Acórdão nº 134/09.6TTGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Março de 2012
Magistrado Responsável | FERREIRA DA COSTA |
Data da Resolução | 19 de Março de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Reg. N.º 811 Proc. N.º 134/09.6TTGDM.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B… deduziu em 2009-03-24 contra C…, S.A.
, a presente ação declarativa, com processo comum, pedindo que se condene a R. a pagar à A. as seguintes quantias: a) - € 12.166,67, de retribuição de dezembro, janeiro e 13 dias de fevereiro; b) - € 5.000,00, de subsídio de Natal de 2008; c) - € 10.000, de férias e subsídio de férias vencidos em 2009; d) - € 2.292,00 (€ 764,00 x 3) de proporcionais de férias e dos subsídios de férias e de Natal do ano da cessação do contrato; e) - € 150.000, de indemnização pela cessação do contrato, acrescida da transmissão para a A. da propriedade do veículo de matrícula ..-EC-..; f) - € 50,00 por cada dia de atraso na transmissão da propriedade do veículo, a título de sanção pecuniária compulsória e g) - Juros de mora à taxa legal desde 2009-02-13 sobre a quantia de € 179.458,67.
Alegou a A. que por contrato de trabalho escrito, em regime de comissão de serviço, foi admitida em 2007-10-01, para exercer as funções de técnico oficial de contas e de direção administrativa e financeira, sob a autoridade e direção da R., mediante a retribuição mensal de €5.000,00, tendo-lhe sido atribuída, para uso total, uma viatura da gama até € 50.000,00, com custos de manutenção, seguros, impostos e taxas a cargo da R., correspondente a retribuição em espécie no valor de € 1.000,00 mensais e ainda um telemóvel e despesas de alimentação e de representação de valor não inferior a € 400,00 mensais. Mais alegou que foi acordado que, em caso de cessação do contrato por qualquer motivo que não fosse a justa causa, a R. indemnizaria a A. em € 150.000,00 e transmitiria para esta a propriedade do veículo que lhe estava atribuído. Alegou ainda que a partir do final de dezembro de 2008, a R. lhe retirou o acesso à contabilidade e a senha de acesso ao sistema informático, bem como as pastas dos documentos da contabilidade e nomeou novo TOC, pretendendo que a A. se mantivesse no gabinete vazio, sendo certo que não lhe pagou a retribuição de dezembro e o subsídio de Natal de 2008 e a retribuição de janeiro de 2009, ao contrário dos demais trabalhadores e que, por esses motivos, a A. resolveu em 2009-02-12 o contrato com a R.
Contestou a R., por exceção, alegando a caducidade do direito da A. à resolução do contrato, pelo decurso do prazo de 30 dias, previsto no Art.º 442.º do CT2003, a nulidade do contrato de trabalho por simulação absoluta, o qual não foi verdadeiramente pretendido pelas partes e não teve existência real, bem como o pagamento à A., em 2008-12-22, da quantia de € 8.000,00 com vista a um entendimento entre as partes e, quanto ao mais, defendeu-se por impugnação.
Por outro lado, a R. deduziu reconvenção, pedindo que se condene a A. a pagar à R. a quantia de € 5.000,00 por falta de aviso prévio na rescisão do contrato, pedido que mais tarde foi ampliado com a restituição da referida quantia de € 8.000,00 e com a devolução do veículo automóvel e do computador.
A A. respondeu à contestação/reconvenção.
Foi proferido despacho saneador e elaborou-se a MA e a BI, sem reclamações.
Procedeu-se a julgamento sem gravação da prova pessoal e respondeu-se à BI pela forma constante do despacho de fls. 301 a 307, sem reclamações.
Proferida sentença, o Tribunal a quo decidiu:
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Declarar nulo o Contrato de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço”, celebrado pela R. e A. em 1 de outubro 2007, exceto na parte relativa ao direito à retribuição da A.
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Condenar a: 1 - R. a pagar à A. o salário de dezembro de 2008, janeiro e 13 dias de fevereiro de 2009, pelo montante mensal igual ao que a R. vinha pagando pelos serviços da A. no período de maio a outubro de 2007, a liquidar em incidente.
2 - A. a restituir à R. tudo o que dela recebeu entre 1 de outubro de 2007 e 13 de fevereiro de 2009, incluindo o veículo automóvel, computador e os € 8.000,00 recebidos em dezembro de 2008, exceto a retribuição mensal igual ao montante que a R. lhe vinha mensalmente pagando (em média, se for o caso) no período de maio a outubro de 2007, sendo as prestações pecuniárias a liquidar em incidente.
Inconformada com o assim decidido, veio a A. invocar a nulidade derivada da não audição das partes antes de decidir da nulidade do contrato com fundamentação jurídica não alegada pelas mesmas e pedindo a anulação de todo o processado depois do despacho que respondeu à BI.
Inconformada, também, com o assim decidido, veio a A. interpôr recurso de apelação, invocando de novo a nulidade da sentença, mas agora na alegação e nas conclusões e pedindo a revogação da mesma decisão, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1.
A sentença incorreu em nulidade porque corresponde a uma verdadeira decisão-surpresa.
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Ninguém - autora ou ré - suscitou a questão jurídica que veio a ser consagrada na sentença, que apanhou a autora (e muito provavelmente a ré) totalmente de surpresa.
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Assim, sem que ninguém contasse, o Tribunal "descobriu" que o negócio incidia sobre objeto contrário à lei e seria nulo por imposição dos art.ºs 280.° e 281.° do Código Civil.
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Assim sendo, deveria o Tribunal, antes de proferir a sentença, ter notificado as partes em obediência ao preceituado pelo artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil, advertindo-as para a possibilidade de vir a ser decidida a causa, com fundamento distinto daqueles que, expressamente, foram invocados pela autora e ré.
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A violação do contraditório consubstancia nulidade principal, nos termos do art. 201.° do CPC.
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Deve ser considerada verificada e relevante a arguida nulidade decorrente da omissão da audição das partes antes de decidir sobre a nulidade do contrato por o seu objeto ser contrário à lei e, em consequência ser anulados todos os atos praticados no processo a partir da decisão sobre a matéria de facto.
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O quesito 10.º não devia ter sido considerado provado.
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Da fundamentação da resposta à matéria de facto resulta que não foi qualquer depoimento de testemunhas que o fez decidir naquele sentido, mas o facto de ter havido negociações para a venda da maioria do capital social da sociedade e não haver outra explicação para as altas penalizações previstas no contrato.
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Porém, o Tribunal não pode fazer tal ilação. Na verdade, a única coisa que a autora aceitou foi que houve negociações para alienação de capital da ré, negando terminantemente qualquer ligação desse facto com celebração do contrato.
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Ora, não se sabe, nem o Tribunal a quo explicita (porque não foi alegado nem tratado) quando ocorreram essas negociações. Foram antes ou depois da celebração do contrato? Poderia a autora até ter interesse em que houvesse essa transação? Isso ser-lhe-ia prejudicial ou benéfico? 11.
Aliás, a autora não afirmou que se tratava da maioria ou minoria do capital da ré.
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Nem o facto de haver quaisquer negociações consta da matéria provada (para além do próprio que sito 10.°).
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O facto de não ter sido provado outra explicação não determina que alcance uma hipótese que ninguém aventou. De facto, há que atender à distribuição do ónus da prova. A quem cabia provar o facto era à ré e não à autora.
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A autora não tinha o ónus de trazer qualquer explicação para a lide; a ré é que tinha a obrigação de demonstrar aquilo que alegou (e, no final, aquilo que o tribunal considerou provado, nem sequer foi a versão trazida pela ré ...).
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Pelo que foi também violado o disposto no art.° 342.°, 2, do Código Civil.
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Porém, porque não equacionar que o contrato poderia ter sido feito nestes termos porque a autora deixou outras suas atividades profissionais e outros compromissos para estar na empresa e que, ficando a autora com o poder de despedi-Ia quando quisesse se tivesse acordado uma indemnização alta? 17.
Aliás, a suspensão do estágio da autora como ROC é claramente evidenciadora que passar a trabalhar na empresa por conta e de outrem foi uma decisão importante na sua vida.
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Mais falível ainda é o argumento usado pelo Tribunal no sentido de que para as tentativas de pôr termo ao contrato consensualmente em final de 2008 não teriam "causa aparente que não fosse a frustração da referida venda de capital da ré".
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Não existe nenhum (repete-se, nenhum) indício que uma coisa tenha a ver com a outra. Aliás, o que está provado é que «em novembro de 2008 a autora e os sócios gerentes da ré começaram a desentender-se» (resposta ao quesito 4.°). Ou seja, não há qualquer ligação a uma suposta venda de capital.
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Não foi por causa de qualquer causa externa mas simplesmente por desentendimentos, como é corrente nas relações laborais, que levou até a ré não lhe pagasse o subsídio de Natal e várias remunerações.
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E, pode também perguntar-se, como sabe o Tribunal que as negociações se frustraram? Não há qualquer fundamentação que permita explicá-lo.
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Por isso, ao abrigo do disposto no art.º 712.°/4 do CPC, porque estamos de posse de todos os elementos probatórios que, nos termos da aI. a) do n.º 1 desse preceito são necessários, deve alterar-se a matéria de facto e dar-se como não provado o quesito 10.°.
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Há ainda um outro problema com a resposta ao quesito 10.°. É que o Tribunal deu como provado algo diferente do que havia sido perguntado.
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O que foi considerado provado foi que «A celebração do contrato em apreço deveu-se ao facto de, na data, existirem negociações avançadas, que se frustraram, com um investidor para compra do maioria do capital social da Ré, assim pretendendo a Autora e gerentes da Ré, concertadamente, garantir para aquela, em tal hipótese, a retribuição e indemnização pelos valores contratados».
que não foi o que foi perguntado e neste não se contém.
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Assim, o que se considerou provado é algo diverso, e não contido, naquilo que se perguntava e que foi alegado pela ré.
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Deve considerar-se não escrito o quesito da base instrutória formulado sem que alguma das partes tivesse alegado a respetiva factualidade, como não escrita deve ser considerada a resposta que o tribunal lhe deu no despacho de resposta à base...
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