Acórdão nº 365/11.9PULSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução11 de Abril de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 365/11.9PULSB, da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido em 25-03-1965, natural de Lisboa, residente na ..., actualmente preso, em cumprimento de pena à ordem deste processo, desde 06-11-2011 - fls. 106, 116, 119 e verso.

Por acórdão do Colectivo competente, datado de 13 de Julho de 2011, constante de fls. 83 a 89, do processo principal, e de fls. 23 a 29 deste processo, pela autoria material de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 22.º, n.º s 1 e 2, alínea b), 23 n.º s 1 e 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.

O acórdão recorrido transitou em julgado em 3 de Outubro de 2011 – certidão de fls. 98 (certificação repetida a fls. 102).

O arguido/condenado interpôs o presente recurso extraordinário de revisão, por mão de Mandatário constituído, por procuração de 7-12-2011, assinada a rogo, e constante de fls. 21, em 05 de Janeiro de 2012 (fls. 2), com base nos fundamentos constantes de fls. 2 a 5, que se transcrevem: MOTIVAÇÃO: Considera a defesa do ora Recorrente existirem factos novos que a terem sido conhecidos pelo Tribunal "a quo" poderiam implicar a absolvição do arguido.

O arguido à data da prática dos factos acusatórios era já portador de demência psíquica grave e notória, designadamente complexo demencial associado ao VIH.

O arguido é portador de encefalopatia causada por infecção por HIV, e dos vírus da Hepatite B e C, estado que se mantém até à presente data, tudo conforme informações clínicas constantes dos documentos 1, 2 e 3 que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos. Encontrava-se ainda em estado de toxicodependência e alcoolismo.

Tais patologias diminuíam consideravelmente a capacidade de auto-critica do arguido, originando inclusive episódios de disfunção cognitiva, alucinações e ideias delirantes, não sendo mesmo capaz de distinguir correctamente o bem do mal.

O seu estado clínico ou de saúde, tal como demonstrado nos documentos médicos já referidos, não lhe permitiram, entre outras coisas interiorizar a obrigatoriedade de se apresentar no tribunal nas datas das respectivas convocatórias, ou pelo menos justificar a sua falta ou ausência.

Por outro lado, essas limitações pessoais também não lhe permitiram, mesmo por interposta pessoa, fazer chegar ao conhecimento do tribunal da insuficiência grave de que padece em termos de saúde, e que já remontam à data da prática dos factos em que o recorrente foi julgado e condenado na ausência.

De salientar ainda que da análise feita ao histórico dos antecedentes criminais do ora recorrente não consta nenhuma condenação pelo tipo de criminalidade verificada nos autos recorridos, situação que indicia, com alguma clareza, que os factos acusatórios pelos quais o recorrente foi condenado são uma natural consequência do seu estado mental.

A leitura atenta das informações médicas juntas, não deixam margem para dúvidas que à data dos factos e da realização do julgamento, o recorrente encontrava-se com um quadro de demência grave, que não permitia qualquer determinação por vontade própria.

Assim, se dirá em CONCLUSÃO: 1º Vem o presente recurso interposto da douta decisão recorrida que considerou a acusação do Ministério Público de fls. procedente por provada e, consequentemente, condenou o arguido Vítor Manuel Silva, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 22° n.º 1 e 2 al. b), 23° n.ºs 1 e 2, 73° n.° 1 als. a) e b) e art. 210°, n.° 1, todos do Código Penal, praticado em 24-02-2011, na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva; 2º Existem factos novos que a terem sido conhecidos pelo Tribunal “a quo” poderiam implicar a absolvição do arguido; 3º O arguido à data da prática dos factos acusatórios era já portador de demência psíquica grave e notória, designadamente complexo demencial grave associado ao VIH; 4º A capacidade de auto-critica do arguido estava claramente diminuída, com episódios de disfunção cognitiva, alucinações e ideias delirantes, não sendo mesmo capaz de distinguir correctamente o bem do mal; 5º À data dos factos e da realização do julgamento, o recorrente encontrava-se com um quadro de demência grave, que não permitia qualquer determinação por vontade própria; 6º O seu estado de saúde, não lhe permitia, entre outras coisas, interiorizar a obrigatoriedade de se apresentar no tribunal nas datas das respectivas convocatórias, ou pelo menos justificar a sua falta ou ausência; 7º Nem tão pouco, fazer chegar ao conhecimento do tribunal da insuficiência grave de que padece, e que já remonta à data da prática dos factos em que o recorrente foi julgado e condenado na ausência.

  1. O histórico dos antecedentes criminais do ora recorrente revela que o tipo de criminalidade verificada nos autos recorridos, é uma natural consequência do seu estado mental.

  2. Todo o exposto, a ser do conhecimento do Tribunal “a quo”, permitiria a este efectuar um juízo de óbvia inimputabilidade do ora recorrente, e desse modo concluir pela absolvição do mesmo.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso de revisão de sentença, e por via dele, absolver, desde logo, o recorrente da prática do crime pelo qual foi julgado e condenado na ausência, ou em alternativa determinar a remessa do processo ao tribunal competente com vista a novo julgamento.

Mais se requer, se dignem determinar a suspensão da execução da pena em que o recorrente foi condenado em 1ª instância.

Juntou três documentos, consistentes em informações clínicas, datadas de 4 de Julho de 2008 (Doc. 1), de 30 de Março de 2009 (Doc. 2) e de 19 de Novembro de 2011 (Doc. 3).

******* O Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta, nos termos constantes de fls. 32 a 34, concluindo que, independentemente da diligência por si promovida, quanto ao que está em causa – a (in)imputabilidade do arguido à data da prática dos factos - não se verificando os pressupostos da Revisão Extraordinária do Acórdão, deve a mesma ser indeferida.

Começou por sublinhar que «o arguido, pese embora não tenha estado presente, nem na Sessão de Audiência em que teve lugar o julgamento, nem, tão pouco, na Sessão em que foi publicado o Acórdão, havia sido detido no próprio dia em que praticou os factos pelos quais acabou condenado, tendo sido presente, para 1.º Interrogatório Judicial no dia seguinte (25-02-2011).

Tendo sido presente ao Mmº JIC, optou por prestar declarações, confessando a prática dos factos e admitindo ser consumidor de heroína desde há 25 anos.

No âmbito deste acto processual, não resulta que se tivessem suscitado quaisquer dúvidas, seja ao Mm° JIC, seja ao M°P°, seja à própria Defensora do Arguido, relativamente à sua imputabilidade, não tendo sido invocados quaisquer factos que pudessem colocar em crise a consciência do desvalor e da natureza penalmente ilícita da sua conduta.

Por outro lado, os Documentos que junta e com base nos quais pretende certificar os factos que invoca, não consentem as conclusões que deles retira.

O Doc. n° 1 atesta um internamento no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, entre 24.5 e 04.7.2008, no qual se consigna, além do mais, que teve “alta clinicamente melhorado com indicação de seguimento em consulta de Infectologia”.

O Doc. n° 2 reporta-se a uma “Informação Clínica”, datada de 30.3.2009, subscrita pela (então) Médica Assistente do Arguido, e na qual se pode ler, além do mais, “Registou assim franca melhoria do ponto de vista cognitivo, embora com necessidade de terapêutica psiquiátrica...” Por fim, o Doc. n° 3, emitido por uma Médica do referido Hospital, assinala, fundamentalmente, um episódio (recaída) verificado em Outubro de 2011, do qual, tão pouco, se pode concluir que, à data dos factos, o Arguido não tivesse consciência ou tivesse uma consciência diminuída sobre o desvalor da sua conduta.».

Em todo o caso entendeu que o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 453.º, n.º 1, do CPP, por mera cautela, sempre poderia colher, junto dos Serviços Prisionais, informação clínica sobre o estado de saúde do arguido, desde a data da sua detenção, o que promoveu. ***** Por despacho de fls. 35, lavrado em 20 de Janeiro de 2012, na sequência da promoção avançada pelo M.º P.º na resposta apresentada e nos termos do artigo 453.º, n.º 1, do CPP, foi solicitada aos Serviços Prisionais informação sobre o estado clínico do arguido desde que foi detido.

Na sequência, o Hospital Prisional de São João de Deus, Caxias, prestou a informação de fls. 38, datada de 30-01-2012, elaborada pelo Médico assistente.

Notificados o M.º P.º e o Mandatário do recorrente, aquele, a fls. 40, disse manter o exposto na resposta apresentada, e o último silenciou. Seguidamente, o Exmo. Juiz do Tribunal “a quo” lavrou informação, nos termos do artigo 454.º do Código de Processo Penal, por forma manuscrita, que pela manifesta dificuldade de leitura, determinou a emissão de despacho a solicitar a “tradução” legível – fls. 59 – da suposta declaração recipienda - artigo 224.º, n.º 1, do Código Civil - nos termos do artigo 94.º, n.º s 1 e 4, do CPP, (de tal modo que o Exmo. PGA, no parecer emitido, se tenha referido à dita informação como “limitando-se a expressar (ao que nos parece) que o recurso não merece provimento), a qual satisfeita, a fls. 63, se concluiu, ter sido formulada nos sintéticos e singelos termos seguintes: «Prestando a informação aludida no art.º 454º do C.P.Penal, consigna-se o entendimento do presente recurso não apresentar virtualidade no sentido de merecer provimento, por os seus fundamentos não serem susceptíveis de serem enquadrados no art.º 449.º do C. P. Penal.

Contudo, V. Exªs, Venerandos, digo, Colendos Conselheiros, melhor decidirão».

****** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 49, proferiu despacho no sentido...

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