Acórdão nº 00165/08.3BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelIrene Isabel Gomes das Neves
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO A CASA DO DOURO, Associação Pública com sede na Rua dos Camilos, Peso da Régua, NIPC 500505870, deduziu oposição à execução n.º 2437200801003283 que corre contra si nos SF de Peso da Régua, no valor 1.042.408,70 €.

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, foi proferida sentença que julgou a oposição improcedente, decisão com que a oponente não se conformou, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma: 1º. A douta sentença recorrida julgou improcedente a Oposição por considerar que os fundamentos invocados pela oponente não se enquadram nos previstos no art. 204° do CPPT e que à pretensa dívida exequenda se aplica o prazo prescricional indicado no art. 309° do CC.

  1. Relativamente à questão da prescrição, fundando-se a obrigação de restituição no enriquecimento sem causa, como consta da certidão de dívida de fls. 14, e tendo o IFAP, I.P. tido conhecimento do seu alegado direito e da pessoa do seu responsável pelo menos em 20 de Janeiro de 2004, como se comprova pelo oficio referido no facto provado nº 1, é indubitável que à data da citação da oponente, operada em 4 de Abril de 2008, já havia decorrido o prazo de 3 anos previsto no art. 482° do CC.

  2. Sem prescindir, a quantia reclamada refere-se a verbas atribuídas em 1988, 1989 e 1990 por um organismo da administração central do Estado - INGA/IFAP, I.P. - na sua veste de autoritas publica, a uma então pessoa colectiva de direito público, integrada na administração autónoma do Estado, a título de compensação financeira correspondente à diferença entre o preço pago pela oponente aos importadores de aguardente e o preço da sua venda aos produtores e ainda para cobrir custos operacionais com a recepção, armazenagem e distribuição da mesma pela Casa do Douro.

  3. À pretensa dívida exequenda é aplicável o prazo especial de 5 anos previsto no art. 40°, nº 1 do D.L. nº 155/92, de 28/07 e, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, tal prazo inicia-se na data do seu recebimento.

  4. A existir dever de reposição, o mesmo já há muito se encontrava prescrito quer em 20.01.2004 quer em 13.02.2008.

  5. À pretensa dívida exequenda não se aplica o regime prescricional ordinário previsto no C.C. sendo que a corrente jurisprudencial que apoiou a sentença se refere a realidades que nada têm a ver com a dos presentes autos.

  6. Deste modo, existiu erro na determinação do regime jurídico aplicável, o que impõe a revogação da decisão recorrida e a declaração de extinção da execução, o que decorre directamente da lei.

  7. Ainda sem prescindir, o Mmo Juiz a quo entendendo que a oponente invocou o fundamento do art. 204°, nº 1, al. h) do CPPT - ilegalidade da liquidação da dívida exequenda -, concluiu, por recurso ao art. 99° do CPPT e ao facto provado nº 2, pela não verificação dos seus pressupostos e que os fundamentos alegados pela oponente não se enquadram em nenhum dos indicados no art. 204° do citado CPPT.

  8. O art. 99° reporta-se especificamente a actos tributários e no caso sub Júdice está-se perante uma dívida de natureza não tributária.

  9. E os termos “liquidar” e “liquidação” constantes do facto provado nº 2 reportam-se apenas a “pagamentos”, não existindo nesse documento qualquer menção à possibilidade de impugnações.

  10. Das alegações da oponente, designadamente dos seus arts. 4° a 8° da petição de Oposição, resulta evidente que existiram contas entre ela e o IFAP,I.P. e movimentos no âmbito dessas contas, mas que as mesmas se encontram totalmente saldadas, não se verificando qualquer saldo a favor do suposto credor.

  11. Tais “movimentos” traduziram-se em pagamentos e anulações decorrentes de compensações entre as duas instituições.

  12. O fundamento invocado pela oponente foi assim o da al. f) do art. 204°, n° 1 do CPPT, que é legal e admissível, e estava dependente de prova a produzir.

  13. Ao integrar erroneamente as alegações da oponente naquela al. h), o tribunal a quo coarctou à oponente a possibilidade de provar a factualidade por si invocada.

  14. Impõe-se, pois, a anulação da decisão recorrida, devendo ordenar-se o prosseguimento dos autos para elaboração do despacho saneador e, depois de fixada a base instrutória, para produção de prova.

  15. Ainda que se entenda que a exposição ou concretização da factualidade alegada pela oponente foi insuficiente ou imprecisa, sempre deverá ordenar-se a anulação da decisão em mérito, convidando-se a oponente ao aperfeiçoamento do seu articulado, nos termos do art. 508°, n°s 1, al. b) e 3 do CPC, aplicável ex vi do art° 2°, al. e) do CPPT, com o consequente prosseguimento dos autos.

  16. Também aqui a sentença recorrida enferma de vício de interpretação e aplicação do direito, por erro na determinação do regime jurídico aplicável.

  17. Em conclusão: a sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação do direito e de determinação do regime jurídico aplicável, entre outros, os arts. 309° e 482° do C.C., o art. 40°, n°s 1 e 2 do D.L. n° 155/92, de 28/07, os arts. 2°, al. e), 99° e 204°, n° 1, al. d), f) e h) do CPPT e os arts. 508°, n°s 1, al. b) e 3 e 685° -A do CPC.

Termos em que o recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e determinando-se a extinção da pretensa dívida exequenda, por prescrição, ou, assim se não entendendo, ordenando-se o prosseguimento dos autos, para elaboração da competente base instrutória e consequente produção de prova, com eventual prévio cumprimento do preceituado no art. 508°, nºs 1, al. b) e 3 do CPC, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.

O IFAP, I.P.

apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma: a) No presente recurso e relativamente à alegada prescrição da dívida exequenda com fundamento no enriquecimento sem causa previsto no artigo 482.° CCivil, face ao decurso do prazo legal de três anos a contar da data do conhecimento do direito à restituição, refira-se que, conforme resulta da factualidade dada como provada nos pontos 1 a 4 da motivação da douta sentença do Tribunal a quo, e não colocados em causa pela ora Recorrente, a dívida exequenda não se funda no enriquecimento sem justa causa, mas do «saldo devedor apurado relativo a operações de importação de aguardente para beneficio do Vinho do Porto nos anos de 1988, 1989 e 1990, quantia esta que a beneficiária recebeu mas a que não tinha direito por não reunir as condições previstas na legislação aplicável».

b) Com efeito, consta da certidão de dívida que a ora Recorrente «é devedora a este Instituto da quantia de € 878.337,70, resultante do saldo devedor apurado relativo a operações de importação de aguardente para beneficio do Vinho do Porto nos anos de 1988, 1989 e 1990, quantia esta que a beneficiária recebeu mas a que não tinha direito por não reunir as condições previstas na legislação aplicável, determinando-se, em consequência, a reposição da quantia indevidamente recebida, o que não foi efectuado dentro do prazo legal (...) pelo que auferiu, deste modo, de um enriquecimento ilegítimo»/indevido (sublinhado nosso).

c) Ora, atento o regime jurídico aplicável, uma coisa é a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, que, nos termos do disposto no artigo 474° do CCivil, tem natureza subsidiária, e outra, conforme sucede no caso ora em análise, o preenchimento dos requisitos materiais previstos na legislação comunitária e nacional para a concessão das ajudas, neste caso, nomeadamente, as normas aplicáveis no âmbito do regime de regulação do sector do mercado do vinho nacional e aproximar a capacidade concorrencial dos produtores portugueses dos demais produtores comunitários, cuja verificação, à data, era da competência do ex-INGA (cfr. Tratado Constitutivo da CEE; OCM vitivinícola de 1970; preâmbulo, alíneas c), d) e e) do artigo 5° e alínea e) do artigo 18° do Decreto-Lei nº 282/88, de 12108, bem como a alínea b) do n° 2 do artigo 1° e artigos , e do Regulamento (CEE) 729/70).

d) O Decreto-Lei n.º 282/88, de 12/08, conforme melhor enunciado no preâmbulo e resulta expressamente das atribuições do ex-INGA referidas nas alíneas c), d) e e) do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 282/88, de 12 de Agosto, transferiu todas as atribuições e competências relativas à orientação, regularização e organização dos mercados agrícolas e pecuários para o ex-INGA, eliminando-se, por consequência, a distinção entre a aplicação e processamento daquelas medidas, por um lado, e o seu financiamento e pagamento, por outro.

e) Assim, o ex- INGA, enquanto organismo pagador e coordenador das despesas financiadas pelo FEOGA, era a entidade competente para proceder aos controlos das situações de incumprimento por parte dos beneficiários e para promover e diligenciar a recuperação dos montantes indevidamente atribuídos, competências previstas no então Decreto-Lei n.° 282/88, de 12 de Agosto, e no Regulamento FEOGA (cfr. preâmbulo, alíneas c), d) e e) do artigo 5°e alínea e) do artigo 18°, todos do Decreto-Lei n.° 282/88, de 12/08, e a alínea b) do n°2 do artigo 1° e artigos , e do Regulamento (CEE) 729/70).

f) Resulta o presente recurso, conforme matéria provada nos presentes autos e demais documentação constante dos presentes autos, do saldo devedor decorrente do encerramento das contas, levado a cabo pelo instituto, relativo às operações de importação de aguardente para beneficio do Vinho do Porto, ou seja, de uma irregularidade detectada no processo de concessão da intervenção financeira em causa, sendo o processo de atribuição do subsidio e correspondente verificação de regularidade pautado pelos regulamentos que regem a ajuda, isto é, o financiamento e recuperação das ajudas do FEOGA-Garantia, estando condicionado ao preenchimento de determinados requisitos, pelo que importa ter sempre presente que os Regulamentos comunitários têm aplicação directa na ordem jurídica portuguesa, ao lado das normas...

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