Acórdão nº 4797/07.9TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2012
Magistrado Responsável | ALVES VELHO |
Data da Resolução | 17 de Abril de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA intentou acção declarativa contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe quantia de 150.000,00€, acrescida de juros legais desde a data da citação, como reparação por danos não patrimoniais por ele sofridos com a conduta do Réu.
Alegou, em síntese, que exerce funções como Juiz de Direito no Círculo Judicial de Cascais desde 20/09/03, tendo, no exercício dessa actividade, presidido à audiência de julgamento em que o R. patrocinava a CC; a audiência de julgamento findou em 06/02/06 e, proferida sentença, ambas as partes recorreram; em 01/03/07, o R. entregou no C.S.M. uma participação, na qual escreveu ter existido evidente conluio do A. com uma Ré do processo, assumindo o participante que existiam fortes indícios de corrupção do A. e requerendo que se investigassem os seus meios de fortuna e com que meios adquiriu o prédio de Cascais em que reside. A participação abalou a imagem do A. junto dos seus colegas e advogados que, por via dos factos nela vertidos, se sentiu atingido na sua dignidade e honra, ficou preocupado, deprimido e ansioso.
O Réu contestou, alegando, em resumo, que sempre pautou a sua conduta pela defesa da dignidade da magistratura e o maior respeito e colaboração com os profissionais dos tribunais, sendo que as expressões que constam da participação, resultaram da conjugação de várias circunstâncias, nomeadamente o estado de espírito do R., perturbado por grave doença oncológica, pelo facto de o legal representante de uma Ré se gabar de ter todas as garantias de um julgamento favorável por parte do A., por ter entendido que o A. praticou erros grosseiros na avaliação da prova e subsequente sentença e pela forma como lidou com ele, R., em contraponto à forma como lidou com o Advogado da parte contrária. Acrescentou ter agido apenas enquanto Advogado, no âmbito do patrocínio que lhe fora cometido, embora o pudesse ter feito de forma excessiva.
Foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o R. a pagar ao A. a quantia de 50.000,00 euros.
O R. recorreu, requerendo, além do mais, a ampliação da matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação anulado a decisão recorrida e todos os actos processuais a esta subsequentes, "...para se apurar toda a factualidade controvertida relevante para a decisão, nomeadamente a que se referenciou (a relacionada com os arts. que não foram levados à BI art. 34, 35 e 40 e segs. e matéria de facto que seja possível apurar, não sendo conclusiva nem de direito) …".
Em cumprimento do ordenado, o Tribunal a quo proferiu despacho, aditando à B.I. mais cinco quesitos.
Dessa decisão reclamou o R., por entender que não havia sido aditada outra matéria de facto relevante para a decisão da causa, relativa aos arts. 40.° e ss. e 14.° e 15.° da contestação, reclamação atendida, quanto à matéria do art. 40º (novo quesito 6º), mas indeferida na parte restante.
Desse indeferimento, o Réu interpôs recurso de agravo, visando a inserção na B. I. da factualidade constante do art. 14º da contestação.
Após a reabertura do julgamento, foi proferiu nova sentença que repôs a condenação do R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000,00, atribuiu os juros moratórios a partir da data da sentença e isentou o A. das custas.
Ambas as Partes interpuseram recurso de apelação, sendo o do Réu subordinado.
Apreciando os recursos, no acórdão impugnado decidiu-se: “a) Negar provimento ao agravo, confirmando-se, consequentemente, o despacho recorrido; b) Negar provimento à apelação principal interposta pelo R. e, consequentemente, confirmar, neste particular, a decisão recorrida; c) Conceder parcial provimento à apelação interposta pelo A. e, consequentemente, revogar parcialmente a decisão recorrida, condenando-se agora o R. a pagar ao A. a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescido de juros a contar da sentença (fls. 484); d)No mais, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo agravante/apelante principal/R. e pelo apelante /A., na proporção dos respectivos decaimentos, estando, no entanto, o A. isento de custas”.
O Réu interpõe agora recurso de revista em que formula, a final, a pretensão de ser absolvido do pedido ou, no limite não ultrapassar a indemnização a quantia de 2.500,00€, sem prejuízo da ponderação das questões processuais alegadas (ampliação da base instrutória, como pedido no agravo não provido, e alteração da matéria de facto, quanto à resposta ao quesito 6º).
Para tanto, nas conclusões que se transcrevem, argumenta como segue.
A - O presente recurso tem o seguinte objecto: a) a matéria do agravo referente ao despacho que não admitiu o aditamento à BI da factualidade constante do artigo 14° da contestação do Recorrente: violação do art. 511°, n.º 1 do CPC; b) o erro processual relativo aos termos em que a Relação apreciou a impugnação da matéria de facto referente à resposta ao quesito 6° da primitiva BI: violação dos arts. 653°, n.º 2 e 712°, n.º 2 do CPC; c) a questão da ilicitude dos actos imputados ao Recorrente; d) o montante indemnizatório arbitrado; e) a condenação em custas.
B - Está em causa o facto de o Tribunal de 1.ª instância não ter levado à base instrutória um quesito do seguinte teor: "A motivação que presidiu à utilização (na participação ao CSM) pelo R. das expressões em apreço foi o resultado da conjugação das circunstâncias referidas no art. 14° da contestação, tal como por ele foram avaliadas?" C - No acórdão ora recorrido, não se acolhe a argumentação do agravante, uma vez que a factualidade relevante teria sido acolhida no aditamento à BI subsequente ao acórdão da Relação de 16/04/09, restando apenas matéria de carácter conclusivo, que não caberia quesitar, dado que - como esse acórdão da Relação também refere - não cabe levar à BI nem matéria conclusiva, nem matéria de direito.
D - Porém, a tese do acórdão recorrido não colhe.
É que a matéria do art. 14° da contestação tem a ver com aquilo que determinou o estado de espírito que levou o Recorrente a praticar a denúncia ao CSM nos termos em que o fez. E a ponderação da relação entre esse conjunto de circunstâncias e o comportamento do Recorrente é decisiva para avaliar da boa fé da sua atitude ou, pelo contrário, da natureza gratuita da sua motivação.
É certo que algumas das circunstâncias constantes das alíneas de tal art. 14° da contestação acabaram por ser objecto de quesitação autónoma, continuando, contudo, a faltar a referência à matéria da alínea b), que tem a ver com a percepção do R. quanto à natureza dos alegados "erros grosseiros" pelo Sr. Juiz, ora Recorrido, o que, conjugado com os outros elementos, o determinou a fazer a denúncia em apreço.
Naturalmente que não cabe nestes autos proceder à análise daquilo que o R., ora Recorrente, entende que foram os "erros grosseiros" do A., ora Recorrido, mas tão somente ponderar se a percepção que o R. teve desses alegados "erros grosseiros", devidamente conjugada com as outras circunstâncias invocadas, justifica a boa fé - ou, pelo menos, a ausência de um propósito malévolo - por parte do ora Recorrente.
E - Pelo exposto, uma aplicação adequada do art. 511°, n.º1 do CPC - que estipula que deve ser levada à BI a matéria de facto relevante para as várias soluções de direito plausíveis - levaria a que a matéria do art. 14° da contestação fosse levada à BI, razão pela qual, não o tendo sido, se mostra violado aquele preceito legal.
F - Em qualquer caso, o entendimento do art. 511 ° n.º 1 do CPC - no sentido de que não são relevantes para a causa as várias circunstâncias concretas que levaram alguém, ainda por cima advogado, a participar ao CSM determinada conduta de um magistrado, numa acção de responsabilidade civil em que se discute a ilicitude e a culpa do réu da acção - é inconstitucional, por violação do princípio de um processo equitativo (cfr. art. 20° n.º 4 CRP e art. 6° da CEDH).
G - Na 1 ª instância, o Tribunal deu como "provado" a matéria do quesito 6° da primitiva BI, onde se perguntava: "em consequência, o A. anda deprimido, nervoso, ansioso e com perturbações de sono?" H - Na apelação, o Recorrente alegou que a prova produzida em audiência de julgamento não permitiria sustentar a resposta de "provado" relativamente a todas essas alegadas sequelas da denúncia efectuada, o que se mantém, muito embora a sua argumentação, nessa sede, não possa agora ser apreciada, uma vez que o STJ não aprecia matéria de facto.
I - Porém, num segmento, é manifesto que a Relação cometeu um erro processual na forma como apreciou a questão, já que o acórdão recorrido reconheceu, afinal, que os depoimentos em que se funda a resposta de "provado" se reportaram às sequelas causadas ao A., ora Recorrido, em data anterior à da propositura da acção.
J - Assim sendo, a resposta ao quesito nunca pode ser a de "provado", mas, no limite, terá de ser ''provado à data da propositura da acção".
E essa distinção faz toda a diferença, porque uma coisa são os incómodos sofridos pelo A. quando teve conhecimento da participação ao CSM, outra coisa é a manutenção de tais danos em termos que quase corresponderiam a uma incapacidade permanente, o que manifestamente não ficou provado.
K - Pelo exposto, o acórdão recorrido aplicou erroneamente o art. 653°, n.º 2 do CPC, devidamente conjugado com o art. 712°, n.º 2 do mesmo código, uma vez que considerando os termos da sua própria fundamentação - deveria ter alterado a resposta ao quesito em apreço nos termos acima enunciados.
L - Por outro lado, o comportamento do Recorrente não é ilícito, uma vez que não se demonstrou que ele agiu de forma gratuita ou malévola.
Pode até ter avaliado mal as circunstâncias do caso, mas isso não o pode inibir no exercício do direito e do dever que praticou.
M - Estamos num quadro de conflito de interesses, em que o inquestionável direito à honra do A. não tem um valor superior ao direito do R. a apresentar queixa a quem de direito, a menos que se tivesse provado que a sua acção fora puramente gratuita ou malévola, o...
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Acórdão nº 1188/11.0TTVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014
...infundadas ou destituídas de base factual. [14] Como paradigmaticamente se refere no sumário do Ac. de 17-04-2012 deste S.T.J. (P. 4797/07.9TVLSB.L2.S1, 1ª Secção/Alves velho), a propósito do direito de participar (v.g. criminal e/ou disciplinarmente): I- O direito de participar criminal e ......
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Acórdão nº 1188/11.0TTVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014
...infundadas ou destituídas de base factual. [14] Como paradigmaticamente se refere no sumário do Ac. de 17-04-2012 deste S.T.J. (P. 4797/07.9TVLSB.L2.S1, 1ª Secção/Alves velho), a propósito do direito de participar (v.g. criminal e/ou disciplinarmente): I- O direito de participar criminal e ......