Acórdão nº 339/11 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução07 de Julho de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 339/2011

Processo n.º 822/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., LLC. interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de Outubro de 2010, no âmbito do processo de insolvência da sociedade B. Comercial SGPS, S.A., que corre termos no Juízo de Comércio de Aveiro do Tribunal da Comarca do Baixo Vouga.

      A situação de facto é, em traços gerais, a seguinte. A recorrente é credora da insolvente B. Comercial SGPS, S.A., que é titular de 100% do capital social de C. Lda. e de 100% de capital social de B. Industrial SGPA, SA, sendo esta última sociedade titular de 98,18% do capital social de D., Lda. Em processos separados, foi decretada a insolvência quer da sociedade holding, quer das referidas sociedades participadas. A recorrente pugnou por diversas vias, sem sucesso, pela apensação e liquidação conjunta do património das três sociedades insolventes, em ordem a evitar que o activo das sociedades dominadas seja distribuído apenas pelos respectivos credores, deixando os activos da “sociedade-mãe”, a partilhar pelos respectivos credores reduzido a participações sociais que ficaram sem qualquer valor.

      O recurso visa a apreciação da inconstitucionalidade das normas extraídas dos artigos 2.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, 14.º, n.º 5.º, 78.º, n.º 1, e 86.º, n.º 2, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), 692.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), 501.º e 503.º, n.º 4, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), e 5.º n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, tendo a recorrente apresentado alegações em que conclui no sentido de ser:

      “(ii) declarada a inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.° da CRP, das normas extraídas dos artigos 14.°, n.° 5, e 9.°, n.° 1, do CIRE, e 692.°, n.°s 1 e 4, do CPC, no sentido de, em processo de insolvência, os recursos terem sempre efeito devolutivo, não sendo aplicável subsidiariamente o artigo 692.°, n.°s 1 e 4, do CPC, ainda que a execução da decisão recorrida cause ao recorrente prejuízo considerável;

      (iii) declarada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.° e 62.° da CRP, das normas extraídas do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), e 86.°, n.° 2, do CIRE e 501.° e 503.°, n.° 4, do CSC quando interpretadas no sentido de não existir apensação necessária dos processos de insolvência de várias sociedades em relação de grupo por domínio total, mesmo que elas formem uma só empresa, pelo facto de o património do grupo societário não dispor de autonomia patrimonial, não sendo legalmente um património autónomo, e também pelo facto de a alinea a) do n.° 1 do artigo 2.° do CIRE permitir a apresentação à insolvência de quaisquer pessoas colectivas, incluindo qualquer sociedade comercial, mesmo que pertença a um grupo societário;

      (iv) declarada a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.° e 62.° da CRP, da norma resultante da conjugação do artigo 503.°, n.° 4, do CSC com o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.° 495/88, de 30 de Dezembro, na sua redacção actual, no sentido de que a proibição de aquisição e manutenção, em certos casos, de imóveis pelas SGPS afasta a possibilidade de uma sociedade anónima SGPS, quando seja totalmente dominante de outra sociedade, determinar, através das instruções vinculantes previstas no artigo 503.° do CSC, a transferência, para si, de quaisquer bens do activo da dominada, e que, por isso, as participações sociais detida pela SGPS, ainda que totalitárias, não têm correspondência no património da sociedade totalmente detida, não podendo os credores da SGPS contar com mais do que essas participações, vazias, para a garantia geral dos seus créditos;

      (v) declarada a inconstitucionalidade e a ilegalidade, por violação do artigo 2.° do CPC e dos artigos 20.° e 202.° da CRP, da norma contida no artigo 86.°, n.° 2, do CIRE, na interpretação de que — mesmo num caso de processos de insolvência de sociedades em relação de grupo por domínio total — cabe exclusivamente ao Administrador da Insolvência o poder discricionário de requerer ou não a apensação de processos, estando o Tribunal vinculado a ordenar a apensação quando a mesma for requerida pelo Administrador da Insolvência, e estando o Tribunal impedido de ordenar a apensação dos processos, quer oficiosamente, quer a requerimento de um sujeito processual interessado;

      (vi) declarada inconstitucional, por violação dos artigos 13.° e 62.° da CRP, a norma extraída do artigo 78.°, n.° 1, do CIRE, interpretada no sentido de que, quando estejam em causa processos de insolvência de várias sociedades em relação de grupo por domínio total, a prossecução do interesse comum dos credores (satisfação máxima dos créditos com respeito pela igualdade) não implica a apensação dos processos e a liquidação conjunta dos patrimónios;

      (vii) declarada inconstitucional, por violação do direito de propriedade privada dos credores da insolvente, consagrado no artigo 62.° da CRP, a norma contida no artigo 78.°, n.° 1, do CIRE, na interpretação que recuse ser, por definição, contrária ao interesse comum dos credores uma deliberação tomada com défice de informação sobre a matéria deliberanda, se não foi formulado, antes da tomada da deliberação, qualquer pedido de informação".

    2. Contra-alegou apenas o Banco E. SA, credor da falida, tendo excepcionado o não conhecimento parcial do recurso e concluído no sentido da improcedência quanto às questões de que pode conhecer-se.

      Notificada, a recorrente pugna pela improcedência das questões obstativas ao conhecimento do objecto do recurso.

    3. Por razões de comodidade expositiva, uma vez que é necessário proceder também a delimitações do sentido normativo relevante, as questões obstativas ao conhecimento do recurso serão apreciadas à medida que se enfrentar cada uma das questões de constitucionalidade colocadas pela recorrente.

  2. Fundamentos

    1. Quanto à inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da CRP, das normas extraídas dos artigos 14.º, n.º 5, e 9.º, n.º 1, do CIRE, e 692.º, n.°s 1 e 4, do CPC, no sentido de, em processo de insolvência, os recursos terem sempre efeito devolutivo, não sendo aplicável subsidiariamente o artigo 692.º, n.°s 1 e 4, do CPC.

      O acórdão confirmou o entendimento do tribunal da insolvência que consistiu em atribuir ao recurso interposto pela recorrente do despacho que indeferiu reclamação contra as deliberações da assembleia de credores efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 5 do artigo 14.º do CIRE, que dispõe que “os recursos sobem imediatamente, em separado e com efeito devolutivo”. Entendeu-se que desta regra quanto ao regime especial dos recursos em processo de insolvência apenas são exceptuadas as situações previstas no n.º 6 do mesmo artigo 14.º do CIRE, não sendo aplicável o n.º 4 do artigo 692.º do CPC, que permite ao recorrente requerer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução.

      O recorrente sustenta que “esta interpretação, definitiva e cega ao eventual prejuízo grave e até à inutilização prática do recurso causados pelo efeito meramente devolutivo do recurso, é inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no artigo 20.º da CRP”.

      Contrariamente ao que parece estar pressuposto na argumentação do recorrente, não decorre do artigo 20.º da CRP um direito a um duplo grau de jurisdição em termos gerais, cujo âmbito essencial de protecção seria lesado pela não atribuição de efeito suspensivo à impugnação de decisões judiciais cuja execução na pendência do recurso possa ter consequências processualmente irreversíveis ou gerar prejuízos consideráveis.

      Sobre o direito de acesso à justiça tem o Tribunal Constitucional firmado uma extensa jurisprudência, interpretando-o no sentindo de que ele é «um direito à solução dos conflitos por banda de um órgão independente e imparcial face ao que concerne à apresentação das respectivas perspectivas, não decorrendo desse direito (nomeadamente, no que ora releva, se em causa estiver a litigância civil obrigacional) o asseguramento às partes da garantia de recurso das decisões que lhes sejam desfavoráveis”, como se disse, por exemplo, no acórdão n.º 359/04, transcrevendo o acórdão n.º 83/99 (disponíveis, como os...

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