Acórdão nº 458/2008-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Fevereiro de 2008
Magistrado Responsável | ANA PAULA BOULAROT |
Data da Resolução | 28 de Fevereiro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I O Ministério Público veio intentar a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumária, contra Banco (...), S.A., pedindo: - que seja decretada a proibição do Réu constituir e registar a seu favor reserva de propriedade de veículos automóveis através do recurso à compra e venda da viatura objecto de um contrato de financiamento; - a condenação do Réu a abster-se de utilizar em todos os contratos que de futuro venha a celebrar com os seus clientes as cláusulas contratuais gerais n°12, relativa à cessão da posição contratual, e n° 14, relativa ao foro convencional, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição; - a condenação do Réu a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos; - que seja remetido ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria n°1093, de 6 de Setembro.
Alegou, para tanto que: 1) a exigência pelo Réu de uma reserva de propriedade a seu favor sobre os veículos automóveis cuja aquisição financia é uma conduta interdita por lei e gravemente prejudicial ao consumidor que celebra o contrato de crédito e adquire a viatura, dado que nos contratos celebrados por aquele nada consta relativamente à constituição de reserva de propriedade, no objecto social do Réu não está englobada a capacidade de celebrar contratos de compra e venda de viaturas automóveis, a constituição e levantamento da reserva acarretam custos para o consumidor, o ónus de reserva de propriedade impede que o consumidor possa vender a viatura sem autorização do Réu e importa o averbamento ao título de registo de propriedade de mais um proprietário, o que diminui o valor do veículo, podendo o Réu salvaguardar o seu crédito exigindo outras garantias; 2) que a cláusula relativa à cessão da posição contratual é proibida, nos termos previstos no art.° 18°, alínea 1) do D.L. n° 446/85, de 25/10, porquanto atribui ao Réu a possibilidade de ceder os seus direitos contratuais a terceiro não identificado no contrato, sem o acordo do aderente; 3) e ainda que a cláusula relativa ao foro convencional é proibida, nos termos previstos no art.° 19°, alínea g) do D.L. n° 446/85, de 25/10, porquanto a atribuição de competência exclusiva à comarca de Lisboa é susceptível de envolver graves inconvenientes para os clientes do Réu que residam ou tenham sede noutras comarcas, sobretudo nas mais longínquas, nos termos elencados no art.°42º da petição inicial.
Porque em sede de contestação o Réu arguiu a excepção de ilegitimidade do Autor no que tange ao primeiro dos pedidos formulados, veio tal excepção a ser conhecida no despacho saneador, pela sua improcedência, tendo tal despacho sido objecto de recurso de Agravo por banda daquele, o qual apresentou as seguintes conclusões : - Para a propositura de acção inibitória com fundamento no artigo 10°, alínea c), da Lei 24/96, de 31 de Julho, impõe-se que a prática comercial cuja proibição se pede na acção inibitória seja expressamente proíbida por lei.
- Não há lei que expressamente proíba o Réu em 1a Instância, ora recorrente, de seguir a prática de constituir e registar a seu favor reserva de propriedade sobre os veículos automóveis através de recurso à compra e venda da viatura objecto do financiamento, à garantia do próprio financiamento que o Réu concede ao abrigo dos contratos de mútuo que celebra para efeitos de aquisição, pelos mutuários, de tais veículos.
- Acresce que a lei expressamente prevê a possibilidade de constituição de reserva de propriedade à garantia de financiamento concedido para a aquisição de bens de consumo, como ressalta do disposto na alínea f) do n° 3 do artigo 6° e no n° 3 do artigo 7° do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro.
- Para ter legitimidade na propositura de acções inibitórias com base e fundamento na alínea c) do artigo 10° da Lei 24/96, de 31 de Julho, impõe-se a indicação da lei ou leis que proíbam a prática comercial que se pretende ver proibida.
- O Autor na presente acção, ora recorrido, não indicou nos autos - e não o pode fazer, porque não existe lei que expressamente proíba a prática seguida pelo Réu recorrente, cuja proibição constitui o pedido formulado em primeiro lugar na acção.
- O despacho recorrido, na parte objecto do presente recurso, violou, assim, o disposto na alínea c) do artigo 10° da Lei 24/96, de 31 de Julho, o disposto na alínea f) do n° 3 do artigo 6° do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro e o disposto no artigo 7°, n° 3, do citado Decreto-Lei 359/91, bem, como também o disposto no artigo 26°, n°s. 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil.
Nas contra alegações o Autor pugnou pela improcedência do recurso e foi mantido o despacho recorrido.
A final foi produzida sentença a julgar a acção improcedente, da qual, inconformado, recorreu o Autor, formulando as seguintes conclusões: - A reserva de propriedade só pode ser estipulada e registada a favor do transmitente, nos termos do art. 409° do Código Civil, não existindo no ordenamento jurídico nacional base legal para que a reserva seja feita a favor da entidade que financiou a aquisição do bem.
É certo que no art. 6°, n° 3 al. f) do Dec-Lei n° 359/91 se prevê que fique a constar do contrato de financiamento o acordo sobre a reserva de propriedade. No entanto, aquela norma respeita a situações em que o vendedor, proprietário do bem, mantém essa qualidade por efeito da reserva, ao mesmo tempo que financia a aquisição através de alguma das formas previstas no art. 2, não podendo aquela norma aplicar-se às situações previstas no art. 12, em que o crédito é concedido por um terceiro para financiar o bem adquirido ao vendedor.
Esta prática é lesiva dos interesses dos consumidores, sendo a aludida cláusula de reserva de propriedade proibida e por isso subsumívei à al. b) do n° 1, do art. 10° da Lei n° 24/96.
- Nos termos do art. 18° do Dec-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro é absolutamente proíbida a cláusula na qual se consagra, a favor de quem as predisponha, a possibilidade de cessão da posição contratual, de transmissão de dívidas ou de subcontratar, sem o acordo da contraparte, salvo se a identidade do terceiro constar do contrato inicial.
A situação em apreço nos autos não reúne o conjunto de pressupostos para que se possa enquadrar neste normativo legal, pelo que é nula, não se aplicando aqui o disposto nos arts. 512° e 533° do Código Civil, uma vez que a lei especial derroga a lei geral.
- Não é supervenientemente inútil decretar a proibição de inclusão da cláusula relativa ao foro convencionado nos contratos anteriormente celebrados à entrada em vigor da Lei n° 14/06, de 26 de Abril, já que a questão não é consensual quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade da Lei n° 14/2006, de 26 de Abril, quando interpretada no sentido das alterações introduzidas no Código de Processo Civil, designadamente, as relativas à competência territorial, serem aplicáveis às acções entradas em juízo após a sua entrada em vigor, ainda que as partes hajam firmado pacto de competência anteriormente por violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança e da nao retroactividade da lei restritiva.
A cláusula relativa ao foro convencional porque atribui exclusivamente competência à comarca de Lisboa, para dirimir os conflitos emergentes do contrato, constitui um impedimento indirecto do acesso ao direito por parte dos consumidores, para o qual não existe justificação, pelo que se enquadra no art. 19°, al. g) do DecLei n° 446785, de de 25 de Outubro.
Nas contra alegações o Réu pugna pela manutenção do julgado, mantendo a posição já defendida nos autos no que tange à ilegitimidade do Autor (Ministério Público) para suscitar a questão da proíbição da constituição de...
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