Acórdão nº 278/2001.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução29 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, viúva, por si e na qualidade de legal representante das suas filhas menores, BB, CC e DD, intentou, em 8.11.2011, pelo Tribunal Judicial da Comarca de S. João da Pesqueira, acção declarativa de condenação (despejo), contra: EE e marido FF.

Pedindo que:

  1. Se decrete a resolução do contrato de arrendamento entre a Autora e os RR., ordenando-se o despejo imediato do locado, com fundamento não pagamento da renda na forma e nos termos que haviam sido convencionados, e pagamento tardio da mesma renda relativamente aos meses que refere – art. 64º-1/a, do RAU – realização de obras não autorizadas no locado – art. 64º-1/d) do RAU – cedência indevida do locado a terceiros – art. 64º-1/f) do RAU – e uso do locado para actividades não previstas na finalidade do contrato – art. 64º-1/b) e) do RAU.

  2. Pediu ainda a condenação dos RR. a pagar à Autora o valor de 1.100.000$00 (€ 5.486,78) – correspondendo a 25.000$00 (€ 124,70) /mês x 55 meses, do montante da renda que os RR. deixaram de pagar a partir de 09/04/97 –, acrescido da mesma diferença mensal vincenda, até à entrega efectiva das instalações e de juros à taxa legal, desde a citação.

    Os Réus contestaram, impugnando os factos alegados pela Autora, e em reconvenção, pediram por sua vez a condenação daquela a pagar € 50.099,47 a título de indemnização por benfeitorias necessárias realizadas no prédio arrendado, e o pagamento de € 60.367,15, a título de indemnização por benfeitorias úteis, cujo levantamento alegam ser impossível sem deterioração do locado.

    A Autora/reconvinda replicou, impugnando os factos alegados pelos RR./reconvintes, designadamente, para fundamentar a reconvenção.

    *** Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo, em consequência, os RR. do pedido, e julgou prejudicada, em face da improcedência da acção, a apreciação do pedido reconvencional.

    *** Inconformados, a Autora e os RR. recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 29.9.2011 – fls. 946 a 981 – sentenciou: “i – Concedem provimento ao agravo interposto da decisão que condenou a autora como litigante de má-fé, revogando em consequência esta decisão.

    ii – Negam provimento ao agravo interposto da decisão que indeferiu o despejo imediato, confirmando a decisão recorrida ainda que por fundamento não coincidente com os que desta constam; iii – Julgam a apelação parcialmente procedente e, com fundamento na realização pelos RR., e sem consentimento da autora, de obras que alteram substancialmente a estrutura externa e a divisão interna do prédio arrendado, e por referência ao disposto no art. 64º/1/d) do RAU, declaram resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre Autora e RR., condenando estes a entregar de imediato o prédio à autora, livre e desocupado de pessoas e bens; iv – Mais julgam parcialmente provado e procedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR. e em consequência condenam a Autora a pagar aos RR., a título de indemnização pelas benfeitorias realizadas e comprovadas nos autos, o valor, a liquidar em execução de sentença, correspondente à indemnização enquanto possuidores de má-fé, nos termos dos artigos 1043º/1), 1273º, do Código Civil, tendo como limite máximo o valor peticionado pelos RR a título de indemnização por essas mesmas obras.

    […]. ” *** Inconformados, recorreram a Autora e os RR. para este Supremo Tribunal de Justiça.

    *** Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1ª Estando provado que o pagamento das rendas deveria ter lugar no domicílio da Autora e que esta nunca se recusara a recebê-las em casa, não podiam os RR., de improviso e sem explicação, passar a depositá-las no Banco.

    2ª E o facto de a Autora as ir levantando não pôde ter feito precludir o direito que lhe assistia de pedir a resolução do contrato com base no seu depósito indevido, na medida em que, tratando-se de um facto continuado, só relevaria se os RR. passassem a pagar-lhas em sua casa e esta tivesse deixado decorrer mais de 1 ano sem se lhes opor.

    3ª Daí que, à luz do art. 64°-a) do RAU, não alegando nem provando os RR factos justificativos daqueles depósitos, violaram o acordado no contrato de arrendamento. (vide, o Ac. RE de 14.4.94, in BMJ 436°-460, onde se decidiu que “não provando os RR que ofereceram a renda à Autora em sua casa, e que esta se recusou a recebê-la, estão sempre em mora solvendi uma vez que o ónus de alegar e de provar tais factos recai apenas sobre os depositantes”).

    4ª E prova de que o valor das rendas a partir de Abril de 1996 fora alterado de 80.000$00 para 100.000$00 resulta dos extractos da conta onde os RR. efectuavam aqueles depósitos, assim se mantendo durante mais de 1 ano, até voltarem à renda antiga.

    5ª O douto acórdão recorrido não se afigura justo, ao julgar nessa vertente decisória, pois, não estando em causa a extinção, ampliação ou modificação absoluta do contrato, e uma vez que o seu pagamento constitui uma manifestação prática do parcial cumprimento, a prova da alteração do valor há-de resultar da essência do próprio depósito, revelador objectivo da intenção de quem deposita e de quem recebe.

    6ª - À luz do art. 646ª-4 do Código de Processo Civil, deverão ser tidas como não escritas as respostas negativas aos quesitos 3° e 4° da B.I., devendo substituir-se por uma só, onde se dê como provado que o valor da renda foi alterado pelo RR. em Abril de 1996, de 80.000$00 para 100.000$00, o que a Autora aceitou, levantando essa importância mensalmente e durante mais de 1 ano e que estes, a partir de Abril de 1997, passaram a depositar apenas a quantia de 80.000$00.

    7ª - Provado documentalmente que os RR. cederam a plena fruição das instalações à sociedade por quotas “O Recanto, Café, Salão de Jogos, Lda.”, que passou a explorar o estabelecimento até 2009, altura em que foi dissolvida, não podiam as instâncias aceitar como boa justificação a ocorrência de um acidente sofrido pela Ré esposa, sem que se provasse que o Réu marido não podia suprir a sua “incapacidade temporária” ou que as lesões a teriam impedido de se manter no Café, para além de que consta da al. NN) da Esp. que aquela só esteve internada em Outubro de 1993, cerca de 1 mês.

    8ª Não se aperceberam, ainda, as instâncias que os RR. chegaram ao cúmulo de alegarem nos arts 68° a 71° da contestação que “tudo não passava de mais uma fantasia da Autora”, razão porque nem sequer se valorou que tais factos eram do conhecimento pessoal dos RR, o que se teria evitado dar o acidente como fundamento válido para responder afirmativamente ao quesito 17°, cujo teor, por via disso e do 646°-4 do Código de Processo Civil, deverá ser tido como não escrito.

    9ª Daí resultando ser inadmissível em direito a ilação colhida das als. NN) e 00) da matéria assente e que veio a transitar para o 80° item da sentença, sendo certo que os factos elencados nos itens 26 27, 28, 29 e 30 - ponto 11-2.1 podem só ter começado a passar-se após o acidente que vitimou a Ré, mas o que não podem é ter-se como fundamento para justificar que o estabelecimento em causa entre 1996 e 2009 esteve a ser explorado por uma determinada sociedade até 2009, por causa daquela ocorrência.

    10ª Foram dados de arrendamento aos RR. dois pisos amplos, porque estes lhes bastavam, na altura, atenta a actividade que ali diziam ir desenvolver, e que consistia, apenas, na exploração de um café, ao nível do r/chão, e de um bilhar livre, na cave, únicos fins contemplados no contrato.

    11ª Tratando o locado como se fora sua propriedade, acabaram por afectá-lo não apenas a Café e a mesas de bilhar, mas também às mais diversas actividades lúdicas, para o que montaram ali um salão de jogos, com várias máquinas, algumas eufemisticamente designadas por flippers, como eles próprios confessam nos arts 12°, 13°, 22°, 73° e 74° da contestação.

    12ª Mas, ainda, porque a ninguém é lícito nem ético quando as coisas correm mal, arrimar-se ao enriquecimento sem causa, para se desvincular do cumprimento de uma obrigação que se assumira com plena consciência e em absoluta liberdade, maxime quando essas supostas benfeitorias não passam, para a Autora, de malfeitorias, pois terá de gastar ainda mais dinheiro para repor o prédio como estava antes, do que o valor que as mesmas lhe teriam acrescentado, que só servem se ela ou eventuais inquilinos vierem a dedicar-se ao mesmo ramo de actividade e tiverem os gostos e necessidades dos RR.

    13ª Mostra-se, assim, o douto acórdão em mérito, incurso na prática da nulidade prevista no art. 668°-1,d) do Código de Processo Civil, na medida em que conheceu de questão que lhe estava vedado apreciar, com isso violando o princípio da liberdade contratual, no sentido de que as partes podem renunciar a determinados direitos, sempre que a lei os considere disponíveis, como é o caso, e sobretudo, quando tais direitos ou faculdades a que se renuncia não sejam de carácter imperativo, inarredável e instituídos no interesse público.

    Nestes termos, deverá confirmar-se, por um lado, o douto acórdão, na parte em que determinou a resolução do contrato — não apenas com base na realização das obras ilícitas, mas também nas demais vertentes que integravam a causa de pedir, que atrás se referem — e revogar-se o mesmo, por outro, no tocante ao pedido reconvencional, do qual será a recorrente absolvida.

    *** Os RR., alegando, formularam as seguintes conclusões: 1º O douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, perante os factos assentes das alíneas L), M), N), R) e X) — realização das referenciadas obras pelos RR. – por se tratarem de obras que alteraram substancialmente a estrutura externa e a divisão interna do prédio arrendado, efectuadas sem a prévia autorização da Autora, por referência ao disposto no art. 64.° n.° 1 al. d) do RAU declarou resolvido o contrato de arrendamento em mérito nos autos, condenando os RR. a entregar de imediato o prédio à autora, livre e desocupado de pessoas e bens.

    1. Não podem, pois, os ora...

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