Acórdão nº 0331/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução12 de Abril de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO 1.

A………, com os demais sinais constantes dos autos, deduziu Oposição contra a liquidação de IRS de 2003 e coima, no valor total de € 2.104,34, alegando a caducidade do direito à liquidação por não ter sido notificado no prazo de caducidade e a inexigibilidade do IRS e coima fiscal, tendo a mesma sido julgada improcedente por sentença proferida pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

  1. Inconformado com tal decisão, veio o oponente interpor recurso, ao abrigo dos artigos 280º, nº1, e 282º, nº 1, do CPPT, alegando, nas suas conclusões, que: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo que indeferiu a oposição judicial que deu origem aos autos identificados á margem.

  2. A oposição foi apresentada na sequência da citação do Recorrente no processo de execução n.° 1350200801007076 e apensos, para que este procedesse ao pagamento de uma dívida de IRS do ano de 2003 e coima aplicada com referência ao mesmo período.

  3. O Meritíssimo Juiz a quo considerou as dívidas em causa legalmente exigíveis e, consequentemente, passíveis de cobrança coerciva 4. O Recorrente, com o devido respeito, discorda deste entendimento, considerando as liquidações efectuadas ineficazes e as dívidas, objecto da discussão, inexigíveis.

  4. No que respeita à dívida de IRS, o Meritíssimo Juiz a quo concluiu que a dívida é exigível porquanto, tratando-se de um contribuinte não residente em território nacional sem representante fiscal nomeado, não há lugar às notificações previstas no art. 92.° do CIRS, conforme resulta do previsto no art. 130.° do CIRS.

  5. Nessa medida, e não obstante reconhecer que as notificações não foram devidamente efectuadas e efectivamente recebidas, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que esta questão é totalmente irrelevante porquanto a Administração Fiscal não estaria obrigada a efectuar qualquer notificação.

  6. O Recorrente discorda em absoluto deste entendimento por considerar que referido normativo viola o Direito Comunitário na medida em que a obrigação legal nele imposta condiciona, de forma demasiado gravosa, as liberdades de circulação de pessoas e capitais e de estabelecimento, previstas nos art. 18º e 56.° do Tratado CE e nos artigo 36.° e 40.° do Acordo EEE.

  7. Este entendimento resultado do Comunicado da Comissão Europeia 1P/09/288, de 19-02-2009, disponível em www.europa.eu, o qual originou um processo contra Portugal junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que corre termos sob o número C-267/09.

  8. Com os fundamentos invocados, o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter recusado a aplicação do referido do art. 130.° do CIRS ã situação em análise por violação do Direito Comunitário.

  9. Caso este Tribunal assim o entenda, poderá a questão ser suscitada junto do próprio Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, mediante reenvio prejudicial, nos termos previstos no art. 234.° do Tratado CE.

  10. Não sendo aplicável o regime de dispensa de notificações previsto no art. 130.° do CIRS, a Administração Fiscal estaria obrigada a fazer as notificações nos termos previstos tanto no CIRS, como no CPPT.

  11. A questão da validade dessas notificações assume, por isso, relevância processual.

  12. Nessa medida, cumpre, então, avaliar se, no caso concreto, foram cumpridos os requisitos formais e legais previstos em matéria de notificações.

  13. Resulta do probatório que as notificações da liquidação de IRS e juros compensatórios foram enviadas para a “R ………”, sem qualquer indicação do número de porta, razão pela qual o funcionário dos CTT escreveu como fundamento para devolução “endereço insuficiente”.

  14. O facto de constar da “Confirmação de dados de Identificação/Inscrição” uma morada incompleta, como vem descrito na fundamentação da sentença, não é suficiente para imputar ao Recorrente a ausência de notificação válida, uma vez que o preenchimento desta declaração coube a um terceiro que invocou a qualidade de gestor de negócios.

  15. Ora, nos termos do art. 268°, n.° 1 do CC, aplicável por remissão do art. 17.° da LGT, a gestão de negócios não é eficaz em relação ao Recorrente se não for por ele ratificado.

  16. Acresce que a regra geral para as notificações, em matéria de IRS, vem prevista no art. 149.° do CIRS, que dispõe que as notificações postais devem ser feitas no domicílio do notificando por simples carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja útil.

  17. Esta é, no entanto, uma presunção ilidível - cfr. n.° 2 do art. 39.° do CPPT, aplicável por remissão expressa do n.° 5 do art. 149.° do CIRS.

  18. Estando demonstrado, como está, que as notas de liquidação foram devolvidas à Administração Fiscal, não pode, naturalmente, operar a referida presunção legal, pelo que o Recorrente não pode considerar-se notificado.

  19. Como escreve JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Vol. I, 2006, Áreas Editora, pág. 353, nota 3, “tal presunção apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no n.° 2 (…)”.

  20. No entanto, apesar de ter conhecimento da devolução das notas de liquidação e dos motivos para tal, a Administração Fiscal não efectuou qualquer outra diligência com vista à notificação do Recorrente.

  21. Atendendo ao fundamento pelo qual as notas de liquidação foram devolvidas, a Administração Fiscal poderia ter feito uso de outros meios de notificação legalmente previstos, nomeadamente da notificação edital a que se refere o n.° 4 do art. 149.° do CIRS.

  22. Podia — tal como se verificou em relação à citação para o processo de execução — requerer a colaboração das autoridades espanholas, ao abrigo das diversas directivas em matéria de assistência mútua em matéria de cobrança de impostos.

  23. A Administração Fiscal escolheu não o fazer, violando o principio geral e constitucional (cfr. n.° 3 do art. 268.° da CRP), e também princípio geral em matéria fiscal, que os actos que afectem direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, conforme dispõe o art. 36.° do CPPT.

  24. No caso em apreço, não obstante a liquidação ter sido efectuada em Dezembro de 2007 — no prazo do art. 45.° da LGT -, a mesma não foi válida e correctamente notificada ao Recorrente, nem no prazo de caducidade — que terminaria a 31 de Dezembro de 2007 -, nem posteriormente.

  25. Dúvidas não subsistem, pois, quanto à subsumpção da presente situação ao previsto na alinea e) do n.° 1 do art. 204,° do CPPT: a “falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”.

  26. Tem, por isso, razão o Recorrente ao alegar e demonstrar a ausência de notificação da liquidação de IRS de 2003 como fundamento de oposição à execução, carecendo de fundamento a decisão do Meritíssimo Juiz a quo que, nessa medida, terá que ser revogada.

  27. No que respeita à coima aplica, recorde-se que nos arts. 70º, n.° 2, e 78°, n.° 2, do RGIT vem consagrada a obrigação legal de notificação do contribuinte, em concretização dos preceitos constitucionais em matéria de direito sancionatório, previstos nos arts. 30.° e seguintes da CRP.

  28. Nessa medida, e por remissão do RGIT, em processo de contra-ordenação, as notificações serão efectuadas nos termos e de acordo com as regras previstas no CPPT, mais concretamente com o disposto nos arts. 36º e seguintes.

  29. Assim sendo, e como o Meritíssimo Juiz a quo reconhece, a notificação da aplicação de coima deveria ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção, o que se terá verificado.

  30. No entanto, e contrariamente ao alegado pelo Meritíssimo Juiz a quo, o facto de o aviso de recepção não ter sido assinado permite concluir, necessariamente, que as cartas não foram recepcionadas e, portanto, que delas não foi dado conhecimento ao Recorrente.

  31. O entendimento do Meritíssimo Juiz a quo é sustentado no disposto no n.° 5 do art. 39.° do CPPT porquanto “(...) o facto de a carta ter sido devolvida sem assinatura do aviso de recepção em nada colide, pois presume-se que a notificação foi efectuada”.

  32. Sustenta, ainda, o Meritíssimo Juiz a quo que “(..) incumbia ao oponente ilidir esta presunção, demonstrando justo impedimento ou impossibilidade de comunicação da alteração da residência.” 34. Ora, tendo a notificação sido devolvida por não ter sido efectivamente recebida, prevê o referido n.° 5 do art. 39.° do CPPT que “(...) a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de (...)”.

  33. Ou seja, a presunção de notificação prevista na parte final do referido n.° 5 a que o Meritíssimo Juiz a quo se refere é apenas aplicável à segunda notificação que, obrigatoriamente, tem que ser efectuada, no caso de a primeira vir devolvida.

  34. Não tendo havido sequer uma segunda tentativa de notificação, não se pode invocar qualquer presunção de notificação.

  35. Carece, assim, de provimento o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo ao considerar que a presunção prevista na parte final do n.° 5 do art. 39º do CPPT é aplicável no caso em apreço.

  36. No entender do Recorrente, resulta, pois, demonstrado que a notificação da decisão de aplicação de coima não foi validamente notificada ao Recorrente, não sendo a dívida em causa exigível.

  37. Em conclusão, e face a tudo o que vem exposto, o Recorrente permite-se concluir que a falta de notificação dos actos administrativos — sejam eles tributários, sejam de aplicação de coimas - implica a ineficácia dos mesmos, que não poderão ser oponíveis ao contribuinte.

  38. A consequência directa da ineficácia do acto é, naturalmente, a inexigibilidade das dívidas cuja...

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