sanções contra-ordenacionais (como se decidiu no acórdão n.º 158/92, publicado no DR, II Série, de 2 de Setembro de 1992) e na diferente natureza e regime de um e outro ordenamento sancionatório (cfr. v. g. acórdãos n.ºs 245/00 e 547/01, publicados, respectivamente...

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