Acórdão nº 0426/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução15 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A……, magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador-Geral Adjunto, veio intentar a presente acção administrativa especial contra o Conselho Superior de Ministério Púbico (CSMP), pedindo a declaração de nulidade ou anulação da deliberação do Plenário do mesmo CSMP, de 19.2.2010, que indeferiu reclamação da deliberação, de 16.12.2009, da respectiva Secção Disciplinar e, por consequência, manteve a aplicação ao Autor (A) da sanção disciplinar de 30 dias de suspensão.

Na petição inicial, diz o A., em síntese, que o acto contenciosamente impugnado é inválido, por inexistência das infrações disciplinares, que lhe são imputadas, e consequente vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.

O Réu (R.) CSMP, na contestação (fls. 296, ss., dos autos), defende a legalidade daquela deliberação e, por consequência, a improcedência do pedido impugnatório formulado.

Notificado o A., nos termos e para os efeitos do disposto no art. 91, nº 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), apresentou alegação (fls. 327, ss., dos autos), com as seguintes conclusões: a. Objectivamente, isto é, sem prejuízo da recta intenção de quem quer que seja, a inculpação de A…… satisfazia o interesse tanto do PGR, como do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, fazendo do A. um bode expiatório. O que a punição anulanda vem confirmar. É que, b. Verdadeiro ou falso - indiferente para o efeito -, é um dado adquirido, na e para a opinião pública, que o processo …… tem dado lugar a pressões para o seu arquivamento, a benefício do PM.

  1. De quem? Na mesma opinião pública, e até 31 de Março de 2009, do PGR e da Directora do DCIAP. Alguém os puniu por isso? Não.

  2. A partir de 31 de Março de 2009, com trânsito na opinião pública, o Dr. A…… é o autor das pressões e é agora punido por tal facto.

  3. Castigado o A., já ninguém reclama justiça pelas pressões da hierarquia, apesar de - memória curta das massas – o Dr. A…… não ser hierarquia, nem estar acusado de, antes de 24 de Março de 2009, ter pressionado quem quer que seja.

  4. Não é preciso mais para "exemplo de manual" do que constitui ser bode expiatório.

  5. E isto quando a Drª B…… vem, no voto de vencido de fls. 897 dos autos disciplinares, repetido na deliberação do Plenário, dizer o óbvio: do relato de acusados e acusadores não há "prova directa"; divergem eles quanto ao "sentido, contexto e intencionalidade da conversa", donde, aplique-se o in dubio.

    Ela, que de entre os membros da Secção Disciplinar, foi a única que, na reunião havida na PGR, em 01 de Abril de 2009, ouviu da boca dos próprios as respectivas versões.

  6. Interessante é que esse é também o entendimento do... Dr. C…… – fls. 186 e 610 a 612 dos autos disciplinares.

  7. Os denominados "factos ocorridos entre os Procuradores do caso "......" e o Membro Nacional da Eurojust desdobram-se em duas situações, relatadas na acusação de fls. 261 e segs. dos autos disciplinares – a conversa de 24 de Março de 2009 e os telefonemas da tarde de 26 do mesmo mês e ano.

  8. E diz-se os telefonemas de 26 de Março, apesar de, a final, a respectiva matéria e qualificação antidisciplinar terem sido abandonadas, porque são aqueles telefonemas que contribuem, decisivamente, para a histeria que invadiu os acusadores e acabou por dar lugar aos autos cuja decisão ora se impugna.

  9. Em 24 de Março de 2009, era o A. quem assegurava, na Eurojust, e para o processo "......", a cooperação entre as autoridades portuguesas e as autoridades britânicas.

    1. O A., na manhã de 24 de Março de 2009, telefonou ao Procurador da República Dr. C……, dando-lhe nota de que precisava de ter uma conversa pessoal e a sós com ele e com o Procurador da República Dr. D…….

  10. A conversa a sós teve lugar, na tarde de 24, no gabinete do Dr. C…….

  11. O conteúdo alegadamente inédito da inesperada conversa supra referida e o insólito tom alegadamente sério e de aviso do A. convenceram os mencionados Procuradores da realidade do que lhes era transmitido, que interpretaram como recados de destacados membros do Governo.

  12. Recados cuja transmissão pelo A. constituía, para eles, "indevida ingerência (...) na sua autonomia de magistrados do Ministério Público, como titulares da direcção do citado processo "......".

  13. Na versão da acusação, o A., em tom sério e de aviso, informou os Procuradores do caso "......" de que o Ministro da Justiça estava preocupado com a morosidade do processo "......" e com a gestão política dos tempos de realização das diligências de investigação desse inquérito.

  14. Mais: que o Primeiro-Ministro lhes mandava dizer que estavam sozinhos no processo, sem respaldo da hierarquia, e que se o PS, por causa do processo, perdesse a maioria absoluta iria haver retaliações sobre o MP.

  15. A alegada preocupação do Ministro da Justiça revela uma opinião sobre a celeridade do processo e a motivarão dos timings das respectivas diligências, que, curto e grosso, não aquenta nem arrefenta.

  16. E isto porque a preocupação com a celeridade era uma pública, notória e reiterada preocupação do PM e do PGR; o tema da gestão política dos tempos de realização de diligências tem sido conversa recorrente de todos nós em todos os processos com relevância politica.

  17. Já a comunicação do Primeiro-Ministro, se fosse só isso o que o A., segundo a acusação, tivesse dito aos Procuradores C…… e D……, não era apenas um recado, mas uma ameaça pura e dura u. E isto porque a circunstância de o PM, invocar, alegadamente, factos que evidenciariam que C…… e D…… eram parciais e que o primeiro tinha telhados de vidro, nada acrescenta ao sentido seja do recado, seja da ameaça, quando a função de D…… no gabinete de Cravinho é tão pública como o Diário da República, e de fls. 96 do processo disciplinar resulta, que, ao tempo dos autos, sabia C…… que pendia contra ele queixa por violação do segredo de justiça por alegada passagem de informações a uma jornalista.

  18. Aos referidos Procuradores, disse o A., ainda na versão da acusação, que o Ministro lhe tinha perguntado se os titulares do processo "......" eram magistrados capazes de não fazerem o aproveitamento político do processo, ao que o A. retorquiu poder afiançar tratar-se de magistrados da maior confiança, sérios e competentes, e que (...) por eles punha as mãos no fogo".

  19. Um mínimo de conhecimento das regras da experiência comum não pode levar a concluir que alguém que diz de dois magistrados – e in actu lhes diz – que são da maior confiança, sérios e competentes, e que, por eles, em sede de aproveitamento politico, põe as mãos no fogo, está, no mesmo acto, não a partilhar, e com esse animus actuando, uma alegada conversa, mas a transmitir-lhes uma ameaça, bref, a ameaçá-los, para que actuem no processo em termos de o PS não perder a maioria absoluta.

  20. A autonomia dos Drs. C…… e D…… enquanto magistrados do MP titulares da direcção do processo "......" consiste em poderem actuar sem dependência de outros poderes exteriores àquela magistratura, concretizando-se essa autonomia (i) na vinculação destes magistrados a critérios de legalidade e objectividade e (ii) na sua exclusiva sujeição as directivas, ordens e instruções previstas no EMP.

  21. Não constituindo a conversa de 24 de Março uma ameaça, ou, com esse animus, a transmissão de uma ameaça, como reconhece a acusação, o seu teor, admitindo sem conceder a versão dos Procuradores, não representa uma indevida intervenção/intromissão na autonomia do MP, concretizada, no caso, na capacidade, e sua integridade, de os referidos magistrados actuarem, no caso "......", segundo critérios de legalidade e objectividade, quando o A. lhes esta a dizer que eles são sérios, da maior confiança e competentes, e que por eles põe as mãos no fogo.

  22. Não faz sentido que de um – e a um - magistrado do MP se declare que ele é incapaz de fazer quer o aproveitamento político de um processo, quer a gestão política dos tempos de realização das diligências de investigação, e, no mesmo acto, o declarante intervenha para, no mínimo, o condicionar, ao serviço dos alegados recados, isto é, dirigindo o processo com critérios políticos, e não de estrita legalidade e objectividade?! aa. E que isto constitui, in casu, o mínimo que ingerência pode significar. Ou então não quer dizer nada.

    bb. Mais: com os mesmos fundamentos, a conversa de 24 de Março, mesmo na versão da acusação, não representa uma intervenção/intromissão do A., no sentido de os Procuradores do caso "......" se pautarem por indicações diversas das contidas nas directivas, ordens e instruções previstas no EMP, que é a outra face da autonomia.

    cc. E isto quando se tinha tratado, na percepção do Dr. C……, de uma conversa “( ... ) a título confidencial e de amizade”.

    dd. Tudo visto, resta o tom sério ou grave e de aviso, onde vale a declaração de voto de B…… – sem prova directa, não pode aceitar-se o tom sério e de aviso, negado pelo acusado, só porque os acusadores o afirmam.

    ee. Quanto aos telefonemas de 26 de Março, que deixaram de ser considerados com relevância disciplinar, mas importam para a contextualização das condutas de A. e Procuradores, o que estava em causa, e o recente despacho de arquivamento do processo veio confirmar – e era o facto, largamente noticiado por toda a imprensa, da alegada existência, no caso "......", de pagamentos recentes, a partir de cuja data se contariam os 5 anos da prescrição.

    ff. Por isso os elementos doutrinários sobre o momento da consumação, que, em errada interpretação, estava a ser colocado, também, no acto de recebimento de dinheiro, não fazendo qualquer sentido que o A. fosse recolher elementos para convencer um convencido – o Dr. C…….

    gg. Mais: sem prejuízo das relações de amizade e de companheirismo que existiam entre o A. e os referidos Procuradores, o primeiro, como membro nacional da Eurojust, tem estrita obrigação funcional de alertar os titulares de inquérito para a eventual prescrição do...

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