Acórdão nº 424/05.7TYVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelMARTINS DE SOUSA
Data da Resolução24 de Abril de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I.

AA, S.R.L.

, sociedade registada em Itália, intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB - Importação e Representações, S.A..

Pede, a final, em primeiro lugar, a reversão total, a seu favor, da marca “Foinox”, concedida à ré em 05-02-2001, sob o n.º ......, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 226.° e 34.°, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial (CPI); caso assim se não entenda, que seja anulada a referida marca, concedida à ré, com base nas disposições conjugadas dos arts. 226.° e 34.°, n.º 1, al. b), 266.°, n.º 1, al. a), e 239.°, al. f), 317.°, als. a) e c), e 266.°, n.º 1, al. b), todos do CPI, e, ainda, art. 8.° da Convenção da União de Paris; por último, deve a ré ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, acrescida dos juros de mora, desde a citação até integral pagamento e, em qualquer caso, deve ser condenada a abster-se de utilizar o sinal distintivo ”marca” nos seus produtos, papel timbrado, facturação ou em quaisquer outros elementos utilizados na sua actividade comercial, bem como a abster-se de proceder ao pedido de registo como marca de sinal distintivo de qualquer outra forma semelhante ou confundível com o sinal distintivo “marca”.

Alegou, para tanto e em síntese, que tal registo visou o aproveitamento do prestígio e fama da autora e contribuiu para a diminuição da sua credibilidade comercial ao instalar no consumidor a confusão relativamente à origem dos produtos por aquela marca denominados dado que a marca “marca” se encontra registada em Itália a seu favor.

A ré contestou, invocando, no essencial, que a autora não beneficiava, aquando do registo da marca (pela ré), de qualquer direito ou prioridade de registo sobre aquela, sustentando, igualmente, que o uso de um sinal não registado não pode consubstanciar facto gerador de concorrência desleal já que a lei a qualifica como marca livre.

Concluiu pedindo que a acção seja julgada improcedente.

No despacho saneador foi conhecido o mérito da causa, tendo a acção sido julgada improcedente.

Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto confirmado a decisão recorrida.

Subsequentemente, a autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o qual anulou o acórdão recorrido e determinou a ampliação da matéria de facto.

Remetidos os autos à 1.ª Instância, foi estabelecida a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, efectuando-se audiência de discussão e julgamento, tendo o tribunal respondido à base instrutória através do despacho de fls. 1136-1138, que não teve qualquer reclamação.

Seguidamente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos.

Após apelação da autora, a Relação do Porto, por acórdão que faz fls. 1485 a 1511, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença.

Novamente inconformada, a autora recorre de revista para este tribunal, concluindo o recurso com as seguintes conclusões: “1. O registo da marca nacional n.º 000000, “Foinox”, é inválido, por a Recorrida o ter obtido, sem autorização da Recorrente, da qual foi distribuidora e vendedora durante vários anos, desde 1994 - facto provado 5; cf. art.º 169.° do CPI/95 e art.º 6.°- septies da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20/03/1883.

  1. Sem tal autorização, o registo de marca é anulável, nos termos do art.º 214.°, n.º 1, b) do CPI/95.

  2. O 33.°, n.º 2 do CPI/95 prevê que, se reunir as condições legais, pode o interessado pedir, em vez da anulação, a reversão total ou parcial do título em seu favor.

  3. À data em que a Recorrida apresentou o pedido de registo da marca “marca” em Portugal (12/10/2000) já a Recorrente havia pedido o registo da mesma marca em Itália (19/04/1999).

  4. Sendo aplicáveis, mesmo que por mera analogia, as regras de prioridade portuguesas (art.º 11.°, n.º 1 do CPI/95), não se suscita qualquer dúvida de que o registo de marca da Recorrente goza de prioridade em face do registo de marca da Recorrida.

  5. O legislador utiliza no art.º 169.° do CPI/95 a expressão «titular de uma marca num dos países da União», quando é óbvio que o objecto da titularidade incide sobre um registo e não sobre uma marca.

  6. O art.º 6.º - septies da Convenção da União de Paris e do art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 não exclui a protecção dos «titulares de marcas» de todos os países em que esse direito não se adquire pelo registo, mas pela simples prioridade do uso (internacionalmente designada por “first to use”) ou pela notoriedade que a marca haja alcançado.

  7. A (co)existência, a nível mundial, de diversos sistemas de aquisição de direitos de marca - inclusivamente através do uso -, não admite a interpretação do art.º 6.º - septies da Convenção da União de Paris e do art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 que faz depender a protecção aí consagrada da existência prévia de um registo de marca.

  8. A interpretação que subjaz ao acórdão recorrido afasta-se do sentido razoável que o legislador pretendeu conferir ao art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95, e que não foi, decerto, o de excluir a protecção dos «titulares de marcas» dos (muitos) países-membros da União de Paris que não têm um sistema de aquisição de direitos de marca igual ao Português.

  9. A invocação da relevância de um direito de marca adquirido à luz da lei de Propriedade Industrial da Itália não constitui uma questão nova, mas argumento de direito, cuja invocação se tornou indispensável com a decisão da 1.ª Instância - e se mantém, em face da decisão recorrida -, por as Instâncias terem interpretado e aplicado o art.º 196.°, n.º 1 do CPI/95 e o art.º 6.º - septies da Convenção da União de Paris, sem conhecer, como deviam, da lei que regula a aquisição do direito de marca no país de origem de quem a reclama - in casu, a lei italiana - e se ter(em) circunscrito à lei portuguesa, desvirtuando o seu alcance e, desse modo, fazendo uma errada interpretação e aplicação desta ao caso dos autos.

  10. Conclui-se que o acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 11.°, 170.° 196.°, n.º 1 e 214.°, n.º 1, b) do CPI/95, devendo por isso ser revogado, sendo a acção julgada totalmente procedente por provada.

  11. O registo da marca “Foinix”, pela Ré, infringe o direito ao nome comercial “Foinix, S.R.L”, previamente constituído em Itália.

  12. Os factos provados 1, 5 e 8 são suficientes para provocar a invalidade do registo da marca nacional n.º 000000, "marca”, nos termos do art.º 33.°, n.° 1, al. b) do CPI/95 - referido ao art.º 189.° n.º 1, al. f) -, e no art.º 8.° da já referida CUP.

  13. No acórdão recorrido faz-se uma interpretação do disposto no art.º 8.° da CUP, que colide com o próprio texto da norma, reduzindo a quase nada o seu efeito útil.

  14. Por via do art.º 8.° da CUP, todos os países-membros da União de Paris obrigaram-se a dar um tratamento mais favorável aos nomes comerciais dos outros países-membros, que beneficiam de uma isenção de registo ou de depósito em todos os restantes países da União.

  15. Uma denominação social portuguesa será protegida na Itália, independentemente de registo nesse país (mesmo que esse registo for exigido às sociedade italianas), e, segundo a referida regra de reciprocidade, uma denominação social italiana gozará de protecção em Portugal, independentemente de registo no nosso país.

  16. É por força desse espírito “unionista” que os países-membros (incluindo Portugal e a Itália) decidiram perfilhar a regra de protecção nacional dos nomes comerciais estrangeiros, que serão protegidos num dado país - membro sem terem de cumprir as exigências de registo do mesmo.

  17. Para além de errada interpretação da lei, no acórdão recorrido faz-se, até, uma deficiente leitura do acórdão da Relação de Lisboa de 15/01/2007 (Apelação n.º 00000) que foi invocado, pois neste concluiu-se que «A protecção do nome comercial ao abrigo do art.º 8, da Convenção da União de Paris, impõe o uso ou o facto do referido nome ser notoriamente conhecido no país onde se pretenda a referida protecção» - e não apenas este último caso.

  18. A matéria de facto dada como provada permite concluir que a denominação social “AA, S.R.L.”, da Recorrente, é usada e conhecida em Portugal - desde logo, pela Recorrida... - vd. facto 5.

  19. A documentação que está junta aos autos sobre o relacionamento comercial entre as partes e as próprias regras da experiência conduzem a concluir que os produtos “Foinox” da Recorrente que foram vendidos em Portugal pela Recorrida continham a indicação do nome da fabricante, para além da marca “Foinox”.

  20. O quadro factual provado não permite qualquer dúvida do uso em Portugal da denominação social da Recorrente, pelas formas usuais no comércio, isto é, na facturação, em referências na rotulagem de produtos, em catálogos, na correspondência comercial, documentos oficiais de importação e circulação de bens, etc.

  21. Mas... o art.º 8.° da CUP nem sequer exige que o nome comercial seja usado ou notoriamente conhecido no país em que é reclamada a sua protecção...

  22. Desde há muito que existe jurisprudência em sentido oposto a esse, sendo disso exemplo, o douto acórdão da Relação de Lisboa, de 06/10/88 (sumário publicado no B.M.J, n.º 380, p. 527), no qual se concluiu que a legislação interna sobre firmas ou denominações sociais «(...) por força dos princípios constitucionais, não pode contradizer ou limitar a Convenção da União de Paris, publicada no Diário do Governo de 6 de Fevereiro de 1950».

  23. Nesse douto acórdão acrescenta-se que «O nome comercial que goza de protecção no país de origem, não carece de estar registado nos outros países da União para aí beneficiar do princípio da exclusividade ou novidade».

  24. E também o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou no mesmo sentido em várias ocasiões, por exemplo, no acórdão de 11/07/61 (Proc.º n.º 58568), onde concluiu que «A firma, ou a denominação...

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