Acórdão nº 0322/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução12 de Abril de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “Banco A……, S.A.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), invocando o disposto nos arts. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou judicialmente da decisão do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5 que a notificou para prestar garantia em ordem à suspensão da execução fiscal na sequência da impugnação judicial deduzida contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda.

    1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e, em consequência, anulou a decisão reclamada. Isto, em síntese, porque anuiu à tese da Executada, de que, tendo sido declarada a caducidade da garantia por ela prestada quando deduziu reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, é de considerar que se mantém a suspensão da execução fiscal até que seja decidida a impugnação judicial deduzida contra a decisão que indeferiu parcialmente o recurso hierárquico interposto da decisão que, por sua vez, inferiu parcialmente a referida reclamação graciosa.

    1.3 A Fazenda Pública não se conformou com essa sentença e dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « A. A douta sentença padece de erro de julgamento, em violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 103º, 169º e 183º-A, todos do CPPT.

    B. Alega o douto tribunal, em síntese, que, por virtude da garantia bancária n.º 879-02-0000827, prestada na execução 3379200501027158 e cuja caducidade foi entretanto declarada pelo órgão competente da Administração Tributária em 29.01.2007, a execução suspendeu-se, mantendo-se essa suspensão até à presente data, C. uma vez que a decisão tomada na reclamação graciosa foi objecto de recurso hierárquico e a decisão deste foi impugnada judicialmente, pelo que ainda não teve lugar “a decisão do pleito” no que concerne à legalidade da liquidação de IRC em cobrança no processo de execução fiscal n.º 3379200501027158.

    D. Entende, pois, o douto tribunal que, por força do disposto no art. 169º n.º 1 do CPPT, a execução fiscal mantém a sua suspensão na sequência da apresentação da garantia bancária, independentemente da caducidade daquela garantia, suspensão que se mantém até trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na impugnação judicial, não sendo, pois, devida qualquer outra garantia para obter o referido efeito suspensivo.

    E. Ora, a Fazenda Pública discorda com o entendimento do douto tribunal, entendimento que além de ferir o sentido jurídico do disposto nos art.ºs 103º, 169º e 183º-A todos do CPPT, atenta contra vários princípios, nomeadamente o princípio da prossecução do interesse público.

    F. Os princípios jurídicos subjacentes ao instituto da prestação de garantia idónea reconduzem-se à necessidade do Estado assegurar que o contribuinte, em caso de litígio com a Administração Tributária esteja em condições económicas de, finalizada a contenda – quando e se improcedente – cumprir com a quantia exequenda devida.

    G. Este instituto consagra, pois, o princípio da prossecução do interesse público na conduta da Administração Fiscal, em todas as suas vertentes.

    H. O instituto jurídico da prestação da garantia subsume-se, prima facie, à função primordial da Administração Tributária e de todo o complexo normativo tributário, ou seja, “…das normas que têm por objectivo assegurar a capacidade funcional do Estado, proporcionando-lhe os meios financeiros que suportam tanto a existência como do seu funcionamento” 3 [3 José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 5ª edição, Almedina] I. Ora, a necessidade de obtenção de receita fiscal é uma incumbência decorrente de um imperativo constitucional previsto nos termos do art.º 103º da Constituição da República Portuguesa, o qual prescreve no seu n.º 1 que “[o] sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas…”, pois de outra forma não se poderá assegurar “…uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.

    J. Donde, a ratio do instituto da prestação da garantia é, pois, a de assegurar o pagamento da dívida tributária – a qual é inteiramente indisponível – efectivando-se, desse modo, os interesses públicos do Estado.

    K. Feito este enquadramento e no tocante à caducidade da garantia, dispõe o n.º 1 do art.º 52º da LGT, n.º 1 e 5 do art.º 169º e 212º, ambos do CPPT, que a execução fiscal se suspende se for apresentada reclamação, recurso, impugnação judicial que tenham por objecto a discussão da legalidade da dívida exequenda ou se for recebida oposição à execução fiscal.

    L. No entanto, para obter aquela suspensão deverá ser prestada garantia, nos termos previstos nos art.ºs 52º da LGT, 169º e 199º do CPPT.

    M. Previa o então n.º 1 do art.º 183º-A do CPPT, norma aditada pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, e entretanto revogada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que a garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caducava se a reclamação graciosa não estivesse decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição, N. ou se a impugnação judicial, ou a oposição não estivessem julgados em 1ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação (na redacção conferida pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro).

    O. Verifica-se, pois, que o legislador admitiu que devia conceder tratamentos diferentes a situações obviamente diferenciadas.

    P. “A «voluntas legis» é claramente a de permitir ao contribuinte ver a sua reclamação ou qualquer outro dos procedimentos ou processos iniciados nos citados normativos rapidamente decididos, sem perder de vista o interesse de garantia de segura e certa cobrança da dívida exequenda e prevenção contra expedientes dilatórios do contribuinte” 4 [4 Acórdão do TCA Sul, processo 02154/07, de 12.02.2008].

    Q. A ratio subjacente ao instituto da caducidade da garantia, em sede de reclamação graciosa, assenta no princípio da eficiência e do dever de decisão a que a Administração tributária está vinculada. Assenta, também, num princípio de racionalidade económica.

    R. A Administração Tributária tem o dever de decidir em tempo útil.

    S. Sendo que a garantia é prestada no interesse do Estado, implicando a sua manutenção custos para o executado, o protelamento de uma decisão da Administração Tributária não deve implicar custos para aquele, devendo, outrossim, esses custos ser devolvidos à Administração Tributária.

    T. Princípios que também imperaram nas motivações do legislador [ao tempo] ao atribuir um prazo “razoável” para os tribunais produzirem uma decisão.

    U. Resulta, assim, da leitura do art.º 183º-A, e de forma clara, que o legislador distinguiu o contencioso administrativo, do contencioso judicial, V. penalizando de forma distinta a demora na prolação em sede de contencioso administrativo, da demora em sede de contencioso judicial.

    W. E se assim o fez é porque entendeu que o procedimento administrativo e o procedimento judicial são vias recursivas distintas e sem ligação entre elas que determine a continuação dos efeitos da caducidade no âmbito da nova via impugnatória, X. não configurando a impugnação judicial como uma via recursiva da reclamação graciosa, Y. pois, como é entendimento dos tribunais superiores, o sujeito passivo não está inibido de, em sede de impugnação judicial, esgrimir com vícios de que entenda padecer o acto tributário ainda que os não tenha suscitado em prévia reclamação graciosa.

    Z. Utilizando o dizer de Joaquim Freitas da Rocha, in Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 261 “Assim, reclamação e impugnação são duas garantias distintas, com igualmente distintos espaços de actuação, apesar de terem em comum os objectivos (como vimos, a anulação dos actos tributários), os fundamentos (“qualquer ilegalidade”), a inexistência de efeito suspensivo da respectiva liquidação e, em certa medida, os prazos (em regra, 120 e 90 dias). Contudo, distinguem-se nos seguintes aspectos, em geral condensados no art.º 69.º do CPPT, em referência à reclamação graciosa”.

    AA. Aliás, o prolongamento para o processo judicial de factos ocorridos no procedimento administrativo, como a caducidade da garantia, implicaria a ideia de que a impugnação é um continuum processual da reclamação graciosa.

    BB. Assentaria essa concepção na ideia de que a impugnação é a continuação da reclamação graciosa, e que a interposição da impugnação impediria que a decisão da reclamação graciosa se tornasse definitiva.

    CC. Mas esta concepção colide com os princípios do Direito Administrativo e também com o princípio da separação de poderes, pois assentaria numa confusão entre Administração e Justiça e, portanto, entre a função de administrar e de julgar.

    DD. No entanto, o que se sabe é que a impugnação judicial é um processo autónomo, de natureza diferente da reclamação graciosa e mesmo nas situações em que a impugnação judicial é deduzida após o indeferimento da reclamação graciosa, a impugnação é um processo novo, numa instância diferente, cujo objecto mediato não é a decisão proferida no procedimento gracioso, mas o acto de liquidação.

    EE. Em abono de que o procedimento gracioso e o processo judicial sã dois “litígios” distintos, a que a lei, e quanto às garantias, sabe e quer diferenciar, veja-se que o n.º 5 do 103º do CPPT diz que “Caso haja garantia prestada nos termos da alínea f) do art.º 69º, esta mantém-se, independentemente de requerimento ou despacho, sem prejuízo de poder haver lugar a notificação para o seu reforço”.

    FF. Que, em apontamento, Rui Duarte Morais, in A Execução Fiscal, 2ª edição, Almedina, pág. 80 clarifica dizendo que “O novo n.º 5 deste artigo esclarece também – e bem – uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido...

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