Acórdão nº 605/06.6TBVRL.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução24 de Abril de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: “AA – Compra, Venda e Construção de Bens Imobiliários, Lda”, com sede na Urbanização P... R..., lote ..., Av. da R..., V... C... da L..., F..., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, residente na Alameda de G..., lote ..., Entrada ..., ...º andar/direito, Vila Real, pedindo que, na sua procedência, se declare ter sido, validamente, celebrado entre si e a ré o contrato que identifica, cujo objecto consiste na permuta dos bens nele identificados [a], que se declare que a ré não cumpriu, voluntariamente, com as obrigações que havia assumido e se recusa a assinar a respectiva escritura de transferência da propriedade dos identificados prédios [b], que, para os fins do disposto no artigo 830º, n.º1, do Código Civil, seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial exigível à ré e que, por via disso, se decrete a outorga da permuta convencionada e se considere transferida a propriedade dos prédios permutados, com observância de todas as cláusulas e condições constantes do aludido contrato [c], ou, se por qualquer razão não for consumada a permuta, que a ré seja condenada a pagar-lhe, a título de cláusula penal, uma indemnização, no valor de €250 000,00 [d].

A autora alega, para tanto, e, em síntese, que celebrou com a ré o contrato-promessa de permuta, titulado pelo documento n.º1, junto com a petição inicial, mediante o qual prometeram permutar um terreno e a habitação nele a implantar por dois prédios pertencentes à ré.

De acordo com o mesmo contrato, a habitação seria entregue à ré, até final de Dezembro de 2003, podendo tal prazo ser prorrogado, verificando-se caso fortuito, de força maior ou motivo atendível.

Ficou ainda convencionado que a escritura pública de permuta seria realizada, após conclusão das obras do edifício destinado a habitação e a emissão, pela Câmara Municipal de Vila Real, da correspondente licença de habitação.

Em 30 de Agosto de 2004, em cumprimento do acordado, a autora procedeu à entrega do edifício à ré, que o recebeu e dele tomou posse, enquanto que a autora, na mesma ocasião, entrou na posse dos prédios prometidos permutar pela ré, nele instalando equipamento e materiais.

Decorrido mais de um ano, enviou à ré uma carta em que lhe concedia o prazo de quinze dias para a apresentação dos documentos necessários à celebração da escritura de permuta, que deveria ter lugar, até ao dia 20 de Outubro de 2005.

No entanto, a ré não entregou os documentos em causa e enviou à autora uma carta de resposta, afirmando que o contrato promessa ficava nulo e de nenhum efeito, pretendendo, ainda, devolver a chave da moradia que, livremente, recebeu, o que aquela não aceitou.

Deste modo, conclui a autora que não lhe resta outra alternativa que não seja o recurso à presente acção, para que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial contratada, ao abrigo do preceituado pelo artigo 830º, n.º1, do Código Civil, de forma a que a permuta seja concretizada e transferida a propriedade sobre os imóveis.

Mais defende que, perante uma situação de incumprimento do contrato, caso a execução específica não mereça provimento, sempre terá direito a receber da ré a quantia de €250.000,00, a título de cláusula penal, convencionada no contrato promessa.

Na contestação, a ré impugna a factualidade alegada pela autora, defendendo a improcedência da acção, invocando, para o efeito, e, em síntese, que o contrato não respeita a forma legal, prevista no artigo 410º, n.º3, do Código Civil, posto que dele não consta a certificação notarial da licença de utilização do edifício prometido permutar, com a consequente nulidade, nos termos do disposto pelo artigo 286º, do mesmo diploma legal.

Mais afirma que foi convencida por CC, pessoa das suas relações, em quem depositava confiança, que o prédio rústico que lhe pertence tinha 3 200 m2 e que a sua capacidade construtiva era diminuta.

Nessa convicção, comunicou aquele CC que venderia o referido prédio e um urbano, junto ao mesmo, por um preço justo.

No contrato invocado não foi estipulado prazo para a celebração da escritura pública de permuta, mas a mesma foi condicionada à prévia conclusão do edifício a entregar pela autora e à emissão da respectiva licença municipal de utilização, desconhecendo se esta foi ou não emitida e, portanto, não sabe se a condição aludida está ou não verificada, muito embora a sua obtenção dependesse, tão-só, da autora, que a deveria comunicar aquela.

Sendo assim, não assiste à autora o direito de aproveitar a invocação do seu incumprimento, o que conduz à absolvição do pedido.

Por via da confiança que depositava no dito CC, assinou todos os documentos que lhe foram colocados à sua frente, convencida de que estava a contratar com o mesmo e não com a autora.

Diz que, apenas, mais tarde, é que verificou que os documentos que assinaram incluíam o que titula o contrato referido pela autora e que o prédio rústico aí referido tinha, não 3 200 m2, como fora referido pelo CC, mas 32000 m2.

Defende que apenas acedeu em celebrar a permuta no pressuposto, sabido pelo CC e por DD, que assistiram à assinatura dos documentos, de que seria aquele o contratante, que seria o mesmo a executar a moradia a receber por troca com os prédios que lhe pertenciam e o loteamento onde se situaria o lote a receber.

Alega ainda que o CC e o DD omitiram, dolosamente, que o prédio rústico referido tinha 32 000 m2, pelo que, caso soubesse da realidade, nunca teria celebrado o contrato invocado pela autora.

Que actuou com erro sobre a pessoa com quem contratou e sobre as qualidades essenciais do objecto negocial, o que foi causado por dolo da ora autora, sendo certo que existia o dever de ser informada pelos representantes da desta, ao abrigo do estipulado pelos artigos 227º, n.º1, e 762º, do Código Civil.

Conclui que o negócio é, por isso, anulável, atento o disposto pelos artigos 251º, 247º, 287º e 289º, do Código Civil.

Sem prescindir, considera que os prédios que lhe pertencem valem, pelo menos, €527860,00, tendo-lhes sido atribuído o valor de €249398,94 pelo contrato celebrado.

A autora, por intermédio do CC e do DD, abusou da sua inexperiência e da sua ignorância, quanto à área efectiva de um dos prédios, para obtenção de benefícios injustificados, excessivos e contrários aos bons costumes, verificando-se, por isso, um grave desequilíbrio nas respectivas prestações, terminando com a alegação de que o contrato deve ser anulado, por usura, nos termos do preceituado pelos artigos 282º, 287º e 289º, do Código Civil.

Na réplica, a autora sustenta a inexistência dos vícios do contrato invocados pela ré, alegando que esta litiga de má-fé, posto que invoca um vício formal de um contrato que diz não ter celebrado, o que é incompatível entre si.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, declarou válido o contrato-promessa celebrado entre a autora e a ré, referido nos pontos 1 a 11 da matéria provada [1], declarou que a ré incorreu em incumprimento definitivo do contrato-promessa, mencionado em a) [2], absolvendo a ré do demais peticionado pela autora [3].

Desta sentença, a autora apresentou recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação e, em conformidade, alterando a sentença recorrida, condenou a ré a pagar à autora, a título de cláusula penal entre ambas acordada, a quantia de €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), mantendo, quanto ao mais, o, anteriormente, decidido.

Deste acórdão da Relação do Porto, a autora e a ré interpuseram agora recurso de revista, terminando as respectivas alegações com a formulação das seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: A AUTORA: 1ª - No recurso interposto pela autora, único a ser apreciado, não pediu esta a análise do eventual excesso da cláusula penal, mas somente que fosse revogada a sentença na parte em que entendia caber á autora a prova dos prejuízos causados com o incumprimento.

Esta matéria também não foi objecto de pedido (nem expresso nem implícito) nem, consequentemente, de decisão concreta em 1ª instância, que, consequentemente, considerou inexistir excesso.

A decisão que reduz a clausula penal nestas condições, sem que tal lhe tenha sido solicitado ou requerido, e depois de a primeira instancia ter entendido não existir excesso, viola o disposto nos artigos 684º, n° 4, e 661º do C. P. Civil e é nula, ex vi do disposto no art° 668, n° 1 ala d) 2ª parte do mesmo código.

2a - A decisão da primeira instancia não considerou existir excesso da cláusula penal, não tendo abordado esta matéria por entender que tal não lhe foi pedido.

Esta decisão (ou não decisão) transitou em julgado por a ré não ter apresentado recurso sobre a mesma.

Ao apreciar tal questão, que a primeira instancia não apreciou sem que, sobre tal matéria tenha sido interposto recurso, a decisão proferida viola o caso julgado entretanto formado.

3a - A eventual redução da cláusula penal na sentença deve, não só resultar de pedido, expressa ou implicitamente apresentado nesse sentido pelo devedor nisso interessado, mas também ser fundamentada em factos com esta matéria relacionados e que permitam uma decisão fundamentada quanto à existência de exagero manifesto e desproporcionalidade da cláusula, e consequente exigência ética de tal redução.

Inexistindo nos autos qualquer facto que permita fundamentar esta decisão o acórdão proferido ultrapassa o pedido (mesmo implícito) e viola os artigos 659º e 660º, n° 2° do C. P. Civil.

4a - Os factos que eventualmente fundamentem o exagero da cláusula devem ser expressamente alegados e comprovados para que possam fundamentar, além da redução, a determinação do quantum dessa redução.

Não existindo qualquer facto alegado ou provado através dos quais possa ser fixado o quantum da redução, a redução oficiosamente decidida foi-o sem qualquer base ou fundamento sendo o cálculo efectuado...

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