Acórdão nº 9818/09.8TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução15 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Recorrentes: AA e mulher BB Recorridos: CC e mulher DD; EE; e FF e mulher GG.

I. - RELATÓRIO.

Irresignados com o julgamento da apelação que havia sido interposta pelos demandantes, CC e mulher DD; EE; e FF e mulher GG, da decisão de 1.ª instância que havia julgado os pedidos formulados pelos AA. contra os demandados, AA e mulher BB, totalmente improcedentes, e do mesmo passo julgado improcedente o pedido reconvencional que estes haviam deduzido contra aqueles, recorrem estes de revista, havendo que considerar para a decisão a proferir os sequentes: I.1. - ANTECEDENTES PROCESSUAIS.

CC e mulher, DD, EE, FF e mulher, GG, instauraram em 15-10-2009, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, contra AA e mulher BB, a presente acção declarativa de condenação, sob forma de processo ordinário, pedindo (a titulo principal): a) - a resolução do contrato que celebraram com os Réus por incumprimento culposo destes fixando-se a data de incumprimento em 03/05/2002; b) - a condenação dos Réus a pagar € 960.445,60 correspondentes € 723.256,95 ao valor do estabelecimento, deduzido da parte do preço ainda não recebido e € 237.188,65 a juros; e (de forma subsidiária): a) - a condenação dos Réus na devolução do sinal prestado em dobro ou em singelo; b) - a condenação dos Réus a pagar € 200.000 pelas benfeitorias realizadas no estabelecimento e juros.

Para os pedidos que formulam alegaram que, por força de cessões de posição contratual, são os Autores os promitentes cessionários de um contrato promessa de cessão de quotas de um estabelecimento de restauração em que os Réus são promitentes cedentes além de proprietários das respectivas quotas.

Foi estipulado o valor de € 299.278,74 (60.000.000$00) para a cessão, sendo que, no dia da celebração do contrato (31/05/00) foram entregues pelos Autores €199.519,16, sendo que o restante seria a pagar na escritura; Ficou ainda acordado que a escritura realizar-se-ia quinze dias após a obtenção da licença de ocupação do estabelecimento pelos Réus; Até hoje os Réus não obtiveram o referido licenciamento, não obstante diversas vezes interpelados pelos Autores para esse efeito; Os Autores desde logo passaram a utilizar o estabelecimento de restauração para o que fizeram obras que avaliam em € 200.000; Entretanto em 22-05-2001 os Autores, contactados por terceiros interessados, prometeram ceder as quotas do referido estabelecimento de restauração a esses terceiros, contrato esse que veio a ser judicialmente resolvido nos termos do acórdão do STJ transitado e junto a fls. 210 e segs. destes autos; O imóvel em causa tinha, à data do incumprimento pelos Réus (03/05/02), o valor que fixam em 798.076,64 Euros.

Os Réus contestaram, defendo-se por impugnação, invocando nomeadamente que: - os Autores sabiam da inexistência de licenciamento e, apesar disso, celebraram com os Réus o contrato promessa em causa e ainda um outro de arrendamento; - nesse contrato de arrendamento estabeleceram uma cláusula onde reconheciam que por causa da falta desse licenciamento não podiam exigir qualquer indemnização; - nunca os Réus criaram junto dos Autores falsas expectativas quanto ao negócio, sendo que, se estava perante uma obrigação sem prazo, pois não se fixou um prazo para a obtenção de alvará, não havendo assim mora ou incumprimento pelos Réus; - a obtenção de alvará estava dependente de facto de terceiro; - a existir resolução, a mesma tem de se considerar como tendo ocorrido em 09/06/09, data em que os Autores enviaram carta a declarar a resolução do contrato, o que demonstra a sua falta de vontade em cumpri-lo.

Terminam pedindo a sua absolvição e, em reconvenção, pedem: - a resolução do contrato por incumprimento dos Autores e declaração de perda de sinal por estes prestado de 225.459,05 €.

Replicaram os Autores mantendo a sua versão dos factos.

A fls. 343 foi, pelos demandantes, introduzido articulado superveniente em que pediram a ampliação do pedido, o que viria a ser admitido, na sessão de audiência e julgamento, constante de fls. 417 a 420 Realizou-se audiência de julgamento, deram-se as respostas nos termos do despacho de fls. 448 a 457, tendo sido proferida sentença – cfr. fls. 458 a 473 - que julgou totalmente improcedente a acção e a reconvenção, em consequência, absolveu, respectivamente, os Réus dos pedidos contra si formulados, por via de acção, e os demandantes-reconvindos, do pedido reconvencional Interposto recurso de apelação da decisão proferida veio a mesma, em audiência realizada, no Tribunal da Relação do Porto, em 24-11-2011, e em que mereceram apreciação as seguintes questões: - impugnação da matéria de facto; - decisão jurídica que se pode circunscrever, à questão de saber se pode haver mora, independentemente da existência de prazo certo, pelo mero curso do tempo e nas circunstâncias apuradas nos autos, objectivada na perda do interesse do credor; vindo a final a “[julgar] a apelação parcialmente procedente, declarando-se validamente resolvido o contrato promessa celebrado com os recorridos, condenando-se estes, solidariamente, a restituírem aos recorrentes a quantia global de 224.459,05 Euros (duzentos e vinte e quatro mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos) recebida a título de sinal (199.519,16€) e adiantamento do preço (24.939,89€), acrescida de juros de mora às taxas civis aplicadas, desde a data da resolução do contrato (12-06-2009) até integral pagamento.” E da decisão acabada de destacar que vem interposta a presente revista para a que há a considerar o sequente; I.2. - QUADRO CONCLUSIVO.

Para a revista que pedem dessumem os demandados/recorrentes, o epítome conclusivo que queda sumariado. “A. Os aqui Recorrentes não podem conformar-se com a decisão sob recurso pois que, entendem os aqui Recorrentes que, salvo entendimento diverso, o douto Acórdão sob recurso não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, tendo, por isso, feito uma equivocada interpretação e incorrendo em errada subsunção dos factos ao direito.

B. Pelo que, impõe-se a anulação da decisão ora recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção improcedente, por não provada absolvendo-se os Recorrentes dos pedidos contra si formulados.

C. Com efeito, o presente recurso versará sobre três conceitos: prazo absoluto e mora, interpelação admonitória e, incumprimento culposo de contrato promessa de compra e venda. É que, ao contrário do decidido pela 1.ª Instância, veio o Tribunal da Relação do Porto a entender que por ter ocorrido mora na celebração da escritura pública por parte dos aqui Recorrentes assiste aos Autores o direito de resolução contratual.

D. Ora, assim não se pode conceder! É que, analisando o pedido dos Autores face aos factos provados, temos claro que: no contrato promessa assinado pelas partes não foi indicada a data para a realização da escritura pública que formalizasse a prometida cessão de quotas, pois o prazo que aí foi fixado determina que «a escritura de cessão de quotas se realizará 15 dias após a obtenção de licença de ocupação e respectivo alvará sanitário», licença essa que, sem se prever qualquer data para a sua emissão, até à presente data ainda não foi obtida.

E. Ora, quer a possibilidade de o promitente vendedor fazer seu o sinal entregue quer a faculdade de o promitente comprador exigir o dobro do que tiver prestado a título de sinal, pressupõem, o incumprimento culposo da parte contrária, conforme decorre do teor do n.º 2 do art. 442.º, que menciona expressamente o "não cumprimento do contrato". Mas o incumprimento não se confunde com a mora, conforme decorre do teor do n.º 1 do art.. 808.º do C. c..

F. Na hipótese em causa nos autos não temos qualquer estipulação de prazo concreto para a celebração do contrato definitivo pois este só seria celebrado após a obtenção de licenciamento do estabelecimento, para o que não foi fixado um prazo.

G. Assim, inexistindo prazo absoluto (situação, conforme vimos, ocorrida nos autos), a mora apenas se converte em incumprimento em três situações: 1) se, em consequência da mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; 2) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e aquele não realizar a prestação em falta; 3) Se o devedor declarar inequivocamente ao credor que não cumprirá o contrato (neste sentido: Ac. do ST], de 12-01-2010, Proc. 628/09.3YFLSB, disponível em www.dgsi.pt).

H. Ora, nos presentes autos, alegam os aqui Apelantes que perderam interesse na celebração do contrato de cessão de quotas em virtude da mora, que se converteu em incumprimento, isto é, pela 1.ª situação supra mencionada. No entanto, importa desde logo sublinhar que, conforme considerado pelo Digno Tribunal de 1.ª Instância, de forma que não nos levanta censura, pelo facto dos Réus, aqui Recorrentes, não se encontrarem em mora no cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, a sua anunciada perda de interesse, consequência de uma alegada mora, na conclusão do contrato, não justifica uma recusa definitiva da sua celebração e, por isso, considera-se que não se verificou incumprimento definitivo por parte dos Réus.

I. Até porque, salvo melhor opinião, é nosso entendimento que o factualismo provado não permite concluir, de forma alguma, por qualquer mora ou culpa dos promitentes-vendedores, aqui Recorrentes. Com efeito, não era de todo exigível aos promitentes vendedores que providenciassem pela marcação de data para a realização da escritura, sem que tivessem sido obtidos os documentos necessários, junto da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, pois era este facto a condição "sine qua non" para aquela marcação. E só depois de obtida aquela documentação é que decorreria o prazo fixado pelas partes para a celebração da respectiva escritura, seja, sem que se tenha verificado este facto, condição prévia à realização da mencionada escritura pública, nunca decorreu ou se esgotou o prazo fixado para o vencimento da obrigação dos aqui Réus.

J. No caso concreto, e pegando...

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