Acórdão nº 401/11 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução22 de Setembro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 401/2011

Processo n.º 497/10

Plenário

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

(Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro)

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

Em 21 de Outubro de 2009 A. propôs no Tribunal da Comarca de Paços de Ferreira acção de investigação de paternidade, pedindo que fosse judicialmente declarado que era filho de B., falecido em 12 de Junho de 2009.

O Réu, C., herdeiro testamentário do investigado, contestou, invocando, além do mais, a caducidade da presente acção.

Após apresentação de réplica, foi proferido despacho saneador que julgou “improcedente a excepção de caducidade invocada pelo Réu C. por força da inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, na medida em que prevê para a caducidade do direito de investigar a paternidade um prazo de dez anos a partir da maioridade ou emancipação, o que viola as disposições conjugadas dos artigos 26.º, 1, e 18.º, da Constituição da República Portuguesa”.

O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, na parte em que recusou a aplicação da referida norma.

Apresentou alegações onde concluiu o seguinte:

a) Na esteira do despacho recorrido, de Abril de 2010, do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, este Tribunal Constitucional deverá recusar a aplicação, por inconstitucionalidade material, do artigo 1817º, nº 1, do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, diploma este que veio proceder à alteração dos artigos 1817º e 1842º do Código Civil, relativos, respectivamente, às acções de investigação de maternidade e de impugnação de paternidade;

b) Com efeito, nos termos da nova redacção introduzida no art. 1817º nº 1 do Código Civil, as acções de investigação de maternidade – e igualmente as acções de investigação de paternidade, por remissão do art. 1873 nº 1 do Código Civil – passaram a poder ser propostas “durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”;

c) Na versão originária do art. 1817º, nº 1, do mesmo Código, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 344/66, de 25 de Novembro, o referido prazo era substancialmente inferior, ou seja, de apenas dois anos;

d) No entanto, por força da prolação do Acórdão 23/2006, deste Tribunal Constitucional, tal prazo foi considerado insuficiente, tendo o mesmo Acórdão, por esse motivo, declarado “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26, nº 1, 36º, nº 1 e 18º. Nº 2 da Constituição da República Portuguesa”;

e) No seguimento da publicação do Acórdão 23/2006, o Supremo Tribunal de Justiça, em sucessivos acórdãos, veio reconhecer a imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, considerando, assim, o direito a conhecer a paternidade como um direito inviolável e imprescritível;

f) A propositura de acções de investigação de paternidade (ou maternidade) deixou, pois, de estar sujeita, por via da referida jurisprudência do STJ, a um prazo de caducidade, podendo tais acções ser, por isso, intentadas a qualquer altura;

g) Com a publicação da Lei 14/2009, esta situação alterou-se, estabelecendo-se, agora, um prazo de dez anos, após se atingir a maioridade ou a emancipação, para a propositura de acções de investigação de maternidade ou de paternidade;

h) Situações há, por isso, como no caso dos presentes autos, em que o direito de acção caducou, em resultado da aplicação da Lei 14/2009;

i) Ora, uma tal consequência - de extinção do direito de investigar a paternidade, por aplicação retroactiva do art. 3º, da Lei 14/2009 -, revela-se materialmente inconstitucional, por violação dos art.s 26º, nº 1, 36º, nº 4 e 18º, nº 2 da Constituição da República;

j) Deve, nessa medida, confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade adoptado na decisão recorrida, de Abril de 2010, do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira.

O recorrido não contra-alegou.

Fundamentação

  1. A norma cuja aplicação se recusou e o fundamento da recusa

    A decisão recorrida recusou a aplicação da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, para onde remete o disposto no artigo 1873.º, do mesmo Código, na medida em que prevê para a caducidade do direito de investigar a paternidade um prazo de dez anos a partir da maioridade ou emancipação do investigante, por entender que o estabelecimento de um qualquer limite temporal para o exercício desse direito viola o direito à identidade, cuja tutela é imposta no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição.

    Esta posição tem vindo recentemente a ser sustentada em diversos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação (do S.T.J., de 8-6-2010, no proc. 1847/08.5 TULSB.A.L1.S1, de 21-9-2010, no proc. 495/04.3 TROR.C1.S1, de 21-9-2010, no proc.4/07.2. TBEPS.G1.S1, e de 27-1-2011, no proc. 123/08.8 TBMDR.P1.S1, da Relação do Porto de 23-11-2010, no proc. 49/07.2 TBESD.P1, de 15-03-2010, no proc. 123/08.8TBMDR.P1 e de 14-07-2010, no proc. 1587/06.0TVPRT.P1, da Relação de Lisboa de 09-02-2010, no proc. 541/09.4TCSNT.L1, e da Relação de Coimbra de 23-06-2009, no proc. 1000/06.2TBCNT.C1, de 16-03-2010, no proc. 528/08.4TBOBC.C1 e de 06-07-2010, no proc. 651/06.0TBOBR.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt), com apoio em algumas opiniões da doutrina (vide Guilherme de Oliveira em Caducidade das acções de investigação, em Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, pág. 49-58, da ed. de 2004, da Coimbra Editora), Jorge Duarte Pinheiro, em O direito de família contemporâneo, pág. 184-199, da 3.ª ed., da AAFDL, e Rafael Vale e Reis, em O direito ao conhecimento das origens genéticas, pág. 206-209, e em “Filho depois dos 20…! Notas ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 486/2004, de 7 de Julho”, em Lex Familiae, n.º 3 (2005), pág.127-134).

    Apesar de aqui estarem em causa prazos de caducidade, por comodidade de expressão, na defesa destas posições tem sido dito que a Constituição impõe a “imprescritibilidade” das acções de investigação da paternidade quando propostas pelo filho ou por quem o represente.

  2. A existência de limites temporais à investigação da paternidade no direito ordinário português

    O estabelecimento de prazos específicos de caducidade para as acções de reconhecimento da filiação surgiu expressamente na legislação portuguesa apenas com o Código Civil de 1867, acompanhando a consagração da regra napoleónica da proibição da investigação da paternidade, a qual só era admissível em casos excepcionais tipificados na lei.

    Na redacção originária deste Código, após algumas hesitações reveladas nas diversas versões do Projecto do Visconde de Seabra, nos casos em que, excepcionalmente, era admitida a investigação da paternidade dos “filhos ilegítimos”, estes só podiam intentar a respectiva acção durante a vida dos investigados, excepto se estes falecessem durante a menoridade dos filhos – caso em que se sobrepunha um prazo de caducidade de 4 anos após a maioridade, ou emancipação –, ou quando os filhos obtivessem após a morte dos pais documento escrito destes revelando a sua paternidade - situação em que poderiam propor a acção a todo o tempo (artigo 133.º).

    A implantação do regime republicano foi acompanhada de alterações em sede de Direito da Filiação, tendo sido ampliadas as hipóteses de admissibilidade da acção de investigação da paternidade.

    No que respeita aos limites temporais da sua propositura, o artigo 37.º, do Decreto n.º 2, de 25 de Dezembro de 1910, veio admitir que a acção de investigação de filiação pudesse ser ainda intentada no ano seguinte à morte dos pretensos progenitores e, em sentido contrário, nas acções fundadas em escrito obtido após a morte daqueles, impôs um prazo de caducidade de seis meses após a descoberta desse escrito.

    Pode-se dizer que no estabelecimento destes limites estiveram presentes razões ligadas às dificuldades de prova da paternidade, às inibições do investigante nos casos de posse de estado, e à segurança e certeza jurídica.

    Na verdade, se à proibição inicial da propositura destas acções após a morte do investigado presidiu a ideia que os herdeiros do suposto pai não se encontravam nas melhores condições para poder refutar, com conhecimento da situação, as imputações do investigante, o que prejudicava um apuramento da verdade que, pela natureza íntima dos factos, já se revelava de extrema dificuldade, o aditamento da possibilidade dessas acções serem ainda propostas no ano seguinte à morte do investigado visou contemplar as hipóteses em que este dispensava tratamento como filho, o que coarctava a iniciativa do investigante. Compreensivelmente, excepcionaram-se os casos em que o decesso do suposto pai se verificava quando o investigante ainda era menor, concedendo-se um prazo de 4 anos após a data em que este atingisse a maioridade ou fosse emancipado, uma vez que só a partir dessa altura é que o investigante se encontrava em condições de, por sua iniciativa, dirigir tal pedido ao tribunal, mas também se permitiu a propositura da acção de investigação após a morte do investigado quando após essa data fosse descoberto escrito do suposto pai, reconhecendo a paternidade, por se entender que, perante a força deste meio de prova, não se justificava estabelecer um limite anterior para a propositura da acção, impedindo a valoração de tal elemento.

    O interesse da segurança jurídica esteve presente na fixação dos curtíssimos prazos de um ano após a morte do investigado, nos casos de existência de posse de estado, e de 6 meses após a descoberta do escrito, os quais visaram pressionar o investigante a agir com rapidez, de modo a não...

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