Acórdão nº 954/06.3TCLRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelMARQUES PEREIRA
Data da Resolução15 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Tribunal Judicial da Comarca de Loures, AA GÁS NATURAL, S.A., anteriormente designada "BB - Sociedade Portuguesa de Gás Natural, S.A., intentou contra: CC - CENTRAIS DE COGERAÇÃO, S.A."; DD - DESENVOLVIMENTO DE PROJECTOS DE ENERGIA, LDA.; EE; e FF, FIBRAS, ENERGIA, ACE, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe, solidariamente:

  1. A quantia de € 959.718,90, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, liquidando os primeiros, até à data da propositura da acção, em € 152.457,53, a título de indemnização, devida por incumprimento contratual; b) A quantia de € 575.244,47, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, liquidando os primeiros, até à data da propositura da acção, em € 162 432,62, correspondente ao preço, ainda não pago, do gás que forneceu e a que se reportam as facturas juntas com a petição inicial.

    Alegou, nomeadamente, os seguintes fundamentos: Como concessionária, do serviço público de importação de gás natural e do seu transporte e fornecimento, celebrou com "FF, Fibras, Energia, ACE" os seguintes contratos: Um, em 14 de Dezembro de 1998, pelo qual se obrigou a fornecer a este “ACE”, que - por seu turno, se obrigou a consumir e a pagar o respectivo preço, durante o período de 60 meses, com início em Dezembro de 1998 -, uma quantidade de gás natural correspondente a 4 000 000 GJ (tarifa B); Outro, em 23 de Julho de 1999, pelo qual se obrigou a fornecer ao mesmo “ACE" - que, por seu turno, se obrigou a consumir e a pagar o respectivo preço, durante o período de 60 meses, com início em 1 de Fevereiro de 1999 -, uma quantidade de gás natural correspondente a 600 000 GJ (tarifa A).

    Estipulou-se, em cada um desses contratos, que, caso o cliente não cumprisse a obrigação de consumo das referidas quantidades de gás natural, pagaria uma indemnização cujo valor seria determinado no momento da cessação do contrato, de acordo com a fórmula prevista na al. B) da cláusula 1.2 das Condições Particulares do Contrato de Fornecimento.

    Acontece que, da quantidade de gás (tarifa B) que o Réu “ACE” se obrigou a consumir (4 000 000 GJ), apenas consumiu, efectivamente, 2 778 691,43 GJ até à data da cessação do contrato.

    Por isso, recorrendo à fórmula contratualmente prevista, a Autora tem direito à indemnização de € 959 718,90.

    Por outro lado, há muito que o Réu ACE deixou de pagar as facturas correspondentes aos fornecimentos de gás, e que, nos termos convencionados, deveriam ser pagas no prazo máximo de 20 dias.

    Com efeito, estão vencidas e a pagamento as seguintes facturas: factura n.º FMIN-10865, vencida a 20 de Junho de 2004, no montante de € 245.466,48; factura n.º FMIN-1172, vencida a 20 de Julho de 2004, no montante de € 232.107,37, e factura n.º FMIN-11204, vencida a 20 de Agosto de 2004, no montante de € 255.025,91.

    Por não ter cumprido obrigações financeiras que contraiu, os activos do Réu “ACE” foram objecto de uma venda de penhor por parte da HH Depósitos.

    Esses activos foram adquiridos por "GG Energia, S.A", que passou a assumir a responsabilidade pela gestão operacional da unidade cogeração que esses activos integravam.

    A "GG Energia, S.A." assumiu o pagamento parcial da factura n.º FMIN-1l204, de 31.07.2004, tendo pago a quantia de € 157 355,29, pelo que ficou por satisfazer o pagamento da quantia € 97 670,62.

    As Rés "CC - Centrais de Cogeração, SA" e "DD - Desenvolvimento de Projectos de Energia, SA" são membros do Réu “ACE”.

    O Réu EE foi membro do mesmo ACE.

    O Réu “ACE” não possui capital social e, em virtude da venda do penhor, ficou desprovido de bens.

    Todos os Réus foram interpelados extrajudicialmente para pagar a dívida (quer da quantia correspondente à dita indemnização, quer do preço do gás fornecido e não pago).

    Na sequência dessa interpelação, o Réu “ACE” comunicou à Autora que o Réu EE já não era seu membro desde 20.03.2001, por virtude de deliberação social de que juntou cópia.

    Porém, as exonerações de membros e administradores do ACE estão sujeitas a registo e os factos sujeitos a registo só produzem efeitos em relação a terceiros depois da data do registo.

    Sucedendo que Réu EE figurava no registo comercial como membro e administrador daquele “ACE”.

    A acção deu entrada na Secretaria do Tribunal de 1.ª instância em 31 de Janeiro de 2006, conforme carimbo aposto na petição inicial.

    Os Réus "CC -Centrais de Cogeração, S.A" e "FF, Fibras, Energia, ACE" apresentaram contestação conjunta, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

    O Réu EE contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.

    Por excepção, o Réu invocou a sua ilegitimidade, alegando: Foi um dos membros fundadores do Réu "FF, FIBRAS, ENERGIA, ACE, mas a sua participação nesta sociedade foi transmitida à Ré "DD, Lda" em 1999.

    Essa transmissão foi objecto de deliberação em assembleia-geral do Réu “ACE”, apenas, em 20.03.2001 e o respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial de Cascais veio a ser feito em 2004.

    Ora, a confirmar-se o alegado direito de indemnização pelo não consumo de gás natural, este constituiu-se somente em Dezembro de 2003, em relação á tarifa B e em Fevereiro de 2004, em relação á tarifa A.

    Por outro lado, o vencimento das facturas reclamadas pela Autora ocorreu respectivamente nos dias 20 de Junho, 20 de Julho e 20 de Agosto de 2004.

    Donde resulta que os direitos de que a Autora se arroga se constituíram em momento ulterior à exoneração do recorrente como membro do “ACE”.

    Tal facto, apesar de não registado à data da alegada constituição dos direitos da Autora, pode ser invocado contra a Autora.

    Com efeito, a Autora não é terceiro para efeitos registrais.

    Acresce que Autora tinha conhecimento de que o Réu/recorrente já não era membro do Réu “ACE”, por tal facto lhe ter sido comunicado por este, por carta de 23 de Dezembro de 2004.

    Concluiu pela sua absolvição da instância ou, em todo o caso, pela improcedência da acção, sendo absolvido do pedido.

    A Ré DD – Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda. não contestou.

    Os Réus contestantes requereram o incidente de intervenção principal provocada de “GG – Energia, SA” e da “HH Depósitos, SA”.

    A Autora replicou, respondendo à excepção de ilegitimidade deduzida pelo Réu EE.

    Não se opôs ao chamamento.

    Foi admitido o chamamento, como intervenientes principais, de "GG - Energia, S.A." e da "HH Depósitos, S.A.".

    A chamada "GG Energia, S.A." contestou, concluindo pela improcedência da acção quanto a si.

    A chamada "HH Depósitos, S.A." (CGD) contestou, defendendo-se por excepção (invocando as excepções da sua ilegitimidade passiva, da prescrição e do caso julgado), e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção, quanto a si.

    No saneador, declararam-se improcedentes as excepções invocadas.

    Realizou-se a audiência de julgamento.

    Proferiu-se sentença, que julgou a acção procedente, condenando solidariamente os Réus “FF Fibras Energia, ACE”, CC – Centrais de Cogeração, SA, DD – Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda e EE a pagar à Autora “AA Gás Natural, SA”: a) a quantia de € 575.244,47, correspondente ao preço, ainda não pago, do gás que forneceu e a que se reportam as facturas n.º FMIN-10865, vencida a 20.06.2004, FMIN-11072, vencida a 20.07.2004 e FMIN-11204, vencida a 20.08.2004, de Agosto de 2004 – acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, á taxa legal, a contar das datas de vencimento de cada um dos créditos parcelares e até integral satisfação do crédito total; b) a quantia de € 959.718,90, a título de indemnização por incumprimento contratual, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a contar de 31.05.2004 e até integral pagamento.

    Absolveu as chamadas do pedido.

    Inconformado, o Réu EE apelou para a Relação de Lisboa, que, na parcial procedência da apelação, revogou a sentença recorrida, na parte em que na al. b) do dispositivo, fixou a contagem de juros de mora a partir de 31.05.2004, determinando que os juros de mora vencidos e vincendos se contem a partir de 26.11.2004 até integral pagamento, confirmando, no mais, a sentença.

    De novo inconformado, o Réu recorreu, de revista, para este Supremo Tribunal, formulando na sua alegação, as seguintes conclusões:

  2. O acórdão da Relação de Lisboa radica numa má interpretação e aplicação do artigo 168 do Código das Sociedades Comerciais e artigo 14 do Código do Registo Comercial.

  3. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o caso dos autos não se subsume no artigo 168 do Código das Sociedades Comerciais, pois não é a sociedade que está a tentar opor a falta de registo à Autora/Recorrida, mas sim o Réu/Recorrente, a pessoa que não tinha a responsabilidade legal de proceder ao registo da sua exoneração.

  4. A noção de terceiros prevista no artigo 14 do Código do Registo Comercial não compreende toda e qualquer pessoa com a excepção das partes, respectivos herdeiros e seus representantes.

  5. A noção de terceiros prevista no artigo 14 do Código do Registo Comercial deve corresponder à noção de terceiros prevista no disposto no n. 4 do artigo 5 do Código do Registo Predial, que define terceiros, para efeitos de registo, como as pessoas" ...

    que tenham adquirido de um autor comum direito incompatíveis entre si".

    Logo, a interpretação correcta de conceito é a seguinte: Terceiros para efeitos de registo, deverão ser considerados como sendo aqueles que não intervindo nem participando em determinado facto jurídico têm, relativamente ao seu objecto, direito oposto ou incompatível com o daqueles que no mesmo facto intervieram ou participaram.

  6. É notório que a Autora/Recorrida não tem, pela sua natureza ou conteúdo do acto (entenda-se para estes efeitos a exoneração do ora Recorrente, enquanto membro do Réu FF, Fibras, Energia, ACE e respectiva transmissão da sua posição à Ré DD), interesse no acto/negócio jurídico objecto da inscrição. Nesta medida, a falta de registo em crise é oponível à Autora/Recorrida, porquanto esta...

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